Há quatro meses Vandira, 28 anos, começou a comercializar gelados caseiros na praia de Kebra Canela. Chocolate, morango, manga, papaia, limão, uva e bolacha são alguns dos sabores dos gelados à venda no “Gelados No Stress”, nome que vendedora escolheu para a sua “empresa”.
“Decidi vender na praia por falta de emprego, não tenho como ganhar o pão de outra forma e então investi nos gelados”, contou Vandira que é também atleta de remo. Treina de manhã e vende à tarde. Nos finais-de-semana passa o dia todo no areal com o seu uniforme azul destacando o slogan “Gelados No Stress”.
Vandira explicou que preferiu ter um uniforme por achar que desta forma estará “mais apresentável”. Estratégia que, disse, “tem funcionado até agora”, aliada à muita simpatia e atenção para com os seus clientes. Há quem, inclusive, já pague com dias de antecipação, tudo para garantir o seu doce refresco.
Quem também consegue o suficiente para sair do “sufoco” é Jair, ou ainda Já, como prefere ser chamado. Há dois anos que vende água de côco na Kebra Canela. Todos os dias lá está “acampado” à descida para o areal, ao lado de um saco branco e um facão de cabo preto na mão direita para abrir os côcos, uma fruta de elevado valor nutricional.
“Escolhi vender aqui porque não há outra pessoa que o faça e por pensar que aqui se necessitava de alguém para o fazer”, disse o jovem de 30 anos, afirmando que tem conseguido “desenrascar-se” com o que ganha com a venda de água de côco. A venda, fez saber, “depende muito” do movimento, do tempo e do estado do mar. “Quanto mais calmo estiver o mar, melhor é a venda”, garantiu.
Elisângela, de 36 anos, é há 15 anos comerciante na areia de Kebra Canela, onde se protege do sol e do calor, debaixo de uma rocha. “Para garantir 1 quilo de arroz por dia”, chega a praia por volta das 10 da manhã e encerra o expediente por volta das 7 da noite. Uma média de 9 horas de trabalho diárias.
“O dinheiro que aqui ganho dá para desenrascar. 1 quilo de arroz é certo”, relatou esta simpática vendedeira de “fatiotas”, enquanto procurava na sua caixa moedas para passar troco a um jovem que foi comprar pão com doce.
As Licenças
Embora esteja há menos tempo na areia de Kebra Canela, Vandira é a única dos três entrevistados que tem licença para vender na praia. Conta que os fiscais não gostam muito da ideia de um vendedor ambulante incomodando as pessoas na praia e que, por isso, fez questão de tirar a sua licença.
“O que eu queria era um lugar para me sentar à sombra, uma barraca por exemplo. Mas só consegui uma licença para trazer um guarda sol e não uma barraca”, explicou Vandira contando ainda que, para além da licença para ser vendedora ambulante, possui também o boletim de sanidade, “que é obrigatório”.
O vendedor Já, por seu turno, contou que não possui licença para vender água de côco. Facto que, pelos vistos, não o tem prejudicado, uma vez que nunca foi abordado nem teve problemas com os fiscais, conforme fez saber.
“Nunca um fiscal me incomodou, porque faço questão de deixar o espaço limpo”, revelou este vendedor, que não dispensa a possibilidade de vir a ter uma licença. Aliás, referiu que o melhor mesmo seria conseguir, pelo menos, um espaço de 2 metros quadrados para fazer um quiosque e vender “de forma mais tranquila”.
Elisângela, que não possui licença para ocupar um espaço no areal da “Kebra”, conta uma outra história. “Eu não tenho licença, a câmara tinha-nos feito uma proposta, começamos a pagar, disseram-nos que iam criar condições, mas não nos falaram mais nada, então não procuramos saber também”, expôs.
Também não é abordada por fiscais da Câmara Municipal da Praia. Entretanto, queixou-se a vendedeira que alguns policiais “têm dificultado” muito o seu trabalho e das colegas que vendem ao seu lado”.
“Por enquanto os fiscais não nos criaram problemas, mas os agentes policiais chegam cheios de atitude para revistar as nossas coisas. Há aqueles que se dirigem a nós de forma inadequada, levam-nos muito a seco, principalmente os que se acham os donos da Kebra Canela... antes não era assim”, descreveu.
Elisângela explicou ainda que isto só acontece quando os policiais desconfiam que as vendedeiras que ali estão, estejam a vender álcool, uma vez que foram proibidas de comercializá-lo, principalmente o ponche.
“Disseram-nos para não vender bebidas alcoólicas, então parei, mas quando os policiais se dirigem a nós devem saber como falar, e nos tratar melhor. Às vezes as pessoas trazem as suas bebidas alcoólicas de casa, mas a polícia acha que fomos nós quem vendeu e vêm ter diretamente connosco”, continuou.
A vendedeira disse, no entanto, que não se importa de pagar qualquer taxa para que seja tratada de forma diferente.
“Mesmo que eu tenha de pagar para ter outras condições, mesmo que as vendas não sejam grande coisa, Deus vai-nos ajudar a pagar porque estamos aflitas com a polícia na Kebra Canela. Mas eu me pergunto então porque será que as esplanadas daqui podem vender e nós não”, finaliza.
O que diz a Lei?
A alínea e do artigo 38, do decreto Nº 44 de 31 de outubro de 2005 diz que “É interdito aos vendedores ambulantes: Vender a menos de 50 metros de estabelecimentos comerciais, que comercializem produtos idênticos”.
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 923 de 7 de Agosto de 2019.