A resposta, de fonte oficial da PGR, surge a uma pergunta colocada pela agência Lusa, no seguimento das suspeitas lançadas pelo caso ‘Luanda Leaks’, investigação jornalística que levantou dúvidas, nomeadamente, sobre a utilização do BIC Cabo Verde, detido por Isabel dos Santos.
“Até à presente data, a Procuradoria-Geral da República de Cabo Verde não recebeu nenhum pedido de cooperação Judiciária Internacional por parte da República de Angola, nem existe qualquer processo crime/investigação em curso, relacionado com a empresária Isabel dos Santos”, lê-se na resposta à Lusa.
Em entrevista à agência Lusa em Outubro, na cidade da Praia, Isabel dos Santos disse ter investido cerca de 100 milhões de euros nos últimos anos na economia cabo-verdiana, primeiro nas telecomunicações (Unitel T+) e depois no banco BIC Cabo Verde.
Também afirmou que estava a preparar um investimento na economia digital no país, um sector prioritário para o Governo.
O Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação revelou em 19 de Janeiro mais de 715 mil ficheiros, sob o nome de ‘Luanda Leaks’, que detalham esquemas financeiros de Isabel dos Santos e do marido, Sindika Dokolo, que estarão na origem da fortuna da família.
A investigação aponta, entre outras suspeitas, o uso do banco BIC pela empresária em contratos com origem na China de proveniência duvidosa.
No âmbito de um pedido de cooperação judiciária internacional das autoridades angolanas, a Procuradoria-Geral da República portuguesa anunciou, em 11 de Fevereiro, que o Ministério Público requereu o arresto de contas bancárias da empresária em Portugal.
Isabel dos Santos foi constituída arguida em Angola por alegada má gestão e desvio de fundos durante a passagem pela petrolífera estatal Sonangol.
Além disso, viu as participações que detém em empresas em Angola arrestadas por ordem do tribunal de Luanda, num processo em que o Estado angolano se diz lesado em 1.136 milhões de dólares em negócios feitos pela empresária, nomeadamente através da Sonangol e na área dos diamantes.
Actualmente, Isabel dos Santos detém, indiretamente, através da Santoro Financial Holdings, SGPS, e da Finisantoro Holding Limited, 42,5% do capital social do Banco BIC Cabo Verde, embora “não exercendo qualquer função nos órgãos sociais da instituição”, segundo informação do Banco de Cabo Verde.
O BIC Cabo Verde encontra-se licenciado ao abrigo do regime das Instituições Financeiras Internacionais, “tendo por objecto principal a realização de operações financeiras internacionais com não residentes neste Estado, em moeda estrangeira”, lê-se na informação da própria instituição.
Apesar de apenas poder trabalhar com clientes não residentes e com moeda estrangeira, o BIC Cabo Verde apresentou lucros de 5,2 milhões de euros em 2018 para um total de apenas 12 trabalhadores, ainda assim uma quebra de 59,4% nos lucros, face ao ano anterior, segundo o último relatório e contas.
O Banco de Cabo Verde (BCV) anunciou em Janeiro que vai retirar “as devidas consequências” da inspecção em curso desde finais de 2018 ao BIC Cabo Verde, conforme comunicado do banco central na sequência da divulgação do 'Luanda Leaks' e às dúvidas em torno do banco detido pela empresária.
Actualmente, funcionam em Cabo Verde quatro bancos com autorização restrita, casos do Montepio Geral, BIC, Banco de Fomento Internacional (BFI) e Banco Privado Internacional (BPI).
Estes bancos, segundo a nova legislação, vão ter até ao final do ano para pedir a alteração para a licença genérica – obrigados a trabalhar com clientes residentes -, sendo que os que não o conseguirem ou o quiserem fazer serão encerrados a partir de 2021, segundo o BCV.
O Governo anterior autorizou em 2013 a instalação do BIC, enquanto instituição financeira internacional, apenas para clientes não residentes, alegando que os promotores eram então “pessoas de mérito”.
A autorização para a criação do banco detido por Isabel dos Santos consta da portaria 37/2013, de Julho, e consultada pela Lusa, assinada pela então ministra das Finanças e do Planeamento, Cristina Duarte, resultando da aquisição pelo banco angolano BIC SA do então Banco Português de Negócios em Cabo Verde.
O objectivo era manter o banco como Instituição Financeira Internacional, podendo apenas trabalhar com clientes não residentes, na modalidade de entidade autónoma, mas a portaria autorizou a sua criação a título excepcional, invocando o interesse público, admitindo que entre os sócios de referência não constava – como a legislação determinava - uma instituição financeira com sede num país da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).
Ainda assim, a autorização foi concedida pelo então Ministério das Finanças – no último Governo do PAICV - , após consulta do BCV, considerando que essa instalação correspondia “aos interesses de desenvolvimento económico do país” e que, “apesar de não existir um sócio de referência, os promotores são pessoas de mérito”.