COVID-19 : O impacto nas estruturas do Serviço Nacional de Protecção Civil e dos Bombeiros

PorSheilla Ribeiro,12 dez 2020 10:02

Desde que se ouviu falar da COVID-19, ainda na China, o Serviço Nacional de Protecção (SNPCB) começou a se preparar para uma possível chegada deste “inimigo invisível” a Cabo Verde. A mesma coisa para os Bombeiros Municipais da Praia que tiveram que se desdobrar.

“Diria que a COVID-19 teve um impacto enorme no SNPCB”, afirma o presidente da instituição, Renaldo Rodrigues, completando que, por isso, todo o plano de actividades que tinham traçado para este ano de 2020 fosse praticamente esquecido.

Renaldo Fernandes ressalta que este ano estavam a contar inaugurar o número único de emergência, mas que não foi possível devido aos constrangimentos advenientes da situação pandémica que impossibilitou a vinda ao país do pessoal da empresa estrangeira que está a trabalhar na implementação desse serviço. Além disso, reafirmou, o SNPCB teve que canalizar toda energia para dar resposta à pandemia.

Mobilização

“Ainda com pouca informação sobre o vírus, criou-se uma equipa sob a responsabilidade da Direcção Nacional de Saúde, com várias instituições, e estas foram-se reunindo, tanto para dar contributos para a elaboração do plano de contingência nacional como também para emitir orientações, de várias outras estruturas, sobre como preparar para enfrentar a possível chegada do vírus ao nosso país”, conta.

Na primeira fase, explica, em termos de mobilização dos recursos humanos, não houve grande expressão.

“Houve representantes de várias instituições que se foram reunindo, tanto das estruturas de Saúde, da Protecção Civil, dos hospitais, mesmo de outras instituições como as Forças Armadas e a Polícia Nacional, mas já a nível de uma estrutura mais robusta esta foi mobilizada posteriormente, tendo em conta que nessa fase ainda estávamos a traçar uma melhor estratégia para o efeito”, continua.

Na segunda fase, explicou, além de contar com o apoio da Polícia Nacional, o Sistema Nacional da Protecção Civil mobilizou também as Forças Armadas para esta luta, com o destacamento de efectivos para ilhas como Boa Vista, Santiago, São Vicente e Fogo.

“Temos também os Bombeiros Municipais que, de certa forma, desde a primeira hora, têm estado a apoiar mais directamente as estruturas de Saúde. Estamos a falar de pouco mais de quatro centenas de bombeiros voluntários e também profissionais que têm dado contributo nesta luta”, acrescenta.

Actualmente

Neste momento, diz Renaldo Rodrigues, a instituição está, juntamente com parceiros como a IGAE, ERIS, LGT, a PN e as FA, mais focada em acções de fiscalização, pelo que foi criada uma plataforma de acompanhamento e fiscalização das medidas restritivas emanadas pelo Governo. Medidas essas que têm que ser adoptadas por todos os operadores económicos. A equipa conjunta já realizou até agora quase duas mil acções de fiscalização em todo o país.

“Nas ilhas de Santiago e Fogo temos acções um pouco mais intensa porque são duas ilhas que ainda estão em situação de calamidade. Temos também São Vicente em que, com o evoluir dos casos, vamos ter uma pessoa permanente para articulação com as autoridades locais e traçar um plano de intervenção na ilha para quebrar a cadeia de transmissão juntamente com as autoridades sanitárias”, relata.

Renaldo Rodrigues fala ainda na criação de uma plataforma que permite fazer todo o levantamento georreferenciado no terreno do espaço fiscalizado. Segundo diz, tudo fica registado e permite ir acompanhando a evolução na implementação das medidas.

“Diria que, nesta fase, o foco tem sido nessas acções, mas também explorar outras acções consequentes, consoante a situação em que as ilhas se encontram”, relata.

Plano de contingência interno

Renaldo Rodrigues avança também que, além de se preparar para prestar apoios à sociedade civil, o SNPCB preparou-se para eventuais casos no seu seio.

