O livro «Interesse Público Global em Direito Internacional de Investimentos», (Global Public Interest in International Investment Law) é uma interessante tese de Doutoramento de Andrea Kulick na Universidade de Tubingen, Alemanha. Essa obra é publicada num contexto em que o Direito Internacional de Investimento é criticado por se centrar quase, exclusivamente, na proteção de investimento e dos direitos dos investidores. Os Tratados Bilaterais de Investimentos, TBI, conhecidos por Acordos de Proteção Recíproca de Investimento, concedem ao investidor estrangeiro direitos substantivos e processuais, relevantes. Contudo, esses Tratados não se preocupam com o direito do Estado de acolhimento (Host State) em proteger o interesse público, nomeadamente os Direitos Humanos e o Ambiente. Por essa razão, nas últimas décadas o desequilíbrio do TBI está no centro da tensão no Direito Internacional de Investimento.
O autor, apoiado na sua teoria de “Interesse Público Global”, demonstra a necessidade de incluir no TBI o direito dos Estados de acolhimento de proteger o interesse público. Essa é a forma encontrada para «pacificar» e “reconciliar” esse direito com o seu passado. Para atingir este desiderato, o autor apresenta dois argumentos: por um lado, a oposição aos direitos do investidor e a sua ascendência no TBI sobre os direitos dos Estados de acolhimento e o direito interno e, por outro lado, a necessidade de harmonizar o direito internacional de investimento e o direito interno.
O livro está estruturado em duas partes: A primeira parte, “Rumo ao Interesse Público Global”, compreende 4 capítulos e a segunda parte, “O Interesse Público Global na Jurisprudência do Tribunal de Arbitragem de Investimentos», abrange 3 capítulos. Vejamos resumidamente esses capítulos.
Na primeira parte do livro, destaca-se: a) o Capítulo I, “A internacionalização do Direito Internacional do Investimento”. Esse capítulo descreve, em pormenor, a internacionalização do Direito Internacional de Investimento através dos TBI e centra-se no artigo 42(1) da Convenção- ICSID (International Centre of Settlement of Investment Dispute), cuja interpretação provocou a «proliferação» desses Tratados. Demonstra a evolução dos TBI até a inclusão da Cláusula de Interesse Público. O equilíbrio entre a Cláusula de Interesse Público e a proteção dos direitos do investidor conduziu a uma “integração” que visa a defesa do Interesse Público Global; b) o Capítulo II, “Interesse Público e Direito Económico – Abordagens Atuais”, mostra o papel das empresas multinacionais como importantes investidores nos Estados que acolhem investimentos e a sua obrigação internacional de proteger o interesse público. Analisa, ainda o interesse público nos recentes TBI e conclui que a preocupação com a “supremacia” do Direito Internacional de Investimento sobre o direito interno continua; c) O Capítulo III, “A Teoria do interesse público Global”, descreve a teoria do Direito Internacional de Investimento como um “Sistema Público”. Essa teoria considera a dimensão processual e substantiva do Direito Internacional de Investimentos, como é o caso de Fear And Equitable Treatment (FET), Standard, e o Direito a Arbitragem Internacional em caso de conflito (Procedural Light), respetivamente. O autor demonstra como essas duas dimensões podem conciliar e constituir um modelo de proteção de Interesse Público Global, como caraterística teórica do Direito Internacional de Investimento; d) o Capítulo IV, “Como equilibrar os interesses em conflito”, descreve a conciliação entre os direitos dos investidores e o interesse público global. O autor faz uma demonstração comparativa do princípio da proporcionalidade na ordem constitucional interna, bem como no Tribunal de Justiça Europeu e nos tribunais internacionais.
Na segunda parte do livro, “O interesse público Global na jurisprudência», o autor analisa: a) No Capítulo V: “O direito internacional de investimento e o ambiente”, o Autor mostra a forma como os tribunais do ICSID tratam as questões ambientais. Os tribunais centram no princípio do Direito Internacional do Ambiente (um direito novo na cena internacional) e discute a relevância dos Tratados sobre o ambiente. É importante perceber que a proteção do interesse público não afeta a obrigação do Estado de acolhimento de pagar uma indemnização em caso de violação do princípio da legítima expetativa; b) No Capítulo VI, “Direitos Humanos e Investimento - amigos ou inimigos”, o Autor descreve como evitar o conflito entre o TBI e as questões de Direitos Humanos. Apoiando-se na jurisprudência, o autor constrói uma nova abordagem para conciliar o Direito Internacional de Investimento com os Direitos Humanos e conclui que o investimento é “amigo” dos Direitos Humanos; c) Finalmente, no Capítulo VII: “Corrupção e outras irregularidades”, Andrea Kulick, analisa as formas de corrupção e apresenta exemplos de litígios de corrupção no âmbito do Direito Internacional do Investimento. O autor demonstra o carácter negativo da corrupção na arbitragem de investimentos.
Com essa monumental obra, Andreas Kulich constrói uma Teoria que, de forma brilhante, demonstra como a proteção dos direitos do investidor, a proteção do interesse público dos Estados de acolhimento, o direito internacional e o direito interno podem, em conjunto, conduzir à «integração» e, consequentemente, a prossecução do Interesse Público Global. É a proteção desse Interesse Público Global que os Estados de acolhimento de investimento, como Cabo Verde, devem salvaguardar nos Tratados e/ou Contratos internacionais.
Essa constatação demonstra que o livro em análise é um marco na história do Direito Internacional de Investimento.
Contudo, o autor, na nossa opinião, não conseguiu demonstrar a razão de escolha do procedural rights nos TBI, ou seja, da escolha de Arbitragem de Investimento, nomeadamente, ICSID-Arbitration, em detrimento de tribunais locais. Essa é, aliás, uma característica dos TBI, principalmente os concluídos entre os Estados desenvolvidos e os do chamado Terceiro Mundo.
O resultado da pesquisa de Andrea Kulick pode influenciar diferentes «Scholarships» dos países do Terceiro Mundo no sentido de mudar as suas posições em relação ao Direito Internacional de Investimentos que consideram um instrumento de capitalismo e de dominação do Norte sobre o Sul. A Teoria de «Global Public Interest» vem atenuar a ideia, ainda existente, de resquícios de imperialismo e colonialismo no Direito Internacional de Investimentos.
Essa obra académica, pela sua pertinência e dimensão, interessa todos quantos lidam com o Direito Internacional de Investimento, nomeadamente, políticos, magistrados, árbitros, advogados e outros stakeholders. Por isso o seu conhecimento e a sua leitura são obrigatórias.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1206 de 08 de Janeiro de 2025.