Os pequenos estados insulares em desenvolvimento marcam encontro inter-regional na Praia para preparar a quarta Conferência Internacional (SIDS4)

PorJosé Luís Rocha (*),28 ago 2023 9:38

A Assembleia Geral das Nações Unidas através da sua Resolução 77/245 de 30 de dezembro de 2022 decidiu convocar a IV Conferencia internacional sobre os Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento ou SIDS4, que irá ter lugar em maio de 2024 em Antígua & Barbuda, nas Caraíbas.

1. Preâmbulo: o caminho que leva à Cimeira SIDS4

Como processo preparatório, a Resolução também decidiu pela realização de uma reunião em cada uma das três regiões dos SIDS, assim como de uma reunião inter-regional de todos os SIDS, com vista a identificar e desenvolver subsídios para a Conferencia, de forma coerente e complementar.

As reuniões regionais já tiveram lugar em Maurícias de 24 a 26 de julho de 2023, pela região AIS (Oceanos Atlântico e Indico e o Sul do Mar da China), em S. Vicente e Granadinas de 8 a 10 de agosto de 2023, pela região das Caraíbas e em Tonga de 16 a 18 de agosto de 2023, pela região do Pacífico e, será a vez de Cabo Verde acolher na Praia, a Inter-regional, de 30 de agosto a 1 de setembro de 2023.

A Conferencia SIDS4 em 2024 dará continuidade ao processo iniciado em 1992 aquando da Cimeira da Terra durante a qual os SIDS, pela primeira vez, foram reconhecidos como uma categoria de países que enfrenta limitações estruturais podendo impedir a realização do seu desenvolvimento sustentável. Desde então três Conferências cimeiras conduziram ao Programa de Ação de Barbados em 1994, à Estratégia de Maurícias em 2005 e ao SAMOA Pathway em 2014, esta ultima, bem como a sua revisão em 2019, consistente com a Agenda 2030 sobre os ODS e as demais Agendas (financiamento, clima, desastres ...) nesse âmbito.

A Conferencia SIDS4, enfim, de acordo com a Resolução, procurará “um compromisso político renovado de todos os países para enfrentar efetivamente as necessidades especiais e as vulnerabilidades dos SIDS, através da mobilização ajustada de recursos, (assim como) identificará desafios novos e emergentes e as oportunidades para o desenvolvimento sustentável dos SIDS”.

2. O que define os SIDS e quais os desafios atuais desse Grupo de países / ilhas

As Nações Unidas reconhecem um numero de 37 Estados membros que entram na categoria de SIDS, assim como identificam cerca de 20 territórios não autónomos que estão associados à essa categoria. Totalizam 65 milhões de habitantes ou seja cerca de 1% da população mundial.

Os SIDS são um grupo diverso, a começar pela dispersão geográfica pelas três regiões já referidas e com diferenças territoriais, demográficas, de concentração da atividade económica (turismo, extração...) e de níveis de rendimento. Sete SIDS pertencem à categoria dos PMA enquanto que os outros estão incluídos dentro das categorias de MIC de renda media e alta e de Alto Rendimento.

Mas os SIDS têm em comum o facto serem grandes Estados Oceânicos na sua maioria, que leva ao isolamento (a sua ZEE global ultrapassa em media 28 vezes a sua massa territorial conjunta). Igualmente a insularidade e a pequenez criam problemas de escala económica, a reduzida capacidade humana, institucional e financeira limita a sua resiliência e a exposição aos choques externos económicos, ambientais e sociais cria vulnerabilidades que ameaçam o desenvolvimento sustentável das ilhas e requerem medidas especiais de apoio com essa finalidade.

Tendo em conta a semelhança dos seus problemas, os SIDS encontram-se perante a persistência de desafios, igualmente comuns, de entre os quais, ressaltam-se os seguintes:

  • Lenta e difícil recuperação dos choques externos

Os SIDS continuam sendo impactados acima da média por choques externos, como a crise financeira global de 2008 – 2009, que expõem as suas vulnerabilidades, induzem crescimento económico baixo assim como uma recuperação lenta. A crise provocada pela COVID 19 não foi exceção em matéria de contração económica que provocou, principalmente nos SIDS. Da mesma forma que a recuperação pós COVID tem sido entravada por vários fatores como “a pressão acrescida sobre os alimentos, a energia e as finanças, a alta da inflação e das taxas de juros, o aumento do endividamento, a rutura das cadeias de valores, assim como a proliferação de tensões geopolíticas e de conflitos regionais”.

