COVID-19 : Pandemia deixa cientistas em contra-relógio

PorNuno Andrade Ferreira,19 abr 2020 10:31

A ciência é uma maratona, mas o mundo espera que a resposta à actual crise sanitária global seja encontrada numa prova de 100 metros.

A pandemia do novo coronavírus já infectou mais de dois milhões de pessoas em todo o mundo. As mortes rondam as 130 mil. Perante um vírus sobre o qual ainda se sabe tão pouco, a comunidade científica mundial divide-se em duas grandes frentes: encontrar um tratamento eficaz e desenvolver uma vacina no menor espaço de tempo possível.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), são 70 as vacinas em desenvolvimento. Três delas já estão a fazer testes em humanos, ao passo que as outras 67 encontram-se em fase pré-clínica.

A vacina mais avançada tem a assinatura do CanSino Biologics, laboratório chinês, sediado em Hong Kong. O estudo em curso envolve 108 adultos, com idades entre os 18 e os 60 anos. A avaliação do impacto nestes pacientes será medida até ao final do ano.

Nos Estados Unidos da América estão as duas outras investigações em fase avançada. Em nove semanas, a Moderna Inc. chegou à fase de testes em humanos. Um total de 45 adultos forem injectados e serão avaliados durante doze meses.

Também a INOVIO comunicou ter recebido luz verde das autoridades federais para entrar em fase de teste em humanos. Quatro dezenas de pessoas saudáveis serão acompanhadas depois de receberem duas doses da injecção, com um mês de intervalo.

A OMS estima uma espera de um ano, ano e meio, até à disponibilização de uma eventual vacina no mercado. Depois disso, serão necessários vários meses para a produção em larga escala, necessária para fazer chegar a vacina a toda a gente.

Particularmente optimista, e a contrariar o calendário da agência da ONU, Sarah Gilbert, investigadora da Universidade de Oxford, disse ao britânico The Times estar 80% confiante em como a vacina que a sua equipa está a desenvolver, e que não inclui o top 3 que citámos umas linhas acima, “poderá estar pronta em Setembro”.

“Não é apenas um palpite e a cada semana que passa temos mais dados para analisar”, disse a cientista ao jornal.

Em duas semanas, a candidata estará pronta para teste-clínico em humanos. “Se tudo correr de forma perfeita”, até porque “ninguém pode prometer que vai funcionar”, lá para Setembro poderá começar a ser aplicada em humanos.

Tratamentos

Certo é que, sem uma vacina e sem um medicamento específico, estão a ser testados protocolos que combinam medicamentos já em uso ou em avançado desenvolvimento, indicados para outras patologias.

“O que se está a passar agora é o teste de alguns medicamentos usados para tratar outras infecções virais ou usados para tratar outras doenças, que podem vir a ser aplicados na terapêutica da Covid-19”, observa Vânia Teófilo.

No topo da lista de medicamentos com supostas possibilidades terapêuticas chegou a estar a hidroxicloroquina. Há vários anos no mercado, o fármaco destina-se, por exemplo, ao tratamento de alguns tipos de malária. Bolsonaro, no Brasil, e Trump, nos Estados Unidos, foram os porta-vozes desta solução, apresentada como milagrosa, mas sem qualquer evidência científica relevante que confirme a sua particular efectividade contra o novo coronavírus.

“A cloroquina foi usada em associação com um anti-bacteriano, também usado para infecções no sistema respiratório superior. Alguns médicos trataram pacientes e eles recuperaram. Contudo, o estudo não foi um estudo aleatório. Alguns pacientes recuperaram e outros tiveram resultados divergentes. Alguns apresentaram efeitos adversos graves”, adverte a investigadora cabo-verdiana.

Na mesma linha, a vitamina D chegou a ser citada como fundamental na prevenção da doença. Não há, contudo, evidência científica sólida quanto à sua efectividade. Vânia Teófilo alerta mesmo para os riscos da auto-medicação.

“A vitamina D é uma vitamina que fica acumulada, é uma vitamina que não é expulsa na urina, como acontece com a vitamina C, pelo que pode chegar a níveis tóxicos. Então, muito cuidado para não se usar mais do que a dose diária recomendada. Eu desaconselho estar a usar sem que seja feito um estudo que comprove a sua eficácia”, declara.

Para lá de boatos e rumores não sustentados pela ciência, a lista de fármacos em análise é bastante.

O lopinavir e ritonavir são antivirais já usados contra o HIV. O remdesivir não foi aprovado para uso comercial, mas foi testado com sucesso contra vírus que possuem um material genético simples (RNA), tal como acontece com o Sars-CoV-2. O favipiravir, desenvolvido no Japão, interfere na multiplicação da cadeia de RNA. Também no Japão, está a ser testado em assintomáticos um fármaco chamado ciclesonida. O EIDD-1931 não chegou ao mercado mas foi testado em culturas de células das vias respiratórias, mostrando-se eficaz ao inibir a acção do novo e de dois outros coronavírus (causadores da SARS e da MERS).

A efectividade de uma solução já existente, mesmo que desenvolvida a pensar noutras aplicações, é, neste momento, a melhor hipótese de uma resposta de curto prazo. Ao terem já passado por testes anteriores, os medicamentos percorrerão um caminho mais curto até que possam, eventualmente, vir a ser recomendados como eficazes no tratamento da Covid-19. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 959 de 15 de Abril de 2020. 

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Autoria:Nuno Andrade Ferreira,19 abr 2020 10:31

Editado porSara Almeida  em  26 jan 2021 23:20

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