Foi nomeada, por duas vezes, para o cargo de Governadora do Banco Central de São Tomé e Príncipe, foi Primeira-ministra e Chefe do Governo de São Tomé e Príncipe, acumulando também as funções de Ministra do Plano e Finanças. Conhecida defensora dos direitos da mulher e da criança, do empoderamento da mulher e da equidade de género, foi igualmente eleita Presidente do Fórum Mulher São-Tomense, uma federação de ONG para estas questões. A cerca de meio ano do fim do mandato, e numa entrevista exclusiva ao Expresso das Ilhas, Maria do Carmo Silveira fala do futuro da CPLP, mas também dos temas que preocupam os cidadãos da comunidade no presente, a começar pela possibilidade de poderem mover-se livremente dentro dos países que fazem parte da organização internacional.
A mobilidade é uma das questões principais em cima da mesa. Qual a importância do tema para os cidadãos da CPLP?
A mobilidade é extremamente importante, porque no mundo de hoje a mobilidade, seja de pessoas, seja de bens, é algo fundamental para promovermos o desenvolvimento dos nossos países. Todos os países da CPLP reconhecem a importância da mobilidade, mas alguns têm limitações que são muito próprias e conhecidas, mas há vontade de trabalhar no sentido de, paulatinamente, irmos avançando.
Mas considera que já há avanços?
Já há avanços neste momento, mas é preciso irmos mais além. É sobre isso que estamos a trabalhar.
Acha que desta cimeira poderão sair novidades importantes para os cidadãos da CPLP em termos dessa mobilidade?
Acho que a cimeira vai servir para que os Chefes de Estado dos nossos países renovem o compromisso com a mobilidade, acho isso extremamente importante. Havendo compromisso político com a mobilidade pode depois trabalhar-se para a sua concretização. Em Lisboa, há uns meses, reabrimos as negociações sobre este dossier que estava, mais ou menos parado mas, como disse, reabrimos as negociações e acho que vamos caminhar. Muito provavelmente, no final da presidência cabo-verdiana teremos coisas concretas em termos de novos passos em matéria de mobilidade.
Portugal e Cabo Verde já mostraram uma abertura maior para esta mobilidade. Qual é a posição dos outros países?
Neste momento, relativamente aos passaportes diplomáticos e especiais de serviço há isenção de vistos. Relativamente aos estudantes também já há um acordo para facilitação de vistos. Um estudante de qualquer país da CPLP pode estudar noutro país e tem a possibilidade de conseguir visto. Há vistos também para tratamento médico, de turismo, etc. Para além disso, a nível bilateral, tem havido avanços, com vários países a suprimirem os vistos entre si.
Cabo Verde e Angola, por exemplo.
Por exemplo, assim como Angola e Moçambique, São Tomé e Príncipe também suprimiu os vistos de curta estadia para todos os países da CPLP. Agora, é importante que no quadro multilateral se encontre uma fórmula. Este é assunto complexo, que requer uma abordagem faseada. Estamos a trabalhar para que a próxima etapa seja a facilitação da mobilidade para grupos específicos, nomeadamente empresários, empreendedores, agentes culturais, investigadores. Este será o próximo passo. Eu acho que uma mobilidade total na CPLP é algo complexo e a realidade dos países têm demonstrado isso. Não estou a ver um Schengen na CPLP, mas acredito que, passo a passo, podemos ir superando algumas adversidades até conseguirmos um quadro que permita aos nossos cidadãos circular no espaço da CPLP.
Num dos seus discursos disse inclusive que a CPLP continua a ser algo distante para os cidadãos que a integram.
É verdade. A CPLP é uma organização inter-governamental. Fica muito ao nível dos governos, dos Chefes de Estado, das instituições de Estado, e há toda a necessidade de descermos a CPLP para os cidadãos, com acções concretas para, por um lado, que as pessoas conheçam a organização, para que saibam o que ela faz, para que possam participar nas decisões que são tomadas. O outro lado, é a mobilidade. Até para desenvolvermos o sentimento de pertença a uma mesma comunidade, é preciso que essa mobilidade seja podermos andar à vontade dentro dessa comunidade. Nessa perspectiva, quando circulamos pelos nossos países e falamos com o cidadão comum, muita gente não sabe o que é a CPLP, ou nunca ouviu falar. Os que ouviram não sabem o que faz e há outros que simplesmente acham que não se faz nenhum (risos).
Curiosamente, se dentro da CPLP há esse afastamento, a nível externo há cada vez mais países a pedirem o estatuto de observadores.
Exactamente, essa é a outra realidade, porque a CPLP tem vindo a ganhar visibilidade a nível internacional. A CPLP é cada vez mais um fórum de concertação política extremamente importante, os nossos Estados têm demonstrado uma capacidade de concertação e defesa de posições comuns em grandes fóruns internacionais. Isto tem granjeado muita atenção e, naturalmente, há esse interesse dos outros países.
O facto de termos cada vez mais lusófonos em lugares de destaque, como o guineense Carlos Lopes, o brasileiro José Graziano, o português António Guterres, tem ajudado a visibilidade da CPLP?
Acredito que sim. No dia 5 de Maio, Dia da Cultura e da Língua Portuguesa na CPLP, tive oportunidade de participar numa actividade nos jardins das Nações Unidas, com a presença do senhor Secretário-Geral António Guterres e invadimos os jardins das Nações Unidas em Nova Iorque (risos) e acho que foi um momento, também, de grande visibilidade para a CPLP. Para além disso, a CPLP apoiou recentemente a eleição do Dr. António Vitorino, para a Organização das Migrações, acho que quanto mais cidadãos dos Estados-membro da CPLP estiverem em organizações internacionais mais projectada será a nossa comunidade.
Para além deste peso político, digamos assim, acha que há também um interesse económico por parte destes observadores? Afinal, estamos a falar de um mercado de mais de 250 milhões de pessoas.
Sabe, acho que o interesse económico é fundamental, no fundo, é o que move todos os outros. A CPLP é conhecida também pelo enorme potencial económico em termos de recursos naturais, de recursos energéticos, solo arável, potencial agro-industrial, recursos humanos. Somos uma comunidade onde a maior parte da população é constituída por jovens, portanto é um potencial enorme, recursos marítimos, temos extensas plataformas continentais. Por tudo isto, creio que a CPLP é um potencial. Os países da CPLP participam com qualquer coisa como 6 por cento do PIB mundial, em termos de recursos energéticos estamos a falar de um valor à volta dos 4 por cento a nível mundial. São valores muito interessantes. É uma comunidade de aproximadamente 270 milhões, mas daqui a 20 anos, daqui a 40 anos, podemos ser muitos mais.
Tem de se projectar sempre o futuro.
Exactamente. E tudo isto é visto no exterior como um potencial enorme e acredito que faça parte da atractividade que a CPLP tem vindo a conquistar.
Por falar em economia, o maior aprofundamento dos laços económicos dentro da CPLP é outro dos objectivos da comunidade.
É um elemento extremamente importante. A partir desta cimeira vamos dar um passo muito importante. Para além de haver uma resolução a renovar o compromisso político dos países relativamente à necessidade de promovermos a cooperação económica e empresarial, nomeadamente com a adopção de certas medidas…
Como acabar com a dupla tributação e garantindo segurança jurídica dos investimentos.
Exacto. Mas para além disso, vamos assinar com o BAD uma carta de intenções para um projecto estruturante, que vamos negociar com o BAD, para os países, principalmente africanos da CPLP, mas com o envolvimento de todos. Isto é muito bom, porque várias organizações internacionais já vêem a CPLP como um grupo específico interessante. E o BAD é um deles. Claro que vão continuar a ter os seus projectos com os países, mas também começam a ver a CPLP no seu conjunto.
Que me pode adiantar sobre esse projecto estruturante?
São projectos que ainda estão em negociação, ainda não posso avançar muito, mas são projectos que envolvem sectores como a energia, com a participação dos governos e dos privados. Como sabe, os países da CPLP têm níveis de desenvolvimento muito assimétricos e é preciso fazermos alguma coisa para equilibrar estes níveis. A ideia é identificar projectos que possam potenciar o desenvolvimento futuro desses países.
Está quase a terminar o seu mandato como Secretária Executiva da CPLP, apesar de ainda ir até Janeiro do próximo ano, mas que balanço faz desta sua passagem pela organização?
(risos) Dois anos é um período muito curto, e tenho uma certa dificuldade em fazer um balanço do meu próprio trabalho (risos). É sempre melhor que sejam os outros a fazer. Mas iniciei as minhas funções num momento em que a CPLP adoptou uma nova visão estratégica para os próximos dez anos, com orientações muito concretas e a minha prioridade, ao longo destes últimos 18 meses, foi preparar um documento para operacionalizar essa visão estratégica. Ou seja, transformar essas orientações em acções, iniciativas, com prioridades, com responsabilidade e é isso que temos feito.
Ou seja, acha que o caminho já está aberto?
Acho que sim. A presidência cabo-verdiana vem agregar um tema extremamente importante, as pessoas, os oceanos, a cultura, e são temas que constam da visão na nova orientação estratégica. Portanto, acho que estamos bem e creio que a CPLP vai sair reforçada desta cimeira.
Uma coisa que achei curioso é que nestes 18 meses nunca tentou dourar a pílula, foi sempre assertiva nas intervenções públicas, sem medo de pôr o dedo na ferida, com recados bem direccionados, como quando disse, mais que uma vez, que as pessoas não sabem o que é a CPLP. Achou importante marcar essa posição?
Sempre disse isso mesmo aos Chefes de Estado, em todas as reuniões com as mais altas autoridades, nas visitas que efectuei aos países, que temos de ir ao encontro das pessoas. Deixarmos de ser esta organização dos dirigentes. E todos reconhecem esta necessidade. Creio que estamos no bom caminho.
Optimista com o futuro da CPLP, portanto.
Só posso estar optimista. A CPLP é um projecto interessante.
Já com 22 anos.
Eu diria só com 22 anos (risos).
Um projecto com duas idades, como também já disse.
Há uma idade que corresponde a toda a nossa vivência secular, porque somos povos que a história uniu há séculos, e desde 1996 quando formalmente se criou a CPLP. Acredito que é um projecto interessante e o que foi conseguido ao longo destes 22 anos é um indicador que temos muito futuro. E a presença de quase todos os Chefes de Estado nesta cimeira mostra que há um interesse político dos países em reforçar a CPLP.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 868 de 18 de Julho de 2018.