Idosos: Entre o perigo, os cuidados e a saturação da covid-19

PorSara Almeida,11 fev 2021 7:46

São a camada da população para quem a pandemia traz consequências mais graves, constituindo, um pouco por todo o mundo, o maior número das vítimas mortais da covid-19. E para lá da doença em si, a pandemia agravou-lhes também outros “problemas”, como a solidão. Falamos dos idosos, que em Cabo Verde também viram o SARS-CoV-2 mexer com a sua vida, as suas rotinas e actividades, e as respostas de apoio que lhes são prestadas. Dos centros de dia, aos lares, passando pela assistência ao domicílio, falamos aqui do que mudou com a pandemia, e do cenário causado na terceira idade pela covid-19.

Desde que começou a pandemia que a família de Isabel a visita muito menos.

A excepção é uma filha que vive no mesmo bairro, e que a apoia naquilo que a idosa, ainda que muito independente do alto dos seus mais de 80 anos, já não consegue fazer. Entre “embarcados” para o estrangeiro e outras ilhas, os membros da família ainda não separados por mar, também se abstêm dos contactos presenciais. “Mas vamos falando sempre por telefone”, garante uma neta.

No Natal, confessa, a saudade falou mais alto e o protocolo de afastamento auto-imposto em conformidade com as recomendações das autoridades de saúde foi quebrado. Mas logo reposto, mediante o aumento de casos no concelho.

E apesar das “visitas” que recebeu, há meses que Isabel não passa do passeio em frente a casa, onde apanha a fresca. A filha traz-lhes as compras. As vizinhas, a dois metros, trocam dois dedos de conversa.

“Antes da pandemia, depois de uma queda que dei, também já pouco saía”, confessa Isabel.

Mas se há idosos que se vão mantendo em casa, outros há que não conseguem ficar em casa. Como o Sr M. de Vila Nova, um dos beneficiários do Projecto Viva Idosos.

“Ele não pára! Já lhe dissemos várias vezes para não sair, não andar [por aí] porque são tempos perigosos. Ele nem liga. Sai, vai para Sucupira e outros locais. Não tem medo da covid”. Diz que há-de morrer de qualquer forma, por isso não se coíbe de passear, lamenta Silvana Semedo, coordenadora do Projecto.

Viva Idosos, uma iniciativa do Movimento Jovens pela Paz (JxP) posta em prática desde desde 2019, é um projecto com duração de seis meses, e que foi retomado em Junho de 2020. Terminou em Dezembro.

“Tínhamos o financiamento do Ministério da Família e Inclusão Social que era submetido em 3 tranches. Todas se esgotaram e estamos parados, agora”, esperando financiamento para a retoma.

Muito mudou entre 2019 e 2020. Antes, foram realizadas várias actividades que juntavam os idosos, para dançar, fazer passeios, etc. Havia convívio. Depois, em contexto de pandemia, já não foi possível fazer as actividades em grupo e a dinâmica teve de mudar.

“Em vez de virem, nós é que vamos”, explica. Encetou-se assim a assistência ao domicílio a 50 utentes, por uma equipa que é composta por seis elementos, incluindo uma psicóloga, uma enfermeira e a cozinheira que faz as refeições quentes que são distribuídas.

Assistência em casa

O encerramento de actividades presenciais ocorreu um pouco por todo o lado e entre as diversas entidades que trabalham no apoio ao idoso.

Há largos anos que a Cruz Vermelha de Cabo Verde (CVCV) faz um reconhecido trabalho na área. Em todo o país são cerca de 250 os idosos beneficiários dos seus nove centros de dias e dois lares, recebendo alimentação, assistência médica, apoio psicológico, assistência sanitária, entre outros.

Na Praia, a CVCV tem um centro de dia na Fazenda que apoia 50 utentes. Antes da pandemia, todos os dias, 45 desses idosos iam ao centro, sendo que os restantes recebiam assistência em casa. Também aqui a covid mudou tudo.

“Em vez dos utentes irem para o centro, o Conselho Local da Praia montou um sistema de fazer entrega de refeição ao domicilio. De Março a Maio fazíamos a entrega de refeições e a partir de Maio fizemos entrega de cesta básica, em vez de dar refeição. A partir do mês de Julho, duplicamos e estamos a distribuir 100 refeições por dia”, resume Ivandro Lopes. Esses novos 50 beneficiários foram, como conta o vice-presidente do Conselho Local, indicados por Associações, que os haviam identificado como pessoas a passar necessidades.

Na mesma linha das outras entidades, também o Centro de Dia de Castelão, da Câmara Municipal da Praia, suspendeu actividades.

