O ano que agora terminou trouxe-nos uma situação internacional desafiante com um braço de ferro a três, onde a China tenta aproveitar o sempre tenso clima entre os Estados Unidos e a “nova” Rússia. Num Mundo onde as conquistas são económicas e de disputa por vantagens no comércio mundial, os atores afastam-se das pessoas e procuram, sem olhar a meios, ganhar as suas posições e conquistar os seus objetivos. Terminamos o ano com mais pobreza, mais fome, mais migrações e mais receios. Talvez o único adjetivo que fechou o ano em queda e se pode classificar como “menos” é a empatia, e ter menos empatia não faz deste nosso Mundo um lugar melhor.
O ano começa no dia 1
O tempo de festividades é um período de “férias coletivas” onde a sociedade assume que estes dias “não contam” para o resto do ano. Quase como se adiássemos o arregaçar de mangas para a segunda semana do novo ano. É nestes momentos que me recordo do famoso provérbio popular “tempo é dinheiro”.
Esta maravilhosa frase ilustra na perfeição a necessidade de não perder tempo. Os desafios são enormes, as necessidades e ambições do nosso povo são enormes e não temos tempo a perder. O tempo de começar já passou e todos os segundos são preciosos.
Nesse sentido, é importante trabalharmos em prol das soluções e respostas ao que 2025 nos apresenta como cenário. Talvez a mais importante, ou pelo menos a mais impactante na vida das pessoas, é a sua capacidade financeira. As desigualdades sociais e económicas agravaram-se bastante no pós-pandemia e é urgente encontrar respostas. A recente decisão do Banco Central de Cabo Verde, em contraciclo com os principais bancos centrais mundiais, de aumentar as taxas de juro diretoras, é uma machadada potencial nas aspirações das empresas e cidadãos. Com o agravar do “custo do dinheiro”, a pressão inflacionista tem tendência a perder força, mas a capacidade de investimento reduz substancialmente e o arrefecimento da economia, com as consequências diretas na vida das pessoas, é um cenário muito provável.
O impacto potencial na taxa de desemprego, no investimento externo (tão necessário a Cabo Verde) e na redução de liquidez das famílias que vão sentir um agravamento nos seus empréstimos são fatores de risco acrescido que o nosso país não necessitava neste momento e neste ciclo económico.
Juntando a tudo isto a nossa dependência do exterior, e a garantida subida de preços dos produtos importados, é fundamental criar medidas que amorteçam esta decisão e que possam compensar o impacto da subida de taxas. Neste âmbito, uma eventual descida de impostos e a criação de estímulos económicos e reforço dos apoios sociais, são medidas imperativas e que deverão estar na agenda imediata da política nacional. Esta necessidade imediata não é um eufemismo, nas questões sociais e económicas, o ano começa mesmo no dia um de Janeiro.
Uma nova ordem mundial
O ano que agora terminou, trouxe-nos eleições importantes, novos governos e instabilidade política nalguns dos principais países e economias mundiais. A mais mediática foi a eleição de Trump nos Estados Unidos, numa vitória que poderá trazer um novo governo bastante diferente do primeiro mandato de Trump. Com o controlo total do Senado e do Congresso, e, ainda, contando com um Supremo Tribunal bastante próximo das suas ideias, o “novo” presidente, tem todas as condições para implementar as suas medidas e políticas, onde os impactos comerciais na Europa deverão ser uma das primeiras consequências.
Acontece que essa mesma Europa atravessa momentos angustiantes para as velhas democracias do continente. França está num ciclo de primeiros-ministros que mais parece o carrossel de treinadores de uma equipa de futebol em risco de descer de divisão; a Alemanha vive uma recessão económica num final de ano onde perdeu o governo e se prepara para eleições onde a estabilidade política está ameaçada; o Reino Unido apresentou-se com uma mudança impactante de regime, elegendo uma, há muito não vista, maioria socialista, mas onde as reformas esperadas foram “atropeladas” por uma realidade bastante difícil; e a restante Europa luta entre extremismos populistas, como a Hungria, Polónia ou Geórgia, e o pântano político, como Espanha.
