Depois das revelações no âmbito do caso Luanda Leaks, Agualusa defende que a empresária deveria, agora, entregar-se à justiça, em Luanda, para depois tentar relançar a sua carreira dentro do país.
“A nível internacional, tornou-se uma pessoa tóxica. Ninguém mais quer fazer negócio com ela. Estamos a assistir é a todo o tipo de empresas a tentarem desligar-se dela e a fingirem, inclusive, que nunca tiveram ligações com ela”, observa.
O autor de Teoria geral do Esquecimento e A Rainha Ginga não está surpreendido com as revelações das últimas semanas. Durante vários anos um dos principais críticos ao regime de José Eduardo dos Santos, José Eduardo Agualusa prefere destacar a “hipocrisia” de algumas reacções às revelações deste início de ano.
“Há, de facto, uma enorme hipocrisia. Durante estes anos todos, praticamente toda a classe política em Portugal, com a excepção do Bloco de Esquerda e de uma pequena franja do partido socialista, com a Ana Gomes, o João Soares e poucos mais, batia palmas ao regime de José Eduardo dos Santos e a Isabel dos Santos. Quem tentava chamar a atenção para o facto de este dinheiro não ser um dinheiro de fácil justificação, era ignorado ou crucificado. Há uma enorme hipocrisia”, recorda.
Há pouco mais de uma semana, a empresária foi constituída arguida por alegada má gestão e desvio de fundos durante a passagem pela petrolífera estatal Sonangol. As informações recolhidas pela investigação jornalística, que teve o hacker português Rui Pinto como fonte, detalham, nomeadamente, um suposto esquema de ocultação que lhe terá permitido desviar mais de 100 milhões de dólares para o Dubai.
A decisão da Procuradoria Geral da República de Angola tem a carga simbólica de marcar o fim de um tempo, sugere Agualusa.
“Era quase certo que, mais dia, menos dia, isto iria acontecer. Não era possível que esta situação se prolongasse por muito tempo, sobretudo num contexto mais democrático. Era possível manter esta situação enquanto o presidente José Eduardo dos Santos estivesse no poder”, sustenta.
“Ela vivia numa ilusão. Eu consigo compreender o drama dela, mas a verdade é que nalgum momento isto tinha que acontecer. Milhões de angolanos foram directamente prejudicados com as suas acções. Este dinheiro deveria ter servido para construir hospitais, para formar médicos”, acrescenta.
Habitualmente discreta, Isabel dos Santos criou a imagem de uma empresária de sucesso, a mulher mais rica de África. Pouco disponível para responder a perguntas dos jornalista, particularmente enquanto o seu pai se manteve na presidência, até 2017, Isabel foi nomeada por este para a presidência da Sonangol, cargo que assumiu em 2016. Foi afastada em 2018, pelo actual Chefe de Estado, João Lourenço. A partir daí, a sua vida complicou-se, com sucessivas suspeições, lançadas para a praça pública, sobre a origem do seu dinheiro.
Dos Santos, que sempre negou ter beneficiado da sua condição de filha do antigo homem forte de Angola, passou a falar mais, em particular através das redes sociais, destacando os investimentos realizados e os postos de trabalho criados.
A investigação do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação revelou a forma como Isabel dos Santos e o marido, Sindika Dokolo terão construído um império com mais de 400 empresas e subsidiárias, em 41 países.
Uma entrevista completa a José Eduardo Agualusa pode ser ouvida esta sexta-feira, às 17h00, na edição semanal do Panorama 3.0, da Rádio Morabeza.