“Há um plano de contingência interna. No mês de Março já tínhamos emitido uma orientação a todos os Comandos Regionais, relativamente aos cuidados que os profissionais de Bombeiros têm que tomar antes, durante e após o transporte de um caso suspeito ou confirmado”, informa.

Sem avançar número exactos, o presidente do SNPCB afirma que têm conhecimento de que alguns profissionais dos Bombeiros foram infectados pelo novo coronavírus, mas informa que, só na estrutura da Protecção Civil, que funciona com 14 funcionários, tiveram três casos e que, “graças às medidas adoptadas não se alastraram”.

“Nos Bombeiros o número é bem maior, vamos actualizando os dados mas, até ao momento, diria que cerca de duas dezenas de profissionais de Bombeiros foram infectados. Mas, é um número que poderia precisar com mais pormenor”, complementa.

“Bombeiros da Praia sempre em prontidão”

O comandante dos Bombeiros Municipais da Praia, Celestino Afonso, afirma por seu turno que a organização tem estado sempre em prontidão para dar resposta a qualquer ocorrência que se registe na capital do país, durante esta luta contra o novo coronavírus.

“Em princípio, os Bombeiros já têm essa missão de dar respostas. Com relação à COVID-19, é evidente que quando se deu o alerta de aproximação, ou pelo menos da probabilidade de Cabo Verde vir a registar casos, adoptamos um conjunto de medidas”, refere.

Na altura, acrescenta, em parceria com as autoridades de saúde, nesse caso municipal que é a Delegacia de Saúde da Praia, montaram um conjunto de acções de preparação para enfrentar e dar resposta a eventuais casos.

“Inicialmente, o que nós fizemos foi dar formação ao pessoal da corporação sobre as técnicas de uso dos Equipamentos de Protecção Individual (EPI), corresponde à colocação e à remoção dos equipamentos de forma a se protegerem numa intervenção de transporte de casos positivos confirmados, mas também de assistência nos funerais relacionados com COVID-19. A estratégia, de uma forma geral, acaba por se integrar na estratégia das autoridades nacionais e municipais da Protecção Civil”, conta.

Segundo informa, os Bombeiros da Praia têm um total de 53 efectivos, dos quais 16 prestam serviço no Aeroporto da Praia e 37 prestam serviço na corporação, divididos por quatro turnos de serviço e laboram, normalmente, todos os dias.

“Se me perguntar se esse número é suficiente para a actividade normal do dia-a-dia, respondo que não é. Diariamente trabalhamos por turno com cerca de 8 bombeiros e, havendo necessidade de algum reforço para actividades pontuais, recorremos à Cruz Vermelha ou às Forças Armadas”, assegura.

COVID-19 trouxe “muito mais trabalho”

Celestino Afonso explica que o papel dos Bombeiros Municipais da Praia tem sido o transporte de casos confirmados, de recuperados, de suspeitos e também prestar assistência nos funerais de óbitos causados pela COVID-19.

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“Num primeiro instante, nós tivemos um número elevado de casos para efectuar o transporte, já que todas as pessoas confirmadas com COVID-19 eram transportadas para os locais de isolamento, assim como para o Hospital Agostinho Neto, em casos mais graves”, conta.

A corporação, revela, já chegou a transportar cerca de 30 pessoas por dia. Mas, com o passar do tempo, o número foi diminuindo com a possibilidade das pessoas poderem fazer isolamento domiciliar.

Mesmo assim, continuam a fazer o transporte de pessoas confirmadas com infecção pelo novo coronavírus para o local de isolamento ou para o Hospital e também todos os óbitos resultantes da COVID-19 no município da Praia para os cemitérios da Várzea e de São Filipe.

Condições de transporte

“Transportamos mesmo mortos com suspeita. Esses serviços prestámos à Delegacia de Saúde. Só transportamos óbitos confirmados ou também suspeitos de COVID-19, caso a delegacia nos confirmar e nos chamar para efectuar esse transporte”, continua.

Celestino Afonso afirma que se se for ver pelo número de ambulâncias para todos os transportes, num primeiro momento, este não foi suficiente. Entretanto, avança que a Delegacia de Saúde teve que facultar uma viatura (do tipo Hiace).

