No último número do hebdomadário Expresso das Ilhas, José Tomaz Veiga (JTV) levanta a questão da relevância estratégica, quando alerta para necessidade de se evitar cair no catastrofismo ambiental, tendo em conta a exiguidade do nosso território (e respetivo espaço aéreo) e as infindas carências requerendo atenção urgente. Entre outras coisas diz que Cabo Verde não se pode dar ao luxo de priorizar a luta contra as mudanças climáticas, enquanto convivemos com necessidades inadiáveis em matéria de qualificação dos professores e de criação de instituições para o efeito. E cita Singapura como exemplo.
Quando os recursos, existentes e/ou mobilizáveis, vão do nulo ao escasso, mais importante do que a mera definição do que é prioritário e do que não é, torna-se mister que as decisões assumidas sejam estrategicamente relevantes. As decisões precisam fazer render os recursos disponíveis e, de uma assentada, resolver os problemas mais candentes ao mesmo tempo que potencia a resolução dos demais. Enfim, o que JTV questiona é qual decisão seria estrategicamente relevante para o país real Cabo Verde (pequeno, insular, sem recursos naturais por aí além): utilizar 518 milhões de contos para reduzir a nossa reduzidíssima quota (0,0018%) de emissão de CO2 para a atmosfera (espaço aberto e comunicante, sem muros nem barreiras que mantenham as emissões adentro do espaço aéreo do país emissor) ou para investir na qualificação dos professores, para propiciar um alto nível de formação aos alunos das nossas escolas, o que, a breve trecho, nos proporcionaria um corpo de profissionais com maturidade profissional alta (mui competentes e motivados) para o desafio de incremento da nossa produtividade e, por tal via, para a realização do desenvolvimento económico inclusivo e a consequente melhoria das condições de vida dos cabo-verdianos?
Se o grito de alerta de JTV fosse um desses milhões de posts que caem na net, diariamente, certamente haveria reações para todos os gostos. Pró ou contra, o certo é estaria agitando os internautas. E isso seria já muito bom. Estaria aberto um espaço para debate de ideias que têm a ver com o futuro das pessoas, com o seu bem-estar e até, inclusive, com a realização dos sonhos plasmados na Constituição de 92.
Antevejo gente dizendo que é muito bonito problematizar à volta dessas questões, mas que a verdade é que é bem mais fácil obter um financiamento de 518 milhões de euros para a transição energética do que metade desse valor para a educação, valorização de recursos humanos e saúde, ainda que resulte claro que se tem em mente a melhoria da competitividade e o incremento da produtividade do país. Seria, de facto, um bico de obra para os líderes da Nação e para a nossa diplomacia económica mobilizar investimentos para a causa da educação, da valorização dos recursos humanos e do desenvolvimento inclusivo. Seria, sem sombras para dúvidas, um grande desafio. Mas desde quando começamos a virar as costas aos desafios? Afinal, nôs rikeza ê ô non forsa d’hôme ki dá nêss txon? É ou não é verdade que nô ka tem ôr, nô ka tem diamante e que a nossa riqueza tem sido sempre êss paz ki Deus dánu e a forsa d’hôme ki dá nêss txon? Creio que todos estamos com o saudoso Manel di Novas. E entre ir buscar 518 milhões de euros (que, na hora do vamos ver e incluindo o serviço da dívida se transformariam nuns bons 1.000 milhões, mais coisa, menos coisa) para estar entre os grandes (China, Alemanha e comandita) na fila da frente pelas questões ambientais e tomar consciência da nossa pequenez e das nossas reais necessidades e ir à luta por algo que seja um projeto de e para uma Sociedade com futuro, que queremos nas ilhas, qual acha o leitor que tenha maior RELEVÂNCIA ESTRATÉGICA? Gritaremos, berraremos, suplicaremos, em sendo necessário, para mobilizar recursos para o que precisa ser feito, mas nunca, jamais e em tempo algum, devíamos pedir emprestado para fazer o que o credor acha que precisamos fazer. É assim que se compromete o futuro das gerações vindouras.
Haverá quem venha dizer que é nosso dever e nossa obrigação participar do desafio mundial de redução das emissões de gases do efeito de estufa. Se estivéssemos dentro de uma redoma e as emissões da China dos USA, Alemanha, da Índia, do Brasil, etc. se mantivessem adentro dos respetivos espaços aéreos, não se espalhando por esse enorme vaso comunicante que é a atmosfera, talvez respondesse com um TALVEZ. Mas não. Os poderosos, todos eles, aumentaram as emissões de CO2 e nós contribuímos com apenas 668 mil toneladas, representando uma quota de 0,0018% do total das emissões. E, pior, os que poluem mais bombardeiam-nos diariamente com as suas emissões de biliões de toneladas (a China 11,47 bilhões de toneladas; os USA 5,01 bilhões de toneladas), já que, como regista JTV e como pode ser empiricamente constatado, não há barreiras contra a difusão de CO2 na atmosfera. O muro de Donald Trump não deixa passar os mexicanos, mas as emissões das fábricas do Norte passam para o vizinho do Sul e não só. O mesmo se poderá dizer da grande muralha da China: não protege os vizinhos das emissões do país de Xi Jimping.
Mais argumentos para contrapor ao apelo, ao grito de alerta de JTV? Poderá haver. Mas, por ora, o prato da balança, que mede a relevância estratégica, pende para a tese deste cabo-verdiano com provas dadas de disponibilidade para pensar Cabo Verde.
Que modismos, questões de ordem ideológica ou a eterna mania de nos pormos nas pontas dos pés, para dar nas vistas, não façam com que o grito de alerta de José Tomaz Veiga caia em ouvidos moucos. De facto, Cabo Verde não se pode dar ao luxo de priorizar a luta contra as alterações climáticas quando tem várias carências que clamam por atenção, em caráter de urgência.
E já agora, e para terminar: porquê não pôr de pé um THINK TANK para pensar Cabo Verde, em permanência, e para ajudar os decisores públicos, quando e sempre que solicitados por estes?
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1126 de 28 de Junho de 2023.