  • Mudanças climáticas

As mudanças climáticas e outros desastres provocados pela “ferocidade de eventos extremos” são frequentes e de maior impacto nos SIDS em virtude da exposição decorrente do isolamento oceânico e da pequenez física. Esses fenómenos causam perdas humanas e económicas, bem como aumentam o ratio divida / Pib, tendo em conta ainda o contexto de difícil acesso ao financiamento climático.

  • Pobreza, desigualdade e fuga da mão de obra

A pobreza, incluindo a pobreza extrema, tem sido agravada como resultado dos vários choques, afeta principalmente as categorias mais vulneráveis, alarga a desigualdade no seio das sociedades, assim como provoca surtos migratórios atingindo, em primeira linha, a mão de obra qualificada.

  • Infraestruturas e Conectividade (transportes e digital)

Igualmente tem sido apontado como desafios, realizar a segurança hídrica, o acesso a fontes abordáveis, seguras e sustentáveis de energias e a conectividade relativa tanto ao transporte inter-ilhas como a digital.

  • Acesso ao financiamento

«O acesso reduzido a fontes de financiamento bloqueou a capacidade dos governos de aumentar a produtividade e investir em desenvolvimento sustentável e resiliência». Essa situação tem sido particularmente relevante no caso dos SIDS.

3. As Regionais revisitam recomendações passadas

As Declarações das três regionais acabadas de realizar, seguiram uma mesma estrutura que distingue cinco pilares de recomendações e ações, incluindo em todos, o atendimento das especificidades próprias de cada uma das Regiões.

  • Revitalização das Economias dos SIDS visando um crescimento dinâmico e inclusivo

Neste capitulo, partindo das vulnerabilidades existentes e da necessidade de se construir resiliências, assume-se o compromisso e a visão de longo prazo de realizar a transformação económica nas sociedades SIDS por via da diversificação das economias com base nas potencialidades que oferecem as economias azul, verde circular e digital, os investimentos, as parcerias e a mobilização de recursos. Atendendo que o alto endividamento e a limitação do espaço fiscal são constrangimentos maiores, o recurso à APD assim como o acesso preferencial aos mercados, aos recursos concessionais, a modalidades de alívio e conversão da dívida, assim como as remessas e o investimento das diásporas, são fundamentais no caso dos SIDS. A reforma do sistema financeiro internacional abrangendo as Instituições de Breton Woods (IBW) e outros bancos multilaterais para aumentar a disponibilidade de financiamentos aos SIDS e a adoção do Índice de Vulnerabilidade Multidimensional (MVI), para facilitar a elegibilidade e o acesso a financiamentos, sobretudo concessionais, são duas medidas de mudança de paradigma apontadas.

  • Ações Transformativas para reforçar a resiliência ambiental

Em virtude da sua maior exposição maior aos fenómenos ambientais, assim como ao impacto daí adveniente, os SIDS confrontam-se com a urgência de aumentar a sua ambição climática em relação à mitigação, à adaptação e às perdas e danos, com ações transformadoras e de reforço da resiliência, e com meios de implementação proporcionados por mecanismos de financiamento climático. No caso dos oceanos, deverão contribuir as medidas globais de redução do impacto tanto dos fatores que ameaçam (aumento da temperatura e do nível dos mares, a degradação da biodiversidade e a poluição geral e, plástica, em particular) como daqueles que aumentam a prosperidade (da economia azul, incluindo as infraestruturas e os serviços nesse âmbito). A cooperação internacional é fundamental, incluindo a codificação do direito internacional do mar, a biodiversidade e a poluição plástica, bem como por via da facilitação do financiamento climático.

