Maria da Luz Lima, presidente do Instituto Nacional de Saúde Pública : “Caso um resultado seja negativo não quer dizer que se não esteja infectado”

PorAndre Amaral,25 abr 2020 7:50

Presidente do Instituto Nacional de Saúde Pública defende que Cabo Verde tem lidado bem com a situação causada pela COVID-19 e recorda que o país foi dos primeiros a “implementar medidas fortes para impedir a entrada do vírus e depois de conter a sua propagação”

Passamos de uma situação de casos importados para uma de transmissão comunitária. O que muda?

Aquando da introdução de uma doença infecto-contagiosa no país ela vem de fora. Depois, o que muda é quando há transmissão local. Já são, internamente, as pessoas que não estiveram nas zonas infectadas que se contagiam e transmitem uns aos outros. No fundo, o que muda é, sobretudo, não digo a abordagem, porque a abordagem é sempre a mesma, mas enquanto uma pessoa que vem de fora já vem identificada e isola-se para evitar a transmissão da doença, no caso da transmissão comunitária têm de se identificar rapidamente todos os contactos desse casos positivo e depois os contactos dos contactos. O trabalho de investigação tem de ser muito mais pormenorizado, muito mais focado na detecção precoce. A perspectiva da saúde pública é conter o vírus e evitar ao máximo que se propague no país.

Fica mais difícil de controlar…

Não digo que seja difícil de controlar, porque se se faz um trabalho célere com uma equipa vasta a identificar os contactos é possível identificar e fazer a quarentena, como nestes casos se está a fazer. As pessoas ficaram confinadas e então consegue-se controlar a doença. Claro que o que se pode passar é que as pessoas não cumpram e mesmo tendo um acompanhamento pode haver um ou outro pormenor que escape e que pode deitar tudo por água-abaixo. A investigação tem de ser muito célere e investigar todos os contactos, fazer os testes dos casos suspeitos e a quarentena dos confirmados eventuais e, acima de tudo, fazer o seguimento dessas pessoas. Porque mesmo que o resultado seja negativo, não quer dizer que ele não esteja infectado. Pode estar numa fase inicial da sua replicação e não ser detectável ainda.

O caso do que se passou no hotel da Boa Vista é sintomático da falta de preparação do país para lidar com um vírus altamente contagioso como é este coronavírus?

Não acredito que seja falta de preparação. Eu penso que Cabo Verde foi dos primeiros países a implementar medidas fortes para impedir a entrada do vírus e depois de conter a sua propagação. Desde que se falou da questão da epidemia, que a OMS declarou a emergência, Cabo Verde começou a tomar precauções nas fronteiras com as equipas de vigilância, a tomar contactos para comunicar telefonicamente com as pessoas que vêm de fora. Esse trabalho todo foi muito bem delineado. Na Boa Vista, no fundo, penso que toda a gente sabe que houve incumprimento por parte das pessoas que estiveram em quarentena. Pessoas que deviam ficar isoladas, não contactar com os outros, evitar reuniões de grupo e aglomerados. Segundo consta, isso não aconteceu. Portanto, é normal que tenham surgido os 45 casos no grupo dos 196.

Mas o facto de não haver um controlo pelas autoridades que estavam lá presentes também mostra que houve falhas por parte das autoridades de segurança. Se houvesse uma forma de obrigar as pessoas a cumprir o regulamento de isolamento e distanciamento isto poderia ter sido evitado.

Talvez seja isso que o Primeiro-Ministro quis dizer que assume a falha do governo. Mas, de qualquer maneira, do outro lado tem de haver a responsabilização das pessoas. Os meios de comunicação, informação e educação da população começaram, desde a primeira hora, não só através das rádios e da televisão, mas também através do facebook e de outros meios a fazer a difusão. As pessoas estavam suficientemente informadas. A informação é que leva ao cumprimento. As pessoas não têm de estar à espera que o governo as mande ficar em casa, para elas ficarem. É essa a mensagem que estamos a passar todos os dias. Isto é uma questão de saúde pública, todos somos responsáveis. Todas as pessoas têm de fazer a sua parte, porque eu não sei quem está ao meu lado se está com vírus ou não. Tomando precaução não corremos risco, minimização do risco é cumprir as medidas preventivas. Mas não houve cumprimento na parte da saúde pública. As pessoas deviam ficar confinadas mas não ficaram. Não foi por falta de informação. As pessoas se têm acesso à informação também têm acesso à divulgação e têm de ter a mínima curiosidade em saber como se prevenir.

