Este DEBATE, amplamente noticiado e comentado, exige uma análise rigorosa que vai além das GENERALIDADES, aprofundando-se na natureza da RELAÇÃO CONTRATUAL e nos PRINCÍPIOS da ARBITRAGEM. A tese aqui defendida, em OPOSIÇÃO à de ALGUNS JURISTAS, COMO o ILUSTRE Dr. GERALDO ALMEIDA, é que a matéria em questão é de DIREITO DISPONÍVEL, e não de DIREITO INDISPONÍVEL.
Serviço Público e a realidade da concorrência
O transporte marítimo inter-ilhas em Cabo Verde é, sem dúvida, um serviço público essencial, crucial para a conectividade e o desenvolvimento do arquipélago. No entanto, a sua qualificação jurídica não é tão simples quanto a de um MONOPÓLIO ESTATAL. A existência de várias companhias operando nas mesmas linhas, como a CV Inter-ilhas (CVI) e a Transportadora Marítima de Cabo Verde (TMDC), refuta a ideia de que o sector é exclusivo.
A realidade do mercado é de CONCORRÊNCIA. Essa competição invalida a premissa de que a CONCESSÃO à CVI se baseia numa cláusula de EXCLUSIVIDADE. Num mercado onde a concorrência é a norma, uma CLÁUSULA de EXCLUSIVIDADE não teria VALIDADE JURÍDICA. A função do GOVERNO não é a de atuar como um MONOPOLISTA, mas sim a de REGULADOR, garantindo que o serviço seja prestado com eficiência e segurança, sem impedir a participação de outras empresas privadas. A existência de concorrência é a prova de que se trata de um mercado onde diversas empresas podem atuar, cada uma contribuindo para o serviço de transporte.
A Natureza Contratual e o Direito Disponível
A relação entre a CVI, como concessionária, e o Governo de Cabo Verde não é de direito público no sentido de que a matéria seja INDISPONÍVEL. A relação é, de facto, de NATUREZA CONTRATUAL e PRIVADA. Os litígios que daí decorrem, como os pedidos de INDEMNIZAÇÃO por PERDAS ou danos, são de NATUREZA PATRIMONIAL e versam sobre um direito que as partes podem livremente dispor.
É aqui que reside a chave para a questão da ARBITRAGEM. Este método de resolução de litígios se baseia na AUTONOMIA da VONTADE das PARTES. Ao incluírem uma CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA no contrato de concessão, o Governo e a CVI concordaram voluntariamente em submeter qualquer disputa a um tribunal arbitral, em vez de recorrerem aos TRIBUNAIS ESTATAIS. Essa é a manifestação da AUTONOMIA PRIVADA, e é o que torna o TRIBUNAL ARBITRAL plenamente COMPETENTE para DIRIMIR o LITÍGIO.
A Inviabilidade da Anulação da Sentença Arbitral
Um pedido de anulação da sentença arbitral com base na suposta "INDISPONIBILIDADE da matéria NÃO TERÁ SUCESSO. Essa tese é REFUTADA pela própria realidade da concorrência no mercado. A Lei da Arbitragem Voluntária, alinhada com os princípios da UNCITRAL (Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional), NÃO PERMITE que os TRIBUNAIS JUDICIAIS revisem o MÉRITO de uma DECISÃO ARBITRAL.
A única via válida para anular a sentença seria através da IMPUGNAÇÃO dos PRESSUPOSTOS FORMAIS ou PROCESSUAIS, como a existência de um CONFLITO de INTERESSES, a ausência de um acordo de arbitragem válido, ou a não observância das regras processuais. O princípio da ORDEM PÚBLICA só pode ser invocado em casos de violação grave e manifesta dos princípios basilares do ORDENAMENTO JURÍDICO. A invocação da ordem pública não é uma oportunidade para REANALISAR o MÉRITO da sentença, uma interpretação restritiva que a doutrina e a jurisprudência consagram.
A importância da Especialização em Arbitragem
O caso em questão também destaca a importância da ESPECIALIZAÇÃO dos ÁRBITROS. Para litígios complexos, como os de transportes marítimos, é essencial que os árbitros possuam CONHECIMENTO APROFUNDADO em Direito Marítimo, Transportes e Comércio Internacional. A escolha de ÁRBITROS GENERALISTAS pode comprometer a QUALIDADE do processo arbitral, levando a decisões que não consideram as nuances técnicas do sector.
Neste contexto, é crucial a contribuição de ESPECIALISTAS na área. Cabo Verde tem, no Dr. José Luís Jesus, juiz do Tribunal Internacional do Direito do Mar, sediado em Hamburgo, uma autoridade de reconhecidos méritos internacionais que reforça a importância da especialização. A minha tese, baseada na distinção entre Direito do Mar (que regula os espaços marítimos) e Direito Marítimo (que regula as relações comerciais), é a prova de que a análise rigorosa exige um conhecimento profundo da matéria. A minha análise, que alinha a teoria com a realidade factual do mercado de transportes marítimos em Cabo Verde, oferece uma argumentação jurídica sólida e coerente. Ela demonstra que a CONCESSÃO da CVI é, de facto, matéria de DIREITO DISPONÍVEL, e que a ARBITRAGEM é o MÉTODO ADEQUADO para resolver este LITÍGIO, desde que os ÁRBITROS possuam a devida ESPECIALIZAÇÃO.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1242 de 17 de Setembro de 2025.