Mésti manti ou mésti muda?

PorAntónio Ludgero Correia,31 jul 2023 8:01

“… porque se bem considerado for tudo, sempre se encontrará alguma coisa que, parecendo virtude, praticada acarretará ruína, e alguma outra que, com aparência de vício, se seguida dará origem à segurança e ao bem-estar.” Nicolau Maquiavel

O que os grupos parlamentares dirão no debate do “Estado da Nação” todos nós já sabemos. Um jornalista designado para a cobertura da sessão de tal debate podia muito bem baldar-se e, ainda assim, produzir uma notícia que corresponderia exatamente (ou quase) aos acontecimentos. Para a situação, nós vivemos no paraíso terrestre, com leite e mel em abundância; para a oposição, vivemos em um vale de lágrimas, qual inferno de Dante, com muito choro e ranger de dentes.

Nós outros sabemos que estas ilhas do Atlântico médio, largadas no enfiamento do Sahel, onde não chove, ou chove mal e porcamente, não serão nem o Éden, nem o Purgatório. Vivemos cá, não se esqueçam! É um território que teve a desdita de se situar sob a influência dos ventos quentes do deserto, sem rios ou outras correntes de água, sem riquezas minerais no seu subsolo e com uma trajetória que vem da escravatura, passando pelo sistema colonial-fascista, pela “democracia nacional revolucionária” e que hoje se atracou a um sistema democrático e que, no momento, está sendo gerido por um grupo que reza pela cartilha neoliberal. É, em síntese, um país pobre, gerido por pobres e acríticos seguidores de um certo liberalismo; um território que precisaria de um Estado social convicto e que se vê a braços com a regra do desenrasca-te, do salve-se quem puder, do usuário-pagador. Mas, decididamente, o diabo não é tão feio como o pinta a oposição, nem há tanta sombra e água fresca como proclama a situação. É o Cabo Verde de ESPERANÇA, de Norberto Tavares.

Bem andariam os protagonistas do debate se se concentrassem a identificar o que, nesta Nação diasporizada, está mal (e precisa ou pode ser mudado); o que não presta (e precisa ser banido); o que falta (e precisa ser posto de pé) ou o que não temos (e precisa ser mobilizado). Bonito mesmo seria identificar um conjunto de aspetos que, nesta nossa Nação jovem, frágil e pobre (que não pode se dar ao luxo de estar sistematicamente voltando à estaca zero), poderia ser objeto de um pacto de regime. Mas isto talvez seja sonhar demasiado alto. Uma utopia e tanto.

O que, na Nação cabo-verdiana, está mal e pode ser mudado? Eu cá sei de umas cositas, mas os senhores deputados sabem de muito mais, ou não estariam se digladiando - entra semana, sai semana - com “conferências de imprensa” para lavagem pública da roupa suja.

O que não presta e precisa ser banido? Nesse segmento talvez não haja muitos itens, mas tais coisas, quais ervas daninhas, devem ser extirpadas, doendo a quem doerem. Para o bem de todos e felicidade geral da Nação. Os nossos deputados terão alguma dificuldade em chegar a consensos, mas se pensassem que nós contamos com eles, que eles devem ser NOSSOS representantes antes de serem representantes das siglas por que se elegeram, teriam feito o sacrifício que fosse necessário para que pudessem honrar a confiança neles depositada.

O que falta para nos aproximarmos da Nação idealizada na nossa Carta Magna? Vamos lá fazer um pequeno exercício:

(1) IDE (Investimento Direto Estrangeiro) – temos o suficiente ou precisamos de mais?

(2) PRODUTIVIDDAE – a Nação está produzindo o suficiente, principalmente se comparada com os nossos concorrentes mais próximos?

(3) COMPETITIVIDADE – estamos satisfeitos com o nosso nível de competitividade? Ou precisamos nos armarmos melhor para aguentarmos a concorrência – na atração do IDE, na penetração nos mercados emissores do turismo, etc.?