  • Vias para o Empoderamento, Equidade, Inclusão, Segurança Humana e Sociedades Apaziguadas

O capital humano e social, considerado a principal riqueza dos SIDS, deve ser objeto de investimento que promova sistemas de proteção social, de redução da pobreza e de combate as desigualdades, de um modo geral com ações concretas, entre outros, em domínios como o acesso aos cuidados primários e diferenciados de saúde, luta contra pandemias, segurança social, educação e formação profissional de qualidade, aprendizagem ao longo da vida, água potável e saneamento, inclusão digital de qualidade e promoção da cultura como forma de diversificação económica, assim como de empoderamento da mulher e dos jovens em particular. Por outro lado, os SIDS deverão encontrar soluções aos desafios urgentes no nexo alimentos-energia-rendimentos que resultam do impacto das crises globais sucessivas. Enfim os SIDS deverão também encontrar soluções urgentes para enfrentar a criminalidade e a violência crescentes de modo a proporcionar no seu seio sociedades mais apaziguadas.

  • Reforço das Capacidades Institucionais e Estatísticas

Parte-se do reconhecimento de que a existência de dados sólidos, desagregados e fiáveis, bem como a capacidade de os produzir com regularidade, informam as políticas e decisões e, por essa via, a prestação dos serviços básicos nos SIDS. Por outro lado, que o acesso à inteligência artificial e a outras tecnologias reforça a possibilidade de soluções perante a situação critica e lacunar dos SIDS em matéria de dados. Os SIDS apelam ao Sistema das Nações Unidas e a outros Parceiros que lhes sejam facilitados o acesso e o uso das plataformas existentes, incluindo a capacitação aos níveis nacional e regional, com vista a modernizarem os seus serviços estatísticos. Neste sentido, saúdam a proposta de se estabelecer um banco de dados (“SIDS data Hub”) por ocasião da SIDS4.

  • Ação para menos Vulnerabilidade e para um Futuro mais resiliente

Os SIDS, não obstante os ganhos de parcerias passadas, entendem evidenciar as lacunas transversais ainda existentes com vista a reduzir as suas vulnerabilidades e encarar um futuro mais resiliente em relação, nomeadamente, a dados desajustados para avaliação e monitoria, infraestruturas e informação digitais, financiamento concessional e inovador previsível e sustentável e a capacitação, esta como um constrangimento da pequena dimensão em todos os SIDS, exacerbado pela migração de pessoas qualificadas. Recomendam uma melhor articulação das prioridades nacionais com vista a integrar nos níveis nacional e regional, as parcerias publicas e publico – privadas, Norte – Sul, Sul – Sul, triangular e entre SIDS. Também advogam no plano global a reforma do Sistema Financeiro Internacional, assim como a operacionalização do MVI, a seguir referido.

4. O Índice de Vulnerabilidade Multidimensional (MVI) encerra uma mudança de paradigma

Com base no Relatório final já apresentado, espera-se que a adoção e operacionalização do MVI possam constituir-se em mudança de paradigma na forma e metodologia seguidas até agora para abordar o apoio ao desenvolvimento sustentável dos SIDS.

Com efeito, o PIB per capita, como indicador quantitativo de referencia para medir o nível de rendimento económico dos países e, subsidiariamente, determinar a elegibilidade a financiamentos externos, não avalia nem a vulnerabilidade dos países face aos choques externos nem a sua capacidade de resiliência face aos mesmos.

Daí a necessidade de uma medida complementar, particularmente sentida pelos SIDS, que solicitaram ao Secretario Geral das Nações Unidas em 2020, no auge da pandemia do COVID 19, o estabelecimento de um Índice de Vulnerabilidade Multidimensional (MVI), com o objetivo de identificar as principais fontes de vulnerabilidade ou falta de resiliência, orientar as politicas consequentes e servir de critério adicional para facilitar o acesso aos financiamentos, concessionais, em primeira mão. A elaboração do MVI foi confiada por Resolução da Assembleia Geral a um Painel de Alto Nível, de 12 personalidades internacionais, incluindo o signatário do presente texto. O Painel seguiu um roteiro preciso:

