A recente mudança de liderança nos Estados Unidos e a consequente redefinição das suas prioridades externas vieram acelerar este processo, obrigando países grandes e pequenos a adaptarem-se a uma nova realidade.
A atual Administração americana tem adotado uma abordagem mais pragmática e focada nos interesses estratégicos imediatos, reinterpretando o papel dos Estados Unidos no mundo e nas instituições multilaterais que marcaram a ordem internacional desde o pós-guerra. Essa visão tem implicações globais, levando a uma redistribuição de influência geopolítica e à emergência de novas dinâmicas que muitos observam expectantes para se antecipar as consequências.
Fareed Zakaria, no seu recente artigo no Washington Post, sublinha a ideia de que estamos perante a formação de uma nova ordem mundial, em que a previsibilidade e o multilateralismo que marcaram a segunda metade do século XX estão a ser postos à prova. Esta mudança de paradigma cria um ambiente mais volátil, no qual países como Cabo Verde, cuja estabilidade e integração internacional sempre foram uma âncora de desenvolvimento, se veem particularmente expostos aos riscos e às incertezas do sistema internacional.
Cabo Verde já começa a sentir, na prática, algumas dessas mudanças. A inclusão recente do país na “lista amarela” dos países em risco de sofrerem restrições nas viagens para os USA representa um alerta do que poderá afetar o nosso acesso a importantes instrumentos de cooperação, a começar pelo IIIº compacto do Millennium Challenge Account. Mais do que um episódio isolado, este sinal é reflexo das reconfigurações mais amplas da política externa global, que têm gerado incerteza não apenas para Cabo Verde, mas para várias outras economias em desenvolvimento.
É neste ambiente de crescente complexidade que o relatório “Cabo Verde - Navegar em Mares Agitados” do Banco Mundial, publicado ainda antes desta fase de mudanças na política externa dos EUA, se mantém particularmente relevante. O título é premonitório, pois os mares tornaram-se, de facto, ainda mais agitados. O relatório enfatiza a necessidade de o país reforçar a sua resiliência e acelerar o seu ritmo de crescimento, como resposta à vulnerabilidade acrescida gerada pelo contexto internacional.
O Banco Mundial destaca que a estabilidade institucional de Cabo Verde é um dos seus maiores ativos. Contudo, num mundo em rápida mutação, a estabilidade precisa ser complementada por uma agenda reformista ambiciosa, focada na diversificação económica, na transformação digital e na adaptação às mudanças globais.
É precisamente a transformação digital que assume hoje uma relevância ainda maior. A emergência de uma nova ordem tecnológica, marcada pelo avanço exponencial da inteligência artificial, da automação e das plataformas digitais, cria um fosso crescente entre as economias mais ágeis e as que não conseguem acompanhar essa dinâmica. Para Cabo Verde, esta transformação deve ser encarada como uma prioridade vital. A modernização dos serviços públicos, a capacitação do setor privado, a digitalização da economia e a aposta na educação tecnológica são agora condições indispensáveis para que o país mantenha a sua relevância no Atlântico Médio e nos circuitos internacionais.
O relatório do Banco Mundial alerta ainda para a importância de fortalecer a resiliência climática, num momento em que os temas ambientais e de sustentabilidade mantêm-se prioritários para a sobrevivência dos pequenos Estados insulares. Mesmo que o debate climático global tenha sofrido mudanças de enfoque com a alteração de prioridades em algumas agendas internacionais, Cabo Verde não pode abdicar da sua própria estratégia de adaptação e mitigação, sob pena de colocar em risco o seu futuro sustentável.
Face a este contexto global, o que se exige de Cabo Verde é uma resposta que combine estabilidade institucional, aceleração da modernização e inteligência diplomática. Precisamos preservar a nossa reputação de país democrático, seguro, previsível e de boa governação, ao mesmo tempo que aprofundamos reformas internas que reforcem a competitividade e a resiliência.
No plano externo, é crucial que Cabo Verde continue a atuar como um parceiro confiável e engajado no sistema internacional, mantendo o diálogo aberto e construtivo com todos os seus aliados tradicionais e diversificando as suas parcerias de forma estratégica. A nossa projeção externa deve ser a de uma nação capaz de dialogar e cooperar com um leque alargado de parceiros, sem perder a sua identidade nem abdicar dos princípios de boa governação e respeito pelo direito internacional.
O cenário é exigente, os mares são, de facto, revoltosos. Mas Cabo Verde tem condições – institucionais, políticas e humanas – para continuar a ser um exemplo de estabilidade e resiliência neste mundo em mutação. A nossa bússola deve continuar a apontar para a coerência, para o pragmatismo e para a confiança. Mas a força do vento está na capacidade de nos adaptarmos e acelerarmos com inteligência e coerência.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1216 de 19 de Março de 2025.