(4) O nosso sistema de ensino é suficientemente coerente e pragmático – para que tenha como outputs, p.e., bons professores, cidadãos ciosos dos seus direitos e conscientes dos seus deveres, mão-de-obra de qualidade, a modos de não mais nos limitarmos a ceder mão-de-obra barata (contratada), passando a exportar “quadros” qualificados?

(5) Como anda o projeto de integração dos subsistemas de saúde (público + privado + cooperativo) - sintonizados na aquisição de meios tecnológicos de diagnóstico, na disponibilização de camas, na abordagem do turismo de saúde, na troca de serviços e no balanceio final das contas? O que acha a Nação do papel especial que deve o INPS desempenhar no desejado SIS (Sistema Integrado de Saúde)?

(6) E no que diz respeito a Políticas Públicas viradas para a atração do investimento dos cabo-verdianos da diáspora? A Nação concorda que se lhes dê MENOS, MAIS ou IGUAL ao que se tem dado aos estrangeiros?

(7) Investimentos em Pesquisa & Desenvolvimento – as Universidades, os Investigadores e Pesquisadores, os homens da Ciência em súmula, contam com o financiamento necessário para darem ao país o que a Nação deles espera?

(8) Os casamentos e as uniões de facto entre a Universidade, as empresas e as famílias estão acontecendo? Vem valendo a pena os sacrifícios das famílias, os investimentos do Estado e a contribuição das empresas no financiamento do ensino superior ou precisamos descobrir uma novíssima fórmula?

(9) A Nação estará satisfeita com os seus representantes no Legislativo, no Executivo e no Judiciário ou estarão indicadas ações sérias de seguimento e avaliação (auto e hétero) para que a democracia possa estar bem escorada?

(10) A nossa cultura democrática está no nível desejado? Tem sido feito o necessário para que ela se consolide? Têm sido feitos os investimentos necessários para debelar o clima de crispação permanente na classe política e na sociedade em geral? Em suma, estamos BEM, MAL ou ASSIM-ASSIM? Estamos no rumo certo para chegar à democracia perfeita ou com alguns pequenos e suportáveis defeitos? Para atingir o desenvolvimento inclusivo - um estado de coisas em que a felicidade esteja ao alcance de todos os cidadãos?

O que a Nação não tem e precisa ser mobilizado? Recursos, taxativamente. Existe já (ou precisaria ser montado) um quadro bem trabalhado para mobilização de recursos para a realização dos planos que seguimos fazendo? É que, o mais das vezes, a nossa visão estratégica e os nossos planos de desenvolvimento traduzem o nosso sonho de consumo e não levam em linha de conta os recursos disponíveis e/ou mobilizáveis necessários para passar da visão e dos planos à ação organizada. Temos sido coerentes na contratação da dívida, mobilizando recursos para a solução de problemas bem identificados ou vamos continuar deixando que os credores e as instituições de Bretton Woods nos façam o ninho atrás da orelha, disponibilizando nichos quentes para multiplicação do rico dinheirinho deles?

Ele há tanta coisa clamando pela atenção dos eleitos da Nação no debate do “Estado da Nação”… Porquê, então, entram em modo “façamos de conta”, fechando os olhos ao país real e discorrendo sobre um país fictício - que só existe na cabeça daqueles que querem voltar ao poder (a qualquer preço) e na daqueles que querem se manter no poder (a todo o custo) – em vez de contribuir para um coerente e consequente diagnóstico do Estado da Nação e se oferecer para trabalhar no sentido de tornar ótimo o que está bom, melhorar o que está assim-assim e extirpar, de vez, o que não deve ter vez no Estado, na Sociedade e na Administração Pública em Cabo Verde? Seria tão bom…

Até porque, na sequência - e em consequência - de um debate sério e profícuo, chegar-se-ia a uma resposta clara e inequívoca em relação à questão fulcral acerca do rumo a dar ao país: MÉSTI MANTI ô MÉSTI MUDA?

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1130 de 26 de Julho de 2023. 

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Autoria:António Ludgero Correia,31 jul 2023 8:01

Editado porAndre Amaral  em  31 jul 2023 15:30

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