Ensino em Portugal : Alunos cabo-verdianos com menor taxa de aprovação

PorSheilla Ribeiro,1 mar 2020 10:14

Os alunos cabo-verdianos estão entre as nacionalidades estrangeiras com maior diferença nas taxas de aprovação em relação aos alunos portugueses. Os dados são de um estudo realizado no âmbito do projecto (des)igualdades nos trajectos escolares dos descendentes de imigrantes.

O estudo assinado pelas investigadoras Ana Filipa Cândido e Teresa Seabra debruça-se sobre os anos lectivos entre 2011/12 e 2016/17, em Portugal Conti­nental, e analisa modalidades de ensino e taxas de aprovação durante seis períodos lectivos.

Cabo-verdianos são os que mais se distanciam dos portugueses na taxa de aprovação

Olhando o ano lectivo de 2016/2017 (o último analisado), entre os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) os cabo-verdianos foram aqueles que, no âmbito geral, tiveram a maior diferença na aprovação comparativamente aos alunos portugueses, menos 18,3 pontos percentuais (p.p.). Seguiram-se os guineenses (18,1 p.p.), são-tomenses (13,7 p.p.), angolanos (13 p.p.) e moçambicanos (11,2 p.p.).

O mesmo estudo revela que, apesar de estar no grupo de países com menor êxito escolar, os alunos cabo-verdianos registaram uma das mais elevadas taxas de variação (10,9 pontos percentuais) ao longo do período analisado. Isso significa que os alunos cabo-verdianos, no geral,melhoraram o seu desempenho escolar.

Conforme a mesma fonte, quanto mais elevado o nível de ensino, pior é o desempenho escolar dos estudantes emigrantes.

Indo por ciclos, no que se refere ao segundo ciclo do ensino básico, a nacionalidade cabo-verdiana aparece como umas das nacionalidades com pior desempenho escolar (77,9 p.p. em 2017), juntamente com a nacionalidade búlgara e guineense, apesar da taxa de variação positiva de 8,7%.

Já no terceiro ciclo do ensino básico, na taxa de aprovação dos estudantes nacionais do arquipélago apresenta também uma evolução positiva no mesmo período em análise, tendo crescido 13,3%. Os alunos portugueses progrediram 13,4%. No geral, os alunos estrangeiros progrediram 7,3%.

Relativamente ao ensino secundário, entre os PALOP, os guineenses foram os que tiveram resultados mais distantes dos portugueses (menos 23,3%), seguidos dos angolanos (21,7%). Os cabo-verdianos tiveram uma diferença de 16,7%, os são-tomenses 10,7% e moçambicanos 9%.

“As diferenças podem estar relacionadas com o menor domínio do português, as frágeis condições de acolhimento e as dificuldades sociais e económicas de quem se instala num novo país”, comenta uma das autoras, Teresa Seabra, citada pelo jornal português Público.

A estudiosa avançou ainda que, entre os grupos mais representados, Cabo Verde e Guiné Bissau aparecem com taxas de aprovação mais reduzidas no ensino básico e no secundário. Esta tendência, conforme disse, tem-se desenhado desde que se fazem análises aos resultados aos alunos segundo a nacionalidade, apesar de a distância se ter vindo a reduzir nos anos lectivos mais recentes.

“Os nacionais destes países têm em comum com os restantes PALOP o facto de serem populações que foram colonizadas por nós [portugueses] e esta colonização tem efeitos que perduram para além dos factos, ou seja, é comum forjar-se durante bastantes anos uma relação assimétrica entre os grupos do ponto de vista simbólico, a qual modela tanto as práticas como as expectativas mútuas”, continua.

Além disso, acrescentou, “têm em particular fragilidades do ponto de vista das suas condições sociais de inserção”.

Ensino Regular e Não-Regular

O estudo abrange ainda a desigualdade de oportunidades entre portugueses e estrangeiros em relação às taxas de aprovação dos dois grupos no ensino regular e não regular. Enquanto as vias regulares incluem o Ensino Regular e o Ensino Artístico Especializado, as vias não-regulares incluem os Percursos Curriculares Alternativos, os Cursos Vocacionais, os Cursos Profissionais e os Cursos de Educação e Formação.

Os dados apresentados indicam que a tendência é deos resultados serem melhores no ensino regular, no caso dos alunos portugueses, sendo a diferença entre os grupos menor no ensino não-regular. O que mostra, conforme as investigadores, que “o ensino regular é socialmente mais selectivo”, e reduz “a igualdade de oportunidades entre os dois grupos”.

Em termos de frequência, os alunos portugueses atingiram a taxa de 35,3% no ensino não-regular no ensino secundário, os alunos de nacionalidade cabo-verdiana e são-tomense continuaram a atingir valores acima dos 50%.

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Por exemplo, 78,2% dos alunos são-tomenses estão nas vias não-regulares, uma percentagem que é de 67,1% para os cabo-verdianos e 63% para os da Guiné-Bissau.

“Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe estão entre os países onde recai com maior incidência a reprovação e isso tem consequências no maior encaminhamento para as vias não-regulares de ensino”, comenta Teresa Seabra, citada pelo Público.

De 2011 a 2016, entretanto, Cabo Verde registou uma presença de menos 15,8 pontos percentuais nas vias de ensinos não-regulares. Nesse período, Angola teve uma redução de 14,7 p.p. e São Tomé e Príncipe menos 8,4.

Dificuldades sociais e económicas

Conforme Ildo Fortes, quando há desemprego no país de acolhimento emergem situações de pobreza, exclusão social e desemprego. Assim, pelo facto de a emigração cabo-verdiana ser “essencialmente de natureza laboral”, verifica-se em muitos “casos baixos níveis qualificação escolar e profissional” e os cidadãos fixam-se, em geral, em cidades onde há maior oferta de trabalho que não requerem grande escolaridade e especialização.

Nisso, aponta como exemplo os sectores da construção civil, serviços de empregadas domésticas, serviços de limpeza, comércio, restauração, assistência a idosos e crianças.

Trabalham nas áreas mais desfavorecidas económica e socialmente, ocupando pos­tos de trabalho no mer­cado secundário, que ofere­cem piores condições, me­nor hipótese de ascensão numa carreira e baixo reconhe­cimento social, o que se traduz em situações de insegurança e precariedade, falta de oportunidades de aprendizagem, condições de trabalho com riscos acrescidos, salários baixos e, em muitos casos, ausência de protecção legal e institucional. Por estas razões os imigrantes são ainda um grupo particularmente vulnerável”, afirma.

Além das dificuldades sociais e económicas Ildo Fortes refere ainda que as segundas gerações se sentem discriminadas no mercado de trabalho em função da sua herança de filhos de emigrantes.

“O facto de a pirâmide laboral não reflectir uma sociedade multicultural, on­de haja representantes da comunidade cabo-verdiana em lugares de destaque, apesar da sua qualificação académica, não ajuda a que os jovens tenham referenciais de sucesso da sua comunidade no seio da sociedade portuguesa. Os próprios manuais escolares não reproduzem ainda um Portugal multicultural e não existem conteúdos escolares que plasmem a história dos países de onde os seus pais vieram”, julga.  

Menos alunos, pouca aprovação - possíveis causas

Em declarações ao Expresso das Ilhas, o coordenador do Gabinete de Apoio à Inclusão Social dos Cabo-Verdianos (GAIS-CV), Ildo Fortes, afirma que, de facto, tem havido uma diminuição das crianças e adolescentes cabo-verdianos que vão para Portugal.  “Estamos na quarta geração de emigrantes em Portugal, daí que os que vieram nos anos 70/80 muitos deles tiveram necessidade de trazer os filhos. Agora são os netos e bisnetos dessa geração que nascem em Portugal, o que explica claramente a diminuição na entrada de crianças”, fala Ildo Fortes para quem a diminuição da taxa de natalidade na segunda e terceira geração de cabo-verdianos em Portugal, é o motivo da diminuição de alunos cabo-verdianos nos ensinos básico e secundário.  Prosseguindo, o coordenador do GAIS-CV declara que a taxa de reprovação e o consequente abandono escolar por parte dos jovens têm várias causas, e o domínio da língua portuguesa embora sendo uma “dimensão importante” para a análise da problemática, não é o maior problema.  Estamos a falar de crianças, umas vindas de Cabo Verde e outras que nasceram em Portugal. É claro, a língua crioula não é estudada (a não ser a nível de investigação científica) e sem a Fonologia, Sintaxe, Morfologia, Semântica, não podemos falar da existência de uma língua. A investigadora Dulce Duarte abordou essa problemática e concluiu que se o crioulo fosse uma língua estruturada seria, como é evidente, um auxiliar importante na aprendizagem de línguas estrangeiras”, esclarece.  Ildo Fortes informa ainda que há uma percepção de baixo domínio do português, porém, este facto tem a ver com um conjunto de factores entre as quais as realidades sociais e económicas “adversas”, onde a luta pela sobrevivência é a “principal prioridade, obrigando muitas vezes a alteração forçada da escala de prioridades”.  O coordenador exemplifica, apontando o facto de existir famílias que não têm acesso a infra-estruturas básicas como habitação, saneamento, estradas, nem a educação ou saúde.  “As políticas públicas devem estar viradas para uma melhor proteção da família, criando condições para acompanhar o processo educativo dos filhos.Com as condições laborais actuais, fica difícil garantir a educação e formação dos afro-descendentes. O Estado deve criar condições para depois exigir à família o cumprimento dos seus deveres e obrigações para com os seus filhos. Há um longo caminho a percorrer e todos os actores sociais são chamados a participar”, sugere. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 952 de 25 de Fevereiro de 2020. 

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Autoria:Sheilla Ribeiro,1 mar 2020 10:14

Editado porAntónio Monteiro  em  24 nov 2020 23:21

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