O estudo assinado pelas investigadoras Ana Filipa Cândido e Teresa Seabra debruça-se sobre os anos lectivos entre 2011/12 e 2016/17, em Portugal Continental, e analisa modalidades de ensino e taxas de aprovação durante seis períodos lectivos.
Cabo-verdianos são os que mais se distanciam dos portugueses na taxa de aprovação
Olhando o ano lectivo de 2016/2017 (o último analisado), entre os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) os cabo-verdianos foram aqueles que, no âmbito geral, tiveram a maior diferença na aprovação comparativamente aos alunos portugueses, menos 18,3 pontos percentuais (p.p.). Seguiram-se os guineenses (18,1 p.p.), são-tomenses (13,7 p.p.), angolanos (13 p.p.) e moçambicanos (11,2 p.p.).
O mesmo estudo revela que, apesar de estar no grupo de países com menor êxito escolar, os alunos cabo-verdianos registaram uma das mais elevadas taxas de variação (10,9 pontos percentuais) ao longo do período analisado. Isso significa que os alunos cabo-verdianos, no geral,melhoraram o seu desempenho escolar.
Conforme a mesma fonte, quanto mais elevado o nível de ensino, pior é o desempenho escolar dos estudantes emigrantes.
Indo por ciclos, no que se refere ao segundo ciclo do ensino básico, a nacionalidade cabo-verdiana aparece como umas das nacionalidades com pior desempenho escolar (77,9 p.p. em 2017), juntamente com a nacionalidade búlgara e guineense, apesar da taxa de variação positiva de 8,7%.
Já no terceiro ciclo do ensino básico, na taxa de aprovação dos estudantes nacionais do arquipélago apresenta também uma evolução positiva no mesmo período em análise, tendo crescido 13,3%. Os alunos portugueses progrediram 13,4%. No geral, os alunos estrangeiros progrediram 7,3%.
Relativamente ao ensino secundário, entre os PALOP, os guineenses foram os que tiveram resultados mais distantes dos portugueses (menos 23,3%), seguidos dos angolanos (21,7%). Os cabo-verdianos tiveram uma diferença de 16,7%, os são-tomenses 10,7% e moçambicanos 9%.
“As diferenças podem estar relacionadas com o menor domínio do português, as frágeis condições de acolhimento e as dificuldades sociais e económicas de quem se instala num novo país”, comenta uma das autoras, Teresa Seabra, citada pelo jornal português Público.
A estudiosa avançou ainda que, entre os grupos mais representados, Cabo Verde e Guiné Bissau aparecem com taxas de aprovação mais reduzidas no ensino básico e no secundário. Esta tendência, conforme disse, tem-se desenhado desde que se fazem análises aos resultados aos alunos segundo a nacionalidade, apesar de a distância se ter vindo a reduzir nos anos lectivos mais recentes.
“Os nacionais destes países têm em comum com os restantes PALOP o facto de serem populações que foram colonizadas por nós [portugueses] e esta colonização tem efeitos que perduram para além dos factos, ou seja, é comum forjar-se durante bastantes anos uma relação assimétrica entre os grupos do ponto de vista simbólico, a qual modela tanto as práticas como as expectativas mútuas”, continua.
Além disso, acrescentou, “têm em particular fragilidades do ponto de vista das suas condições sociais de inserção”.
Ensino Regular e Não-Regular
O estudo abrange ainda a desigualdade de oportunidades entre portugueses e estrangeiros em relação às taxas de aprovação dos dois grupos no ensino regular e não regular. Enquanto as vias regulares incluem o Ensino Regular e o Ensino Artístico Especializado, as vias não-regulares incluem os Percursos Curriculares Alternativos, os Cursos Vocacionais, os Cursos Profissionais e os Cursos de Educação e Formação.
Os dados apresentados indicam que a tendência é deos resultados serem melhores no ensino regular, no caso dos alunos portugueses, sendo a diferença entre os grupos menor no ensino não-regular. O que mostra, conforme as investigadores, que “o ensino regular é socialmente mais selectivo”, e reduz “a igualdade de oportunidades entre os dois grupos”.
Em termos de frequência, os alunos portugueses atingiram a taxa de 35,3% no ensino não-regular no ensino secundário, os alunos de nacionalidade cabo-verdiana e são-tomense continuaram a atingir valores acima dos 50%.
Por exemplo, 78,2% dos alunos são-tomenses estão nas vias não-regulares, uma percentagem que é de 67,1% para os cabo-verdianos e 63% para os da Guiné-Bissau.
“Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe estão entre os países onde recai com maior incidência a reprovação e isso tem consequências no maior encaminhamento para as vias não-regulares de ensino”, comenta Teresa Seabra, citada pelo Público.
