Novo coronavírus : Uma luta por “longos meses”

PorNuno Andrade Ferreira,4 abr 2020 0:00

Expresso das Ilhas e Rádio Morabeza convidaram leitores e ouvintes para uma sessão de perguntas ao investigador cabo-verdiano Jailson Brito Querido.

A crise provocada pela COVID-19, para além da perda de vidas, coloca em causa o emprego, a economia e o bem-estar social e psicológico das famílias. Sem uma vacina ou tratamento contra o novo coronavírus o foco está na prevenção e adopção de comportamentos que evitem a disseminação e propagação da doença.

Jailson Brito Querido é investigador na área da biologia molecular, no Medical Research Council Laboratory of Molecular Biology e na Universidade de Cambridge, no Reino Unido. Durante mais de uma hora, respondeu a perguntas de dezenas de internautas, numa conversa aberta, transmitida em directo no Facebook. Fica aqui o essencial desse momento.

Um vírus muito contagioso

A alta infecciosidade do vírus é o principal problema desta epidemia, com cada pessoa infectada com o SARS-CoV-2 a poder infectar outras duas a três pessoas.

Estudos preliminares admitem que o novo coronavírus poderá ter sido transmitido aos humanos através do pangolim, um animal selvagem, cujas escamas protectoras são amplamente usadas na medicina tradicional chinesa – e foi na China onde tudo começou.

“É extremamente frequente que os vírus dêem esse salto, passando dos animais para os humanos, mas o maior problema começa a aparecer quando passamos a ter transmissão entre pessoas, que é o que está acontecer. Deu um salto dos animais para os humanos e agora temos a transmissão entre humanos. Com a transmissão entre humanos desenvolve-se a doença, que é a COVID-19”, refere.

É demasiado cedo para se perceber, com exactidão, qual o alcance da doença e a sua maior ou menor gravidade. Por enquanto, admite-se que cerca de 80% dos casos diagnosticados desenvolvem sintomas leves ou moderados, sem necessidade de internamento hospitalar.

Na última semana, os investigadores começaram a equacionar a hipótese de o número de infectados ser muito superior àquele que mostram as estatísticas oficiais. Em Espanha, a Universidade de Sevilha calcula que o número de doentes com COVID-19 pode ser 10 vezes superior àquele que consta dos boletins epidemiológicos. Na Universidade Oxford, um grupo de académicos sugere que metade da população do Reino Unido já estará infectada. Se estas análises estiverem correctas, então a primeira conclusão a tirar é que o número de assintomáticos é enorme.

“Um [outro] estudo recente, apesar de não apresentar números concretos, indica-nos que cerca de 60% das pessoas que são infectadas podem nem sequer desenvolver sintomas da infecção. Ou seja, se calhar cerca de 60% das pessoas nem sequer vão sentir que estão infectadas com o vírus”, admite Jailson Brito Querido.

Esta percepção, que se vai confirmando em sucessivos estudos, com maior ou menor grandeza, diz-nos duas coisas: primeiro, que a imunidade de grupo, a existir, poderá ser alcançada mais rapidamente. Depois, que é fundamental redobrar esforços, porque podemos ser agentes de contágio, sem o saber e porque o optimismo em excesso, de quem acredita que não vai ser contaminado, é um dos perigos mais reais.

“Algumas pessoas desenvolvem apenas sintomas leves, ou podem nem apresentar sintomas, mas há um grupo de pessoas nas quais o vírus pode criar situações extremamente complicadas, como é o caso das que sofrem de doenças crónicas, como hipertensão arterial, pessoas que têm um sistema imunitário debilitado, idosos. Pessoas que podem desenvolver uma pneumonia que, em última instância, vai resultar na falência de outros órgãos e, inevitavelmente, levar à morte”, alerta o investigador cabo-verdiano.

Máscaras e Testes

Uma das questões que divide opiniões entre a comunidade científica prende-se com o uso de máscaras de protecção. A recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) é que as máscaras devem ser usadas por quem tem suspeita de doença e, naturalmente, por profissionais de saúde.

Jailson Brito Querido aconselha a que se sigam as orientações das autoridades sanitárias. Primeiro, porque é preciso saber usar máscara. Depois, e principalmente, porque o mercado não tem, neste momento, disponibilidade para responder ao uso generalizado.

“Não vejo algo de anormal em utilizar as máscaras, desde que as pessoas tenham a perfeita consciência que a principal forma de transmissão é através das mãos. Por isso, o principal cuidado deve ser com as mãos. Usar ou não usar depende do critério de cada um, do critério de cada país. Em países como Cabo Verde, neste momento, seria impossível generalizar a utilização de máscaras, porque não podemos passar o dia todo com a mesma máscara, tem de ser mudada várias vezes ao dia”, relembra.

Outro conselho da OMS passa por “testar, testar, testar”. Questionado sobre a realização de rastreios alargados, o especialista nacional afirma que a estratégia depende da capacidade de cada Estado.

“Neste momento, acho que não faz sentido o rastreio indiscriminado na população. Os kits que temos para fazer o teste devem ser reservados para as pessoas que apresentem sintomas ou que tenham estado em contacto com pessoas com a doença. Agora, se numa fase posterior o país conseguir mobilizar recursos para testar uma enorme percentagem da população, porque não?”, defende.

Não se sabe até quando vai durar a pandemia. Prever o futuro é, para já, um exercício inútil.

“Muito provavelmente vamos continuar a ter que lidar com este vírus nos próximos longos meses. A única forma de nos livrarmos dele é através de vacinas. Se há uma coisa que este vírus nos ensinou é sobre a importância das vacinas. Ao longo da ultima década tem crescido um movimento contra as vacinas e um vírus como este mostra a nossa fragilidade quando não temos vacina”, remata. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 957 de 1 de Abril de 2020. 

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Autoria:Nuno Andrade Ferreira,4 abr 2020 0:00

Editado porSara Almeida  em  10 jan 2021 23:20

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