“As ambulâncias não eram suficientes, até porque tínhamos mortes, embora para casos de enterro nós tenhamos utilizado uma ambulância própria que não é utilizada em outros casos. Para pessoas confirmadas ou suspeitas utilizamos um tipo de ambulância e temos uma outra que é só para o transporte normal para atender às emergências na Cidade da Praia”, informa.

Isolamento

Segundo informa Celestino Afonso, durante os dois primeiros meses, na fase inicial que era a mais crítica, providenciou-se um local de isolamento.

“Estiveram dois meses isolados, longe de suas casas e suas famílias. Faziam o serviço e depois iam para a residencial Madre Teresa de Calcutá, isto para evitar a transmissão da comunidade para a corporação e da corporação para as suas famílias e os seus bairros. Na estrutura de isolamento os Bombeiros tinham um espaço para ficar durante todo o tempo de recuperação”, prossegue.

Aquele corpo de bombeiros só começou, segundo diz, a registar casos positivos internos há cerca de três meses. Na fase mais crítica, garante, ninguém da corporação ficou contaminado.

“Foram 15 efectivos contaminados. Neste momento não temos nenhum caso activo. Muitos dos que foram contaminados eram assintomáticos. Nós fazíamos sempre o controlo com a Delegacia de Saúde que permitiu ter o controlo”, afirma.

Estagnação da situação na Praia é “um alívio”

Celestino Afonso diz que a estagnação da situação na Praia para aquela corporação representa “um alívio” porque passaram por momentos de aflição e de muito trabalho.

“Fazíamos, por exemplo, o transporte de casos confirmados durante toda a noite e há uma equipa dos bombeiros que teve muita entrega. Já houve altura em que transportamos pessoas até às duas da madrugada. Para nós é um alívio e não vemos a hora de isso acabar e termos zero casos na Cidade da Praia e, por isso, apelamos à colaboração de toda a gente.

Quanto aos dados, desde o começo da pandemia até hoje, disse esta fonte, os Bombeiros Municipais da Praia transportaram 83 casos suspeitos, 835 casos confirmados, 198 casos recuperados e 66 óbitos.

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Na primeira pessoa

Bombeiro há 16 anos e Comandante Adjunto dos Bombeiros da Praia há cerca de 1 ano, Ronaldo Varela conta que desde o início da pandemia trabalha com medo de ser contaminado. Inicialmente, a população mostrou-se resistente não facilitando o trabalho dos bombeiros, conforme revela.

“No início da pandemia, por aquilo que víamos nas notícias internacionais, muitas mortes por COVID-19, quando surgiu o primeiro caso suspeito na Praia, em Chã de Areia, aonde fomos buscar dois cidadãos de nacionalidade portuguesa, montamos um grande aparato. Ao chegar a casa senti febre, medo e o coração disparando”, descreve.

Com o tempo, prossegue, à medida que os casos iam surgindo, Ronaldo e os colegas foram-se adaptando à situação e o medo deixou de ser uma constante.

“No princípio havia muita resistência, as pessoas não queriam ir para os hospitais de campanha. Por vezes ligávamos para a pessoa a dizer que íamos a caminho, diziam ok. Ao chegar ao pé das suas casas, ligávamos e tinham o telefone desligado, por vezes davam um endereço errado. Mas fomos driblando esses constrangimentos até que começamos a realizar transportes mais suaves”, recorda.

Conforme este entrevistado, à medida que as pessoas aceitavam a existência da doença e se deixou de descriminar aqueles que contraíam o vírus, o trabalho dos Bombeiros foi facilitado. Aliás, para Ronaldo Varela, a consciencialização da população ajudou para que o município registasse uma diminuição dos casos.

“Agora, quando ligamos para alguém para levar aos hospitais de campanha, dão o endereço certo, quando chegamos às suas casas saem, vestem o equipamento que disponibilizamos, colaboram connosco, já que o nosso objectivo é ter menos contacto possível com os casos positivos, a menos que se trate de acamados e idosos”, afirma.  

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 993 de 9 de Dezembro de 2020. 

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Autoria:Sheilla Ribeiro,12 dez 2020 10:02

Editado porJorge Montezinho  em  15 set 2021 23:21

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