  • Consolidou os princípios enumerados na Resolução para a escolha de indicadores: multidimensionalidade (económica, social e ambiental), universalidade (abrangência de todos os países em desenvolvimento e não apenas os SIDS para apoiar a comparabilidade), exogeneidade (fatores estruturais inerentes a choques externos e não induzidos por politicas), evidência de dados (disponíveis, fiáveis), simplicidade (o MVI devera ter uma estrutura simples).
  • Em segundo lugar definiu os conceitos de vulnerabilidade estrutural (o risco de um país ou o seu desenvolvimento sustentável ser impactado por choques externos ou outras imposições) e de resiliência / ou falta de resiliência estrutural (as capacidades inerentes ou construídas para suster, absorver, recuperar ou minimizar os efeitos adversos de choques ou imposições).
  • Seguiu-se a proposta de um Quadro conceptual para o MVI em dois níveis. No topo, o Índice geral assente nos pilares de Vulnerabilidade e de Resiliência, cada um com as suas dimensões económica, ambiental e social e, na base, a proposta de um Perfil País de Vulnerabilidade e Resiliência (VRCP) com o objetivo de adaptar o Índice geral à realidade de cada país em particular. O VRCP não será obrigatório, mas terá a utilidade de agir dentro do sistema de planeamento de cada país em complementaridade com outros instrumentos, como o Quadro Nacional Integrado de Financiamento (INFF).
  • Daqui para a frente tratou-se de, com abordagem e metodologia próprias, identificar dezoito conceitos sendo três para cada dimensão de vulnerabilidade e de resiliência; utilizar critérios e regras de inclusão e exclusão que levaram à escolha de 26 indicadores; de realizar a agregação de indicadores, para a qual foi escolhido o método da média quadrática que no entender da equipa técnica do Painel, tendo em conta que os países são vulneráveis de diferentes formas, reflete melhor essas diferenças, em comparação com uma simples media aritmética.
  • De acordo com o Painel «a construção do MVI representa um marco importante na conceptualização e medição da vulnerabilidade estrutural. O MVI abrange todos os países em desenvolvimento e baseia-se numa metodologia sólida e transparente, bem como em indicadores extraídos de fontes fiáveis, principalmente agências da ONU. Nenhum dado no MVI é imputado ou subjetivo. Isso aumenta sua credibilidade».
  • Por outro lado, uma ferramenta de visualização interativa do MVI mostrando as pontuações por país pode ser consultado no site do www.un.org/ohrlls/mvi/documents . «A ferramenta foi concebida para melhorar a compreensão dos dados MVI, apoiar a exploração e análise de dados, auxiliar a tomada de decisões e facilitar a comunicação eficaz dos resultados. A ferramenta é dividida em seis páginas, permitindo ao usuário interagir com os dados, manipular variáveis e observar o impacto na representação visual em tempo real».
  • Enfim, procurou-se durante a elaboração do MVI seguir um processo de consultas com os países desenvolvidos e em desenvolvimento e com representantes de instituições internacionais, absorvendo as suas sugestões com vista a facilitar a adoção. O MVI será servido por uma estrutura de governança (gestão e revisão periódica) que integra um secretariado e um painel de peritos de alto nível.

5. Mudanças de paradigmas serão necessárias

A Conferencia SIDS4 em 2024 dará continuidade, como referido anteriormente, às Cimeiras de Barbados, Maurícias e Samoa, trazendo para a atualidade a necessidade de novos compromissos políticos da comunidade internacional em relação às necessidades especiais dos SIDS.

Em debate atualmente encontra-se a adoção e uso do MVI que poderá acrescentar a vulnerabilidade como critério complementar de acesso a financiamento por parte dos SIDS. Igualmente em debate, está a oportunidade de reforma do sistema financeiro internacional que, entre outros objetivos, poderá trazer maior volume de recursos para os SIDS.

Os resultados satisfatórios desses dois debates trarão, sem dúvida, mudanças de paradigma positivas para os SIDS, havendo, porém, a necessidade de se acrescentar uma terceira, ou seja, a necessidade de virem ser adotados Compactos de apoio aos SIDS, elaborados a partir dos grandes princípios e objetivos gerais, mas trabalhados, de comum acordo com as varias parcerias e ajustados à realidade de cada SIDS em particular.

