Nem fumo, nem mandado de Nina, Filú, Edine e Maurício Soares...

PorSheilla Ribeiro,31 mai 2021 6:38

O Dia Internacional das Crianças Desaparecidas celebra-se anualmente a 25 de Maio. A celebração da data teve origem no facto de, no mesmo dia, em 1979, ter desaparecido Ethan Patz, uma criança de 6 anos de Nova Iorque que nunca foi encontrada. Nesta edição o Expresso das Ilhas recorda os casos mais conhecidos do desaparecimento em todo o país. Acontecimentos esses que ainda afligem os familiares e revolta a sociedade que, por sua vez, pedem respostas das autoridades com competência na matéria.

Foi no dia 3 de Fevereiro de 2018 que os primos Clarisse Mendes (Nina) e Sandro Mendes (Filú) saíram de casa da avó para comprar açúcar, em Água Funda, na Cidade da Praia, e nunca mais regressaram. Na altura, Filú tinha nove anos e Nina estava prestes a completar doze anos. Hoje teriam 12 e 14 anos.

A rotina dos primos era acompanhar a avó Marcelina Lopes, que hoje, conforme avançou à Inforpress, sofre de algumas perturbações mentais por causa do desaparecimento dos netos. Entretanto, o Expresso das Ilhas esteve em Castelão, na casa dos familiares dessas crianças, tendo a própria avó Marcelina afirmado que continuam sem nenhuma novidade sobre o caso.

“Fevereiro do próximo ano completa quatro anos do desaparecimento de Nina e Filú. Até hoje não temos nenhuma novidade. Nem a Polícia nem qualquer outra autoridade nacional têm falado connosco para dizer algo, não temos nenhuma pista… nada, nada. Ainda dói como se fosse hoje”, disse a avó com um olhar perdido de tristeza e melancolia.

Entretanto, no passado dia 13 de maio, o Director Nacional da Polícia Judiciária (PJ), António Sebastião Sousa, afirmou que a não resposta dos desaparecimentos é uma questão que preocupa aquela força policial. Mas, garantiu, a Polícia Judiciária e as autoridades judiciárias trabalham todos os dias para saber o que aconteceu com estas duas crianças.

“Nós trabalhamos com provas, não trabalhamos com evidências que não possam resultar em provas. Por isso, pode levar tempo. Entendemos a situação das famílias. Nós sofremos também com as famílias que gostariam de saber o que se passou com as crianças, mas continuamos a fazer este trabalho”, assegurou à imprensa após assinatura de um protocolo de cooperação com a Provedoria de Justiça para a prevenção e combate aos crimes de Violência com Base no Género (VBG) e os de agressão sexual contra menores.

António Sebastião Sousa sustentou que não é um trabalho fácil investigar crianças desaparecidas, além de que a PJ realiza investigações em diversas áreas criminais como homicídios, crimes sexuais, crimes cibernéticos, lavagem de capitais e crimes de tráfico.

“É um conjunto de atribuições que a Polícia Judiciária tem e continua a dar resposta. Infelizmente, nesses casos, ainda não conseguimos dar resposta nem às autoridades judiciais. Mas, estamos a trabalhar todos os dias, é só ver o que se passa com a situação da menina inglesa, que até agora não conseguiram, com todos os meios que têm à disposição para tentar esclarecer o que efectivamente se passou”, exemplificou.

Estrangeiros?

Em Julho de 2018, cinco meses após os desaparecimentos das crianças, Marcelina Lopes avançou à Inforpress que estava a receber, na altura, estrangeiros em casa que estavam a ajudar as autoridades cabo-verdianas a desvendar o caso.

Naquele ano, a idosa declarou que se tratavam de agentes da polícia provenientes dos Estados Unidos da América que, durante três meses foram à sua residência, em Castelão, para recolher novos elementos para investigação.

Na altura, a Agência Cabo-verdiana de Notícias contactou a PJ e a assessoria da polícia científica limitou-se a dizer que desconhecia esta informação. Entretanto, nada mais se sabe soube sobre o assunto.

Outros casos e outros desfechos

A 14 de Novembro de 2017, Edvânia Gonçalves, na altura com 10 anos, foi vista pela última vez na rua da casa onde mora com os pais em Eugénio Lima, quando saiu para fazer um mandado, a pedido da mãe, junto de uma vizinha a pouco mais de 100 metros da sua residência, e não voltou.

