DizCorrendo: Educação e ensino sem viés ideológico

PorBrito-Semedo,14 out 2024 7:56

Está a circular nas redes sociais Instagram, X e Facebook um vídeo [https://www.instagram.com/rapkriolu.frazis/reel/DAaq2WhobXR/] que mostra um grupo de crianças cabo-verdianas a declamar um hino reggae com uma mensagem de cunho nacionalista, pan-africanista e político. Na verdade, o poema foi declamado no programa “Show da Manhã” da Televisão Pública de Cabo Verde [https://www.youtube.com/watch?v=msvavbET0dQ] no dia 14 de Junho de 2024, pelo Grupo Núcleo de Arte Bai Palavra, uma iniciativa de um professor da Escola Capelinha, na Praia.

O vídeo em questão mostra crianças recitando versos que enaltecem a pele negra e questionam a narrativa histórica eurocêntrica. As declamações fazem alusão ao simbolismo das cores na bandeira africana, criticam o colonialismo e a escravidão, e conclamam à união dos povos africanos e à luta contra a “fraude intelectual africana”.

Vídeo da discórdia

Embora tenha sido amplamente visualizado e recebido comentários que apoiam a mensagem, o conteúdo gerou controvérsias, particularmente entre académicos, como o historiador português João Pedro Marques, que questiona a validade dessa versão da história e sua propagação nas escolas, num artigo publicado no jornal Observador em 2 de Outubro de 2024 [https://observador.pt/opiniao/nao-quero-que-se-ensine-esta-historia-aos-meus-netos/].

O vídeo, por não ter nenhuma relação com a história das ilhas e por não representar a identidade cabo-verdiana, que se caracteriza como uma sociedade crioula e de visão progressista, revela uma abordagem retrógrada baseada na cor da pele. É justamente essa desconexão com a realidade histórica de Cabo Verde e a adopção de uma visão ultrapassada que motiva este DizCorrendo, como uma resposta necessária à preservação da autenticidade histórica e à promoção de um futuro inclusivo.

História deformada e militante do Pan-africanismo

Há um risco real de que essa narrativa histórica seja disseminada e eventualmente chegue às escolas cabo-verdianas, especialmente na ilha de Santiago. Pelo menos três iniciativas reforçam essa preocupação: o Movimento Federalista Pan-Africano de Cabo Verde, o projecto Pilorinhu Achada Grande (Associação Pilorinhu) e a Universidadi Nhanha Bongolon, descrita como “uma plataforma epistemológica e política informal e horizontal, voltada para o debate teórico-prático na promoção e partilha de saberes e práticas emancipatórias”.

Criada em 2018 com o lema “resistência contra a re-colonização”, a Universidadi Nhanha Bongolon, nomeada em homenagem à líder da dita revolta de Ribeirão Manuel em 1910 contra os morgados das terras de Santa Catarina, tem fortalecido essa causa através de parcerias com instituições como a Universidade de Brasília, Universidade Federal do Maranhão, Universidade de Cabo Verde, University of Rhode Island, Centro de Estudos Amílcar Cabral da Guiné-Bissau e Fundação Amílcar Cabral. Por outro lado, iniciativas como o II Seminário Internacional “Tecendo Redes Antirracistas: Áfricas, Brasis, Portugal”, realizado na Praia em Junho de 2019, evidenciam esse compromisso.

Além disso, argumentos e reflexões baseados em eventos como as comemorações cabralistas, onde enviesadamente se promove a figura de Amílcar Cabral como o pai da nação – Cabo Verde já existia como nação no Século XIX, muito antes de Cabral nascer – reforçam essa questão. Caso não sejam adoptadas medidas para garantir uma educação baseada na evidência de factos históricos, imparcial e isenta de influências ideológicas, conforme prevê a Constituição da República, esse risco continuará presente.

Educação e ensino sem viés ideológico

A Constituição da República, no seu Artigo 50º, número 2, assegura que “a liberdade de aprender, de educar e de ensinar compreende [...] a proibição de o Estado programar a educação e o ensino segundo quaisquer directrizes, filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas”.

Este princípio visa garantir que a educação oferecida nas escolas e universidades públicas seja livre de qualquer influência que possa comprometer a imparcialidade do ensino, promovendo um ambiente plural e inclusivo para o desenvolvimento do pensamento crítico.

Para a implementação eficaz desse princípio, propõem-se as seguintes medidas:

1. Revisão dos Manuais Escolares

A revisão dos manuais escolares é uma etapa fundamental para garantir a neutralidade no ensino. Livros didácticos devem ser isentos de qualquer inclinação ideológica, apresentando os factos e conceitos de forma objectiva. Ao remover conteúdos que reflictam posições filosóficas, políticas ou religiosas, o material didáctico oferece aos alunos uma base sólida para desenvolverem suas próprias opiniões, livres de qualquer direccionamento. A proposta é que a educação foque em factos verificáveis e em abordagens diversas que encorajem o debate e a reflexão, sem promover uma visão específica.

2. Restrição ao Uso de Datas e Figuras Históricas Partidárias

A História é uma disciplina que pode ser susceptível a interpretações enviesadas, especialmente quando certas figuras ou eventos são exaltados em detrimento de outros. Para evitar a propagação de versões unilaterais da história do país, é necessário restringir o uso de datas comemorativas e figuras históricas associadas a partidos políticos ou movimentos ideológicos. O ensino de história deve ser plural e inclusivo, garantindo que os alunos tenham acesso a múltiplas perspectivas, o que contribui para uma formação mais equilibrada e crítica. Essa medida assegura que a história não seja usada como ferramenta de propaganda, mas sim como um campo de estudo aberto ao questionamento e à análise.

3. Neutralidade das Universidades Públicas

As universidades públicas são, tradicionalmente, espaços de debate académico e produção de conhecimento. No entanto, é essencial que esses ambientes não se tornem instrumentos de militância política ou ideológica, comprometendo a missão académica de promover o conhecimento de forma imparcial. Universidades devem ser locais de liberdade intelectual, onde ideias diferentes são debatidas e pesquisadas, mas sem promover ou favorecer uma determinada ideologia. Essa medida visa garantir que as universidades mantenham seu papel de fomentar o pensamento crítico e a investigação científica, livres de pressões ou agendas políticas.

4. Formação e Reflexão com os Professores

O papel dos professores é central na implementação de uma educação sem viés ideológico. Por isso, é crucial investir na formação contínua dos docentes, para que eles possam reflectir sobre as melhores práticas pedagógicas que estejam em conformidade com os princípios da Constituição.

Professores devem estar preparados para oferecer um ensino que respeite a diversidade de opiniões, sem promover suas crenças pessoais ou convicções ideológicas. A formação deve focar no desenvolvimento de métodos de ensino que incentivem o pensamento crítico, a análise independente e a discussão equilibrada de diferentes pontos de vista, sempre respeitando a neutralidade.

Estas propostas buscam criar um ambiente educacional verdadeiramente neutro, onde a diversidade de pensamento e a liberdade intelectual são valorizadas. A educação deve ser um processo que encoraje a autonomia dos estudantes, permitindo-lhes formar suas próprias visões sobre o mundo, sem qualquer imposição de doutrinas. A implementação dessas medidas fortalece o compromisso com uma educação pluralista, objectiva e inclusiva, em total conformidade com os princípios constitucionais.

Em síntese, os conteúdos ideológicos introduzidos na educação confirmam a necessidade de se garantir um ensino imparcial, conforme estabelecido pela Constituição. Medidas como a revisão de manuais escolares, a neutralidade das universidades e a formação contínua de professores são essenciais para criar um ambiente educacional plural, onde o pensamento crítico e a diversidade de opiniões são promovidos sem viés ideológico.

DizCorrendo sobre a necessidade de se promover um ensino livre de vieses ideológicos, alertando para o risco de se formar cidadãos sem autonomia crítica e pensamento independente. A imparcialidade na educação é essencial para garantir que os alunos possam desenvolver suas próprias ideias e perspectivas. 

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Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1193 de 9 de Outubro de 2024.

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Autoria:Brito-Semedo,14 out 2024 7:56

Editado porAndre Amaral  em  14 out 2024 8:09

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