Nessa base os Compactos terão a vantagem e o poder de instrumentalizar os Programas de ação das varias conferencias sucessivas que não têm ultrapassado o estado de listas de recomendações ou de menus soltos sem mecanismos de implementação.

Os Compactos responderiam igualmente à necessidade de a Comunidade internacional agir de forma consensual e coordenada e não de forma dispersa como tem feito neste domínio.

Para o efeito, tais Compactos poderiam ser concebidos como uma abordagem integrada em torno de políticas e objetivos e de vias e meios.

1) Políticas / Objetivos

  • Promover a competitividade económica, sustentada por investimentos públicos e privados nos sectores que em cada SIDS ofereçam oportunidades de crescimento, atendendo ainda aos problemas de escala existentes em virtude da dimensão das ilhas, favoreçam as exportações e a integração nas cadeias de valor.
  • Atender às necessidades especificas de inclusão e segurança social em geral, no acesso aos bens públicos essenciais, no empoderamento das mulheres e jovens e na geração de rendimentos para a autonomização em relação à dependência de esquemas sociais.
  • Combater as mudanças climáticas, favorecer a justiça climática e criar resiliências por via de programas de adaptação e mitigação, de defesa da biodiversidade e de luta contra a poluição
  • Investir nos oceanos de forma holística e integrada para contemplar os seguintes eixos: a economia azul e a sua participação no processo de competitividade; a saúde oceânica relativamente ao impacto climático (aumento da temperatura e nível do mar, acidificação...), à biodiversidade e à poluição; a segurança nos oceanos para preservar a liberdade de navegação e lutar contra atividades ilícitas em mar; e a governança dos oceanos nos domínios legais e institucionais, da formação e da capacitação.
  • Integração regional nas instituições e mercados mais próximos.

2) Vias e Meios

  • Os SIDS em virtude do impacto generalizado das crises, grau de endividamento e limitações fiscais vem reclamando de um modo geral acesso não reciproco aos mercados, acesso à APD e a modalidades de financiamento concessional.
  • Acesso ao financiamento climático necessário, com a remoção dos obstáculos diversos nesse caminho
  • Alívio e conversão da dívida em financiamento do desenvolvimento
  • Modalidades de financiamento inovador
  • Capacitação para o planeamento, programação, mobilização de fundos, implementação, avaliação e monitoria

6. Cabo Verde, que Estratégia e que Governança enquanto SIDS?

Cabo Verde é um SIDS inserido na Região AIS (Atlântico, Oceano Indico e Mar do Sul da China) e, como tal, deverá posicionar-se com estratégia, governança, coordenação e liderança.

Cabo Verde adotou em 2022 uma Estratégia nacional SIDS que “tem por objetivo dotar o país de um quadro de cooperação global e diferenciada com os SIDS”. Com esse objetivo deveria servir de alavanca para que Cabo Verde coopere e aprenda com os SIDS que avançam mais rápidos em crescimento económico e desenvolvimento sustentável. Mas também deveria ir mais longe, não como um Plano SIDS paralelo ao PEIDS, mas como uma leitura transversal deste ultimo para acolher as especificidades do país enquanto SIDS, com vista a realização dos seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Nessa dupla perspetiva, a Estratégia deveria ainda alimentar um eixo da diplomacia global de Cabo Verde face aos novos desafios que se colocam no caminho do SIDS4.

A nossa condição de SIDS requer uma Governança política de modo a articular as prioridades nacionais nos planos económico, ambiental e social, defender e promover essas prioridades nos vários fóruns internacionais, bem como uma governança operacional de alerta e gestão permanente do nexo nacional – internacional neste âmbito. A criação de uma Unidade de Gestão SIDS (UG-SIDS), nacional e multissectorial, a designação de um Ponto Focal Principal e de pontos focais sectoriais e a nomeação de um Embaixador ou Champion para os SIDS são ideias a explorar. O importante é evitar que este dossier caia no mundo do acaso, do esporádico e da continuidade intermitente.

O Grupo AIS no qual Cabo Verde se insere compreende os restantes SIDS africanos (Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Comores, Maurícias e Seychelles) para além de Maldivas e de Singapura. Em relação ao Grupo de Caraíbas com a sua instancia de coordenação – CARICOM - e ao Grupo do Pacifico com o – Fórum do Pacífico -, o Grupo AIS é o menos homogéneo, articulado e sem estrutura de coordenação. Está em cima da mesa uma proposta que saiu da regional de Maurícias no mês de julho passado para que o Grupo AIS retome a discussão das modalidades de um mecanismo de coordenação, em Nova Iorque, primeiro ao nível dos Representantes permanentes e em seguida ao nível Ministerial. No meu entender deve-se repensar uma reconfiguração geopolítica futura dos SIDS mais homogénea geograficamente, igualmente com três grupos regionais, respetivamente Caraíbas, Asia – Pacifico para incluir Maldivas e Singapura e o Grupo dos SIDS Africanos dos Oceanos Atlântico e Indico (AAIO).

Cabo Verde deverá procurar uma liderança SIDS ao nível global como regional e a vários outros níveis. Escusado será dizer que as lideranças não caem do céu, constroem-se. Atualmente Cabo Verde exerce a função de Vice-Presidente da AOSIS – Associação dos Pequenos Estados Insulares - em Nova Iorque, e deveria ter como objetivo assumir a próxima Presidência da Associação, como alavanca de coordenação de todos os SIDS e de interlocução em nome dos SIDS junto das Nações Unidas e de outras instancias internacionais. Será igualmente fundamental uma liderança ao nível regional do Grupo AIS e o momento para se posicionar será em antecipação ao debate proposto para discussão do mecanismo de coordenação para esse Grupo. Enfim, a coordenação SIDS tem sido necessária em outras instancias como em Bruxelas (União europeia e OEACP), nas Nações Unidas em Genebra, no seio da UA e da CEDEAO ou mesmo no seio da CPLP que integra 4 SIDS entre os 9 membros. Nessa perspetiva inclui-se ainda o facto de Cabo Verde assumir o Fórum dos Pequenos Estados no âmbito das IBW a partir de outubro de 2023.

7. Olhando para a frente

A Conferência SIDS 4 em maio de 2024 irá acontecer quatro anos após o inicio da COVID 19 que impactou negativamente a economia e o tecido social nos SIDS mais do que em qualquer outro país. Acontecerá também seis anos, antes da meta da Agenda 2030, em relação à qual os SIDS também enfrentam atrasos no cumprimento dos ODS e continuam a enfrentar obstáculos para aceder ao financiamento para o efeito.

Entretanto, o debate internacional tem apresentado propostas e perspetivas novas de como é possível apoiar os planos dos SIDS de retoma do crescimento económico, de construção de resiliências sociais e de reconstruir melhor, tendo em vista a realização dos seus ODS e, sobretudo, em aceder a mais financiamentos em geral com a reforma sistema financeiro internacional, a aceder a financiamentos concessionais se o MVI for adotado e a novos financiamentos oriundos, entre outros, da conversão da dívida e do financiamento climático. Enfim a adoção de Compactos enquanto mecanismos de implementação ao nível de cada SIDS dos programas de ação acordados será uma mais valia nessa direção.

Nessa base, as Reuniões regionais dos SIDS acabadas de realizar consolidaram as prioridades e recomendações de cada Grupo, pelo que a Inter-regional da Praia, nos próximos dias será uma etapa para a formatação de uma posição comum dos SIDS na linha reta da Conferência sobre o Desenvolvimento Sustentável à margem da Assembleia Geral em setembro próximo e, principalmente, da Conferencia SIDS4 em 2024.

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(*) José Luis Rocha, Embaixador de carreira (ref) foi Chefe de Missão de Cabo Verde em Bruxelas, Washington DC e Nova Iorque e também Chefe de Missão da Organização internacional da Francofonia (OIF) junto à União europeia. É membro do Painel de Alto Nível das Nações Unidas sobre o MVI.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1134 de 23 de Agosto de 2023.

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Autoria:José Luís Rocha (*),28 ago 2023 9:38

Editado porSara Almeida  em  28 abr 2024 23:28

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