Passados oito meses, em Julho de 2018, a Polícia Judiciária confirmou que um conjunto de ossadas encontradas em Janeiro daquele ano, na localidade de Ponta Bicuda, Praia, pertencia à criança de Eugénio Lima. Um balde de água fria para os familiares da criança que tinham ainda esperança em encontrá-la viva.

Na ocasião, a PJ fez saber que após submeter o material extraído das ossadas encontradas aos exames de DNA e fazer comparação com material genético dos progenitores dos desaparecidos até a data da descoberta das ossadas (Edine e Maurício Soares e Edvânea Gonçalves), estes apresentaram uma probabilidade de 99,9999 por cento (%) de chances de pertencerem à menor Edvânea Gonçalves.

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De acordo com o comunicado que a PJ emitiu, estava-se perante um caso de homicídio, pelo que as investigações seriam “direccionadas neste sentido com vista à descoberta do (s), autor (es) do crime”. Até agora nada se sabe sobre o desenrolar das investigações.

Antes da confirmação do DNA, no dia 12 de Março de 2018, o jornal Nice Matin publicou uma entrevista com um mulher de nome Natalina Gonçalves, que se declarava, como sendo Embaixadora para os Direitos Humanos em Cabo Verde.

Na entrevista Natalina Gonçalves alegava que, naquela altura, dois cadáveres teriam sido encontrados em Cabo Verde e que os corpos teriam sido enviados para Portugal, sem que as identidades fossem reveladas.

Na mesma entrevista, a auto-intitulada embaixadora dos Direitos Humanos apontou para um alegado esquema de tráfico de órgãos uma vez que “um dos corpos encontrados não teria quaisquer órgãos no seu interior”.

Tanto a PJ como o Governo desmentiram o envio de cadáveres para Portugal para serem estudados.

O caso de Edine e Maurício Soares

No dia 28 de Agosto, Edine Jandira Robalo Lopes Soares, de 19 anos, deixou a casa de seus familiares em Achada Grande Frente, alegando que iria levar o bebé para o controlo no Programa Materno-Infantil (PMI), no bairro da Fazenda, Cidade da Praia. Desde então nunca mais foi vista para o desespero de seus ente queridos.

Em Novembro daquele ano, em entrevista à inforpress, os familiares da desaparecida informaram que tinham recebido informações contraditórias sobre o paradeiro da Edine que, ora estava na ilha do Sal, ora na Boa Vista.

Segundo a Agência Cabo-verdiana de Notícias, uma amiga da irmã da Edine disse ter recebido um telefonema a avisar para os familiares irem buscar o bebé na zona de Achada de São Filipe, mas que deviam ir sem a polícia.

“Fomos com expectativa de recebermos o bebé, mas não encontrámos nada”, indicou Alberto Fernandes Lopes da Silva, bisavó de Maurício, acrescentando que a mesma pessoa, pela segunda vez, ligou a propor para irem buscar o pequeno Maurício no mesmo local e que mais uma vez se deslocaram ao sítio proposto, mas sem resultado.

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O número do telemóvel da pessoa que ligou sob o anonimato, segundo aquele familiar, foi entregue à Polícia Judiciária (PJ) que conseguiu identificar a dona do telefone, uma jovem de 17 anos, que forneceu os detalhes que levaram à detenção de um cidadão italiano, em Achada de São Filipe.

“Este italiano, depois de detido, foi posto em liberdade e não sabemos por que razão”, queixou-se Alberto Fernandes Lopes da Silva.

Contactado na altura pela Inforpress, o inspector chefe da secção de crimes contra as pessoas da PJ, José Gonçalves, não quis avançar pormenores sobre o desaparecimento da mãe e do filho de três meses, alegando que a “investigação estava em curso”.

Entretanto, por despacho do procurador-geral da República, foi criada uma equipa conjunta, composta por elementos da PJ e da Polícia Nacional, coordenada por um procurador da República, para trabalhar exclusivamente nos casos de desaparecimento de pessoas.

O desaparecimento misterioso de seres humanos tem inquietado o Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, que exigiu respostas por parte das autoridades.

A sociedade civil também tem manifestado a sua inquietação. É o caso do cardeal Dom Arlindo Furtado, que classificou a situação “muito preocupante, grave e chocante” e, segundo ele, há “qualquer coisa que está a acontecