Educação em Cabo Verde - quando um Presidente se sente sindicalista, e os sindicalistas não se sentem professores

PorPaulo Veiga,16 set 2024 8:06

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Quando a educação se transforma numa guerra política, as vítimas são as crianças e jovens e, portanto, destrói-se o futuro. O veto presidencial ao Plano de Carreiras, Funções e Remunerações do Pessoal Docente é, assim, um ataque às crianças e jovens e uma condenação do futuro de Cabo Verde.

A vida política é feita de compromissos e cedências, de acordos em que se flexibiliza a ideologia e a tática na procura de consensos que beneficiem as pessoas. O foco nas pessoas nunca pode ser perdido e não há pessoas mais importantes que as crianças.

Obviamente que existirão sempre aspetos a melhorar. A proposta do governo significava passos importantes para os professores e a educação, mas não representava o fim desse caminho. Vetar significa amputar esse desígnio antes mesmo de se darem os primeiros passos, e tudo por uma questão de oportunismo político de um Presidente que não teve a coragem ou visão de dar passos significativos no sentido do desenvolvimento do nosso sistema educativo enquanto teve essa responsabilidade como governante.

Ver um sindicato aplaudir uma decisão que claramente prejudica todo o processo educativo, lançando o caos sobre o mesmo em prol de táticas sindicalistas, é lamentável. Ver representantes de professores assumirem posições contrárias àquilo que deveria ser a sua vocação e com isso prejudicar milhares de crianças é revelador da necessidade de uma mudança no nosso sistema educativo e de uma nova visão para o mesmo. Uma visão que represente um objetivo nacional e que una políticos, mas que acima de tudo envolva os alunos, os pais e os professores, colocando a prioridade nas crianças e no seu futuro, sabendo que esse futuro será o futuro de Cabo Verde.

As crianças em último lugar? Não podemos permitir!

Permitam-me fazer um enquadramento, não muito detalhado, mas elucidativo, do tema. Temos a consciência coletiva da importância dos professores no desenvolvimento de um país. A arte e a vocação de formar gerações é o ativo precioso de uma nação.

Devemos ter, também, a noção do que foi a história política do Senhor Presidente quando assumiu funções executivas: salários congelados, planos de carreira insuficientes ou inexistentes e um defraudar de justas expectativas de uma classe.

Esta desconsideração não teve, com certeza, eco na memória do Senhor Presidente e dos Sindicatos no momento atual. Ter a tentação de governar a partir de decisões presidenciais é, não só, errado, como também demonstrador daquilo em que se tornou esta presidência, teimando em continuar a não se manifestar com os valores do povo de Cabo Verde.

E se no palácio presidencial encontramos um Presidente com tiques de sindicalista, nos sindicatos encontramos líderes sindicais com tiques de instrumentos de ação política da oposição. Do meu ponto de vista, o papel do Presidente deve ser de influenciação, apaziguador, de consensos ou invés de ser um instrumentalizador.

Obviamente que muito há para melhorar. Todos sabemos que tem existido ao longo dos anos, não só abertura para negociar, como também melhorias contínuas e uma aposta firme nos professores como pilares do sistema educativo.

Assistimos assim a um momento em que sindicalistas, reforçados por um Presidente que nada lhes deu, se preparam para amputar as esperanças e os direitos de milhares de crianças e, com isso, do futuro de uma geração e de um país.

Enquadramento Histórico Período Colonial

Durante o período colonial, as infraestruturas educacionais eram escassas e concentradas principalmente nas áreas urbanas. As escolas eram poucas e muitas vezes inadequadas para atender à demanda da população.

Pós-Independência (1975-1990)

Após a independência em 1975, o governo cabo-verdiano iniciou um esforço significativo para expandir as infraestruturas educacionais. Foram construídas novas escolas primárias e secundárias em várias ilhas para aumentar o acesso à educação. Apesar dos esforços, o país enfrentou desafios como a falta de recursos financeiros e materiais, o que limitou a qualidade e a quantidade das infraestruturas disponíveis.

Período Democrático (1991-presente)

Com a transição para a democracia em 1991, houve um foco renovado na melhoria das infraestruturas educacionais. O governo investiu na construção e renovação de escolas, bem como na criação de universidades e institutos técnicos. Nos últimos anos, Cabo Verde tem-se concentrado em modernizar as suas infraestruturas educacionais. A maioria das escolas primárias e secundárias agora tem acesso a água potável e eletricidade, e muitas estão equipadas com tecnologias modernas para apoiar o ensino e a aprendizagem. Desde 2016, o governo já investiu mais de dois milhões e meio de contos em reabilitações e construções de escolas.

O triangulo educacional – o papel dos pais

Perante este cenário, os meninos de Cabo Verde preparam-se para começar um novo ano letivo com uma greve. Todo o entusiasmo e sonhos de uma nova etapa arriscam-se a ser perdidos por uma decisão política de uma nova coligação entre um Presidente sindicalista, que falhou enquanto governante nesta matéria, e sindicatos que preferem boicotar uma pequena evolução e um caminho por razões ideológicas e de combate político, numa logica de tudo ou nada que apenas prejudica todos os envolvidos.

Olhando para tudo isto, reforço em mim uma visão que me parece fundamental para o futuro da educação em Cabo Verde. Destacando a crucial importância dos professores, quero lançar a visão da extrema importância das famílias e dos pais.

A educação deve ter início na família e esse papel de educador e formador não deve ser negligenciado pelos pais. Todos podemos (e devemos) participar na vida escolar dos nossos filhos.

A participação na vida da escola, nas atividades das crianças, nas reuniões e na procura de soluções deve constituir um desígnio dos pais. Um ecossistema escolar não pode existir sem a presença da família, num triângulo onde professores (e profissionais de educação) e o governo trabalham de mãos dadas para a melhoria constante das nossas crianças.

Por vezes podemos ter a tentação, enquanto seres humanos, de empurrar para os outros responsabilidades que são nossas. Podemos ter a tentação de achar que o governo e os professores são os únicos responsáveis pela educação das nossas crianças. Este é um erro grave que devemos combater.

As crianças aprendem por imitação. Ao nascer, procuram nos pais exemplos de como falar, de agir, de como ser um adulto. Bons professores constroem um bom aluno, mas bons pais criam um bom ser humano e não existe futuro sem isso.

Termino como comecei: a educação das nossas crianças não pode ser nunca uma luta política, deve ser um trabalho contínuo e sério entre todos, sendo que este grupo não pode ser um binómio entre governo e professores, mas um triângulo onde os pais e as famílias ajudam a construir uma escola melhor. A todos aqueles que se preparam para iniciar um novo ano escolar, desejo que os seus sonhos se concretizem e aspiro a que todos os intervenientes saibam estar à altura das suas responsabilidades para que possamos ter um Cabo Verde com futuro. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1189 de 11 de Setembro de 2024.

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Autoria:Paulo Veiga,16 set 2024 8:06

Editado porAndre Amaral  em  5 out 2024 20:20

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