De 2011 a 2016, entretanto, Cabo Verde registou uma presença de menos 15,8 pontos percentuais nas vias de ensinos não-regulares. Nesse período, Angola teve uma redução de 14,7 p.p. e São Tomé e Príncipe menos 8,4.
Dificuldades sociais e económicas
Conforme Ildo Fortes, quando há desemprego no país de acolhimento emergem situações de pobreza, exclusão social e desemprego. Assim, pelo facto de a emigração cabo-verdiana ser “essencialmente de natureza laboral”, verifica-se em muitos “casos baixos níveis qualificação escolar e profissional” e os cidadãos fixam-se, em geral, em cidades onde há maior oferta de trabalho que não requerem grande escolaridade e especialização.
Nisso, aponta como exemplo os sectores da construção civil, serviços de empregadas domésticas, serviços de limpeza, comércio, restauração, assistência a idosos e crianças.
Trabalham nas áreas mais desfavorecidas económica e socialmente, ocupando postos de trabalho no mercado secundário, que oferecem piores condições, menor hipótese de ascensão numa carreira e baixo reconhecimento social, o que se traduz em situações de insegurança e precariedade, falta de oportunidades de aprendizagem, condições de trabalho com riscos acrescidos, salários baixos e, em muitos casos, ausência de protecção legal e institucional. Por estas razões os imigrantes são ainda um grupo particularmente vulnerável”, afirma.
Além das dificuldades sociais e económicas Ildo Fortes refere ainda que as segundas gerações se sentem discriminadas no mercado de trabalho em função da sua herança de filhos de emigrantes.
“O facto de a pirâmide laboral não reflectir uma sociedade multicultural, onde haja representantes da comunidade cabo-verdiana em lugares de destaque, apesar da sua qualificação académica, não ajuda a que os jovens tenham referenciais de sucesso da sua comunidade no seio da sociedade portuguesa. Os próprios manuais escolares não reproduzem ainda um Portugal multicultural e não existem conteúdos escolares que plasmem a história dos países de onde os seus pais vieram”, julga.
Menos alunos, pouca aprovação - possíveis causas
Em declarações ao Expresso das Ilhas, o coordenador do Gabinete de Apoio à Inclusão Social dos Cabo-Verdianos (GAIS-CV), Ildo Fortes, afirma que, de facto, tem havido uma diminuição das crianças e adolescentes cabo-verdianos que vão para Portugal. “Estamos na quarta geração de emigrantes em Portugal, daí que os que vieram nos anos 70/80 muitos deles tiveram necessidade de trazer os filhos. Agora são os netos e bisnetos dessa geração que nascem em Portugal, o que explica claramente a diminuição na entrada de crianças”, fala Ildo Fortes para quem a diminuição da taxa de natalidade na segunda e terceira geração de cabo-verdianos em Portugal, é o motivo da diminuição de alunos cabo-verdianos nos ensinos básico e secundário. Prosseguindo, o coordenador do GAIS-CV declara que a taxa de reprovação e o consequente abandono escolar por parte dos jovens têm várias causas, e o domínio da língua portuguesa embora sendo uma “dimensão importante” para a análise da problemática, não é o maior problema. Estamos a falar de crianças, umas vindas de Cabo Verde e outras que nasceram em Portugal. É claro, a língua crioula não é estudada (a não ser a nível de investigação científica) e sem a Fonologia, Sintaxe, Morfologia, Semântica, não podemos falar da existência de uma língua. A investigadora Dulce Duarte abordou essa problemática e concluiu que se o crioulo fosse uma língua estruturada seria, como é evidente, um auxiliar importante na aprendizagem de línguas estrangeiras”, esclarece. Ildo Fortes informa ainda que há uma percepção de baixo domínio do português, porém, este facto tem a ver com um conjunto de factores entre as quais as realidades sociais e económicas “adversas”, onde a luta pela sobrevivência é a “principal prioridade, obrigando muitas vezes a alteração forçada da escala de prioridades”. O coordenador exemplifica, apontando o facto de existir famílias que não têm acesso a infra-estruturas básicas como habitação, saneamento, estradas, nem a educação ou saúde. “As políticas públicas devem estar viradas para uma melhor proteção da família, criando condições para acompanhar o processo educativo dos filhos.Com as condições laborais actuais, fica difícil garantir a educação e formação dos afro-descendentes. O Estado deve criar condições para depois exigir à família o cumprimento dos seus deveres e obrigações para com os seus filhos. Há um longo caminho a percorrer e todos os actores sociais são chamados a participar”, sugere.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 952 de 25 de Fevereiro de 2020.