Que infraestruturas de apoio estão a ser preparadas? Falo em hospitais de campanha, por exemplo, que permitam dar uma resposta mais alargada às necessidades de isolamento. O edifício do antigo aeroporto aqui na Praia, por exemplo, seria um espaço a ser considerado?

Todos os serviços de saúde já identificaram e já contactaram e estão a preparar-se todos os possíveis espaços que possam servir de isolamento para doentes. Como sabe, os hospitais e os centros de saúde podem ficar com doentes em situações que requerem cuidado, mas depois há as pessoas que estão assintomáticas ou que têm sintomas mínimos que podem ficar num centro de isolamento. Como se está a passar na Boa Vista onde há um hotel que cedeu o seu espaço para isolar as pessoas. As pessoas estão isoladas, têm uma equipa médica e de enfermagem que passa lá. São feitos exames e o historial clínico para saber se a situação está a melhorar ou não, porque depois, no fim, têm de fazer outro teste para saber se já negativaram ou não. Tanto a nível dos hospitais centrais como das delegacias de saúde esse trabalho está a ser feito para identificação de espaços de isolamento. Aqui na Praia, a nível do edifício do antigo aeroporto não sei, mas sei que a Cruz Vermelha já cedeu um espaço que pode servir de isolamento, a Escola de Hotelaria e Turismo também. É um trabalho que está a ser feito enquanto se vai acompanhando a situação epidemiológica e o aparecimento de novos casos, mas há espaços prontos para receber doentes que precisam ficar em isolamento mas que não precisam de cuidados hospitalares específicos.

Santiago tem dois hospitais. O Hospital Agostinho Neto, nas Praia, e o Hospital Santa Rita Vieira, em Santa Catarina. Mas não se tem ouvido falar deste segundo hospital como estrutura de apoio ao hospital da Praia. Porquê?

O Hospital da Praia é um hospital central. O Hospital da Praia é que deve apoiar o hospital regional Santa Rita Vieira. Esse hospital tem as suas estruturas, tem a sua sala de isolamento, tem a equipa clínica para fazer o acompanhamento e tem condições mínimas para acompanhar uma situação que requer algum cuidado específico. Mas neste caso, se precisar, o hospital da Praia é que é a retaguarda e deve dar apoio a situações mais críticas, porque nós falamos de complexidade dos hospitais. Porque aqui na Praia é o Hospital Central, mas também tem centros de saúde e a delegacia de saúde.

Criou-se a ideia, pelos exemplos vindos de fora, de que esta é uma doença que afecta acima de tudo a população mais velha, especialmente a 3ª idade. No entanto, os dados estatísticos em Cabo Verde contrariam essa ideia. Dos 67 casos confirmados 47 são na faixa etária entre os 20 e os 40 anos. O que é que isto significa?

Os idosos são mais vulneráveis. Mas é preciso ver que a população cabo-verdiana é uma população muito jovem e pelo menos 45 das 67 pessoas são pessoas em idade produtiva que estavam no Hotel Karamboa. Portanto, claro que são pessoas em pleno potencial de trabalho que mantêm essa percentagem. Mas a população idosa não é a mais afectada, mas é a mais vulnerável e tem de ser protegida. Por isso é que dizemos para ficarem em casa, para não se visitarem lares de idosos para não se levar a doença até eles, porque são vulneráveis.

Há ou não a possibilidade de se fazer o isolamento da cidade da Praia?

Isso não é da área do Instituto Nacional de Saúde Pública, mas penso que o núcleo duro e o próprio governo vão trabalhando as decisões conforme a evolução do quadro epidemiológico. Essa hipótese depende muito da situação epidemiológica da cidade. As autoridades sanitárias juntamente com o governo tomarão uma decisão.

A política de não divulgação da localização dos casos confirmados tem sido polémica. As autoridades de saúde dizem que “é para não criar pânico” mas as pessoas sentem que dessa forma lhes está a ser sonegada informação. Porquê esta decisão? A localização dos casos confirmados não é considerada informação pública importante?

Esta decisão de não divulgar tem a ver um pouco com a questão da ética, de preservar a identidade e a privacidade. Mas isso é o que se está a fazer agora. Conforme a evolução poderá ser necessário fazer a divulgação. Quando o governo e o ministro da Saúde acharem pertinente farão, com certeza, essa divulgação.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 960 de 22 de Abril de 2020. 

Concorda? Discorda? Dê-nos a sua opinião. Comente ou partilhe este artigo.

Autoria:Andre Amaral,25 abr 2020 7:50

Editado porSara Almeida  em  2 fev 2021 23:21

pub.

pub
pub.

Últimas no site

    Últimas na secção

      Populares na secção

        Populares no site

          pub.