E embora preste assistência aos cerca de 120 beneficiários através das delegações, com o encerramento repentino, não foi possível dar refeição quente a todos

“Não estávamos preparados para dar a resposta a todos, então fizemos um levamento”, recorda Sandra Pires, coordenadora deste Centro. O apoio foi dirigido aos mais vulneráveis. “Os outros foram assistidos por familiares, e receberam também cesta básica e máscaras”.

Lares

Entretanto, o Centro de Castelão funciona também como um centro de emergência, acolhendo neste momento 10 idosos residentes. Este serviço continuou a funcionar, mas também com algumas alterações. Nomeadamente a suspensão das visitas.

“Estamos paulatinamente a abrir as visitas, mas os idosos recebem apoio dos familiares através do telefone, das videochamadas, alguns que moram perto vão e, de fora, comunicam com o idoso a uma distância permitida”, conta.

De qualquer forma, os residentes, e também uma boa parte dos restantes beneficiários do centro são pessoas em situação de vulnerabilidade e que já, anteriormente, pouco contacto tinham com as suas famílias, observa.

São poucas as instituições em Cabo Verde onde os idosos realmente “moram”. Há poucos lares em todo o território nacional. Um deles é o da Cruz Vermelha em São Vicente, que neste momento acolhe 9 idosos.

Eram mais, antes da pandemia surgir em Cabo Verde no passado Março. Em Abril, houve uma redefinição do funcionamento do projecto, como conta a presidente do Conselho Local da CVCV em São Vicente, Romine Oliveira.

A voluntária, que é também a responsável do Lar, recorda que eram 15 residentes, mas redefinidos os critérios dos beneficiários, parte desses idosos foi morar em contexto familiar. Semanalmente um enfermeiro vai visitá-los, complementa. A par com esta redefinição, também foi encerrado o centro de dia, que beneficiava outros idosos.

Quanto aos que se mantiveram, houve regras que mudaram. Os contactos da família por telefone passaram a ser privilegiados, e nas visitas presenciais há distâncias a manter.

Sem casos

Os cuidados que as diferentes entidades, nas diferentes modalidades de apoio têm tido ter resultados positivos, em termos de prevenção das infecções.

No lar da CVCV de São Vicente não houve nenhum caso de covid até agora.

Mas “temos tido muito cuidado, estamos sempre em contacto com

delegado de saúde que está sempre disponível. Formos atendidos todas as vezes solicitadas para fazer teste de despiste no lar e seguimos todas as orientações. E acho que a razão de não termos casos é principalmente porque os nossos colaboradores vão para casa e cuidam bem de si próprios”, congratula-se Romine Oliveira.

No Centro de Emergência de Castelão também não houve qualquer caso. E entre os utentes dos Centros de dia de Castelão e CVCV na Praia, bem como entre os beneficiários do Viva Idosos também não. Excepção feita a uma septuagenária, assistida por este último, que apesar da idade recuperou bem e rapidamente.

Maiores vítimas

Mas os números da covid nos idosos são, provavelmente, o lado mais assustador da pandemia e mostram que evitar a infecção é fundamental.

Também em Cabo Verde, basta olhar os números para ver que eles são, até pelas co- morbilidades associadas à idade, os mais vulneráveis à morte por covid.

Dados oficiais consultados a 8 de Fevereiro mostram na faixa 60-70 anos houve 34 óbitos em 809 casos diagnosticados; na 70 -80 anos, 18 mortos em 315 positivos; 46 óbitos de idosos entre os 80 e os 90 anos, em 268 casos e 13 mortes entre os maiores de 90, faixa onde houve 66 registos de infecção.

Nem é preciso fazer contas para aferir que: há menos casos entre os mais velhos, mas, por outro lado, e tal como no resto do mundo, muito mais mortes. Mas para se ter uma ideia mais geral: num total de casos acumulados de mais de 14.280 casos covid e 135 mortes (até 8 de Fevereiro), “apenas” 1458 casos são de maiores de 60 anos. Destes, 111 morreram.

É mais de 82% dos óbitos, apesar de os idosos corresponderem a 10% dos infectados.

Olhando outras paragens, no Brasil, os idosos correspondem a 73% das mortes. Em Espanha, onde são cerca de 37% dos infectados, são 95,5% das vítimas mortais. Em Itália igual.

Leituras simples podem não ser muito válidas. Há que ter em conta, entre outras coisas, a juventude da população cabo-verdiana. Segundo as projecções de demográficas para 2019, apenas 6,1% da população de Cabo Verde tem mais de 65 anos.

Mas complexidades estatísticas à parte, dúvidas não há: os idosos são o grupo de maior risco.

Cuidado

Na cidade da Praia, a percentagem de idosos na população é de 3,9. Mas em Porto Novo por exemplo, é 7,9%. Superior à média nacional, portanto.

Neste concelho de Santo Antão, há três centros de dia, da Câmara Municipal, que à semelhança dos do resto do país, viram as actividades suspensas e garantiram assistência em casa aos utentes.

O centro de Berlim, já está a funcionar, como conta o director de acção social da CM Porto Novo, Delson Neves. E está a funcionar, garante, com todas as precauções indicadas, da higienização, às máscaras. O centro é frequentado por 27 utentes, e mais 40 têm apoio a nível de refeições e assistência ao domicílio.

Em breve, adianta ainda, será reaberto o Centro de Alto de São Tomé, onde estão a ser feitos trabalhos de reabilitação. Há 32 utentes que estão a ser beneficiados com entrega domiciliária, 22 dos quais deverão frequentar o centro. Em Ribeira das Patas há 25 idosos inscritos.

Até agora, não houve “nenhum caso a registar de covid no seio dos idosos, nem dos profissionais dos centros”, diz Delson Neves.

Há pois muito poucos casos registados a nível dos sistemas de apoio ou cuidado aos idosos, a nível nacional. O facto de os idosos estarem dispersos, em suas casas, é uma razão óbvia para que não haja surtos.

“Fazer o distanciamento, colocar cada um na sua casa contribuiu bastante para que não haja tantos idosos infectados”, avalia Ivandro Lopes, da CVCV Praia.

Entre os que são residentes das instituições, isso terá a ver com as precauções tomadas e cumprimento das orientações sanitárias e dos planos de contingência, consideram as responsáveis.

“Tratando-se de muita ou pouca gente, caso haja um caso de covid vai proliferar de uma forma rápida”, observa a responsável do lar da CVCV de São Vicente.

Cuidado das instituições, mas também a nível da família, a ideia generalizada é de que, apesar de algumas falhas, há cuidado e respeito pelos seus mais velhos.

Do pânico à moderação

Nem todos os idosos são como o sr M. que não parece ter medo da covid. Muitos têm, mas aos poucos e com apoio vão também aprendendo a conviver com a doença.

Os idosos assistidos pelo projecto Viva Idoso, depois do medo e apreensão estão hoje mais relaxados. Houve, aliás, um trabalho para esse apaziguamento

“A nossa psicóloga vai falar com eles”, e explicar que o importante é prevenir, sem pânico, recorda Silvana Semedo. Na verdade, Silvana não sentiu que os idosos tivessem entrado em depressão. “Ficaram foi com muitas saudades das actividades”, diz.

Saudades que se replicam em utentes de outras iniciativas. Ivandro Lopes da CVCV Praia recorda que na fase inicial do confinamento, os idosos não queriam ficar em casa. “Queriam ir para o centro”. Mas as regras são para respeitar. Aguentaram. Agora, com a abertura de outros serviços e centros que têm observado, voltaram a manifestar essa vontade de regresso.

“Estão cansados de ficar em casa”. Entretanto ainda não há data para reabertura do Centro de dia.

No caso da CVCV, foram porém identificados alguns quadros compatíveis com depressão. “Não era fácil ficar em casa, tinham uma rotina de sair todos os dias. Há idosos que moram sozinhos, não têm com quem conviver”, conta o vice-presidente do conselho local da Praia.

Para os ajudar foi montado um serviço de apoio com psicólogos que fizeram o acompanhamento. E diariamente, logo de manhã, o próprio Ivandro e uma outra funcionária telefonavam para falar com eles.

Também Sandra Pires, do Centro de Castelão considera que houve um significativo impacto da covid no estado emocional dos idosos. Fechados durante o estado de emergência, ficaram impacientes. Pedem “a todo o momento” para sair, fazer alguma coisa” e nota-se uma certa alteração psicológica. Mas na verdade, “isso aconteceu com todos nós, independentemente da idade”, sublinha Sandra.

Esse impacto da covid em “todos nós” é também realçado por Romine Oliveira. Há esse impacto e é importante dar atenção aos aspectos emocionais e relacionais dos idosos, mas também dos trabalhadores que deles cuidam.

O peso da incerteza sobre o vírus, o medo de ser contaminado e de contaminar o próximo, e outros aspectos devem ser tudo em conta, diz a responsável.

“Estamos sempre atentos pelo menos a três factores, medo, frustração e solidão”.

Por isso, é importante manter a alegria no Lar, e mitigar esses factores. Para que “no momento de desaparecer a pandemia estejamos sempre mais fortes”, remata.

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Autoria:Sara Almeida,11 fev 2021 7:46

Editado porAndre Amaral  em  8 nov 2021 23:21

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