Constituição de Cabo Verde 33 anos a proteger a democracia, 33 anos a desafiar-nos para o futuro

PorPAULO VEIGA,29 set 2025 8:07

"A Constituição pertence aos vivos, não aos mortos." - Thomas Jefferson

Há momentos na vida de um país que transcendem a cronologia e se transformam em símbolos. Cabo Verde celebra 33 anos da sua Constituição da República, a pedra angular do nosso sistema político e o garante último das nossas liberdades. Não é apenas uma data no calendário, é um marco na nossa história coletiva, um testemunho de maturidade democrática e, ao mesmo tempo, um lembrete vivo de tudo o que ainda falta cumprir.

A Constituição é, em qualquer democracia, mais do que um texto jurídico. É um pacto entre gerações, um contrato solene que define o lugar do poder e os limites da sua ação. No caso de Cabo Verde, ela é também a prova de que um país pequeno pode ser grande quando decide que o Estado existe para servir o povo e não o contrário.

A Constituição como último pilar da democracia

Num tempo marcado por crises internacionais, pelo desgaste da confiança nas instituições e pelo crescimento de discursos populistas e autoritários em várias partes do mundo, é fundamental reafirmar o papel da Constituição como o último pilar da nossa democracia. Quando tudo parece vacilar, quando a política parece refém de interesses imediatos, quando as tensões sociais testam a coesão da sociedade, é à Constituição que regressamos.

A sua força reside na clareza da sua mensagem: ninguém está acima da lei. Nem governantes, nem partidos, nem instituições. Todos respondem perante os limites que a Constituição estabelece. É este equilíbrio que impede a concentração de poder e garante que Cabo Verde continua a ser uma democracia funcional, com limites e contrapesos, com instituições que se fiscalizam mutuamente e que encontram no texto constitucional a sua bússola.

Um país de direitos ainda por cumprir

Celebrar 33 anos da Constituição significa também confrontar-nos com o que ainda está por fazer. Direitos fundamentais como saúde, educação, habitação, trabalho digno ou proteção social estão lá, inscritos nas páginas da Lei Fundamental, mas permanecem, demasiadas vezes, como promessas adiadas.

Não podemos fingir que não vemos a distância entre a norma e a realidade. Ainda há crianças que estudam em condições precárias, famílias que vivem sem acesso a cuidados de saúde adequados, jovens que sentem que o seu talento não encontra espaço no país. Estes são os desafios que a Constituição nos lança diariamente e não basta ter direitos no papel, é preciso garanti-los na prática.

O que está em causa não é apenas a eficácia do Estado, mas a credibilidade da democracia. Se as pessoas não sentirem que a Constituição é um instrumento vivo, que protege a sua dignidade e os seus sonhos, o risco é que a confiança se desgaste. A democracia não morre de um golpe, mas de pequenas frustrações acumuladas.

O povo é a origem e o destino do poder

Um dos maiores ensinamentos que a Constituição nos deixa é que o poder político não é um fim em si mesmo, é, apenas, um meio. Um meio para servir, proteger e dignificar as pessoas. O poder reside no povo, não no Estado. O Estado é apenas o instrumento, o executor da vontade soberana, e não o seu dono.

Este é talvez o maior desafio da política cabo-verdiana, ou seja, garantir que cada decisão, cada lei, cada política pública seja avaliada pelo impacto que tem na vida concreta das pessoas. O sucesso de um governo não se mede em relatórios técnicos, em estatísticas frias ou em discursos populistas de protocandidatos que navegam em promessas irrealistas. O sucesso mede-se na melhoria real da vida dos cidadãos. É quando o povo sente que as suas necessidades estão a ser ouvidas e respondidas que a democracia ganha força e legitimidade.

Com este pensamento em mente, não me posso esquecer que os 33 anos da Constituição coincidem com a chamada “idade de Cristo”, uma referência carregada de simbolismo. É a idade da maturidade, mas também da entrega, da renovação e da esperança. Este aniversário convida-nos a pensar não apenas no passado que nos trouxe até aqui, mas no futuro que queremos construir a partir deste marco.

Tal como Cristo representa, para milhões, um símbolo de fé e de mudança, também esta idade pode ser interpretada como o início de uma nova etapa. Uma etapa em que Cabo Verde se comprometa, de forma renovada, a construir uma sociedade mais justa, mais inclusiva, mais solidária e mais atenta ao essencial. E para que não existam dúvidas, esse essencial, esse pilar único de qualquer sociedade e destino máximo de todos os nossos pensamentos e ações são as pessoas.

A Constituição como legado e como promessa

A Constituição de Cabo Verde é um legado das gerações que conquistaram a democracia, mas também uma promessa para as gerações futuras. É a herança de quem acreditou que era possível um país livre, e é a responsabilidade de quem tem hoje o dever de honrar essa conquista.

Os próximos anos serão decisivos. Vivemos num tempo de incerteza climática, de desigualdades crescentes e de pressões externas que exigem de nós uma democracia resiliente e capaz de se adaptar. A Constituição dá-nos os instrumentos, mas cabe-nos a nós dar-lhe vida. Cumprir os direitos nela inscritos, fortalecer as instituições, garantir transparência, combater a corrupção, proteger os mais vulneráveis, este é o verdadeiro caminho para honrar os 33 anos da nossa Lei Fundamental.

É fácil olhar para os desafios e sentir apenas o peso das dificuldades. No entanto, a Constituição ensina-nos que a esperança não é um ato de ingenuidade, é uma escolha política. É a escolha de acreditar que podemos fazer mais e melhor, que podemos transformar direitos formais em realidades concretas, que podemos colocar o povo no centro de tudo e de todas as decisões.

Se soubermos ouvir essa mensagem, se tivermos a coragem de transformar este aniversário numa oportunidade de ação, então estaremos a iniciar uma nova etapa na história de Cabo Verde. Uma etapa em que a democracia não será apenas uma palavra, mas uma prática diária, em que os direitos não serão apenas promessas, mas conquistas tangíveis e em que o poder será exercido com humildade e responsabilidade.

Cabo Verde celebra trinta e três anos da sua Constituição. É tempo de recordar a sua importância como último pilar da democracia, de reconhecer o muito que ainda falta cumprir e de reafirmar que o poder reside no povo. É também tempo de olhar em frente, com a fé e a esperança que esta idade simbólica nos inspira, e de assumir que o futuro depende das escolhas que fazemos agora.

Se quisermos, esta data pode marcar não apenas a maturidade da nossa democracia, mas o início de uma nova etapa na vida do país. Uma etapa em que a Constituição deixa de ser apenas um texto e passa a ser a prática viva de um Cabo Verde mais forte, mais justo e mais humano.

E que possamos dizer, com confiança e convicção, que estes 33 anos não foram apenas o caminho até aqui, mas o primeiro passo de uma nova caminhada por um Cabo Verde que honra o seu povo, que respeita a sua história e que acredita no futuro.

Permitam-me terminar com um pensamento que é um farol pessoal quando olho para a nossa história e para a nossa lei basilar. A Constituição não é um escudo para proteger governos, mas um contrato para garantir que as pessoas estão no centro de todas as decisões.

Assim, e para terminar, se tivesse de resumir a alma da nossa Constituição diria que Cabo Verde tem na sua essência uma Lei Fundamental que coloca no seu centro o Homem e no seu objetivo a defesa incondicional da dignidade humana.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1243 de 24 de Setembro de 2025.

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Autoria:PAULO VEIGA,29 set 2025 8:07

Editado porAndre Amaral  em  1 out 2025 17:19

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