Este é um continente dividido, politicamente extremado e fragilizado por uma guerra que insiste em destruir milhares de vidas nas suas fronteiras. A dependência económica, tanto dos Estados Unidos como da China, a dependência energética e a dependência de segurança deixam os europeus à beira de um “ataque de nervos”. Se juntarmos a isto a crise migratória que assola este continente, e onde os conflitos no Médio Oriente e em África são fatores de agravamento, temos uma projeção para 2025 preocupante.
Para nós, esta é uma visão que provoca alguma ansiedade face às relações comerciais que temos com estes dois grandes blocos, às relações de investimento e à nossa diáspora, com enorme representatividade nestes países.
Neste cenário político internacional, é crucial que Cabo Verde saiba ler os sinais e que procure reforçar a sua estabilidade política, reforçar a sua aposta nas instituições democráticas e nas suas políticas de verdadeira liberdade. Este não é o momento de experiências, de retrocessos ao passado ou de instabilidade. Somos o único país de África com uma democracia parlamentar sólida, multipartidária e estável. Somos um povo livre e que vive essa mesma liberdade. O reforço das instituições deve ser feito com uma nova visão, com novos atores que saibam defender o povo, que trabalhem para o povo, mas que não permitam que essas mesmas instituições sejam destruídas e que a democracia seja atacada.
Que os sonhos se tornem realidade
Os resultados das eleições de Dezembro, mostraram-nos quais os sonhos dos cabo-verdianos e a sua insatisfação por não estarem alcançados. Estes são desafios que, enquanto nação, temos obrigação de dar resposta e onde é urgente apontar soluções. Os sonhos do nosso povo não podem passar de promessas, são uma obrigação para quem abraça a causa pública e o objetivo mensurável de qualquer governo.
Com uma nova “ordem autárquica”, estão criadas as condições para uma nova realidade que possa trabalhar numa continuidade e que traga inovação e melhoria à vida das pessoas. Áreas como a sustentabilidade, o poder de compra, os transportes, a saúde, a educação e a segurança, são a prioridade para este novo ano, e devem ser definidas metas concretas que não podem ser meros objetivos, mas sim ambições reais e concretizáveis.
Acredito que este novo ano nos vai trazer estas soluções. Acredito que vamos ter a capacidade, enquanto políticos e enquanto povo, de dar resposta para estes problemas. E acredito que todos fazemos parte da solução.
É fundamental ter estabilidade governativa e uma relação forte com as instituições, em especial com o Parlamento e com o Poder Local. É, também, imperativo, criar as condições económicas para uma maior intervenção social e o fechar de dossiers como as ligações inter-ilhas, as reivindicações dos professores ou as ligações aéreas nacionais.
A aposta num turismo mais sustentável e regenerativo, numa política de mares que salve vidas e potencie a economia e numa política de maior segurança das nossas cidades, são outros dos pontos importantes da governação para o ano que agora começa.
Áreas como a educação e a saúde são fundamentais para o bem-estar das populações e são indicadores de desenvolvimento de uma nação. Esta consciência impõe-nos uma obrigação de trabalhar em prol destes temas, no desenvolvimento de carreiras, foco nos estudantes e nos doentes e garantir o investimento em infraestruturas e equipamentos. O novo ano pode ser o princípio de novos projetos e iniciativas que envolvam estas duas áreas tão importantes da governação.
Este é o momento em que devemos, não esquecendo o passado, olhar para o futuro com ambição e criatividade. Este é o momento em que todos podem contribuir em prol de um Cabo Verde melhor. Este é o momento para sonharmos com uma visão coletiva diferente e de prosperidade. Einstein afirmou um dia “a lógica leva-nos de A a B. A imaginação leva-nos a todos os lugares.”. Que tenhamos a coragem de acreditar, de sonhar e de trabalharmos para que alcancemos todos os lugares dos nossos sonhos. Feliz Ano Novo!
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1205 de 31 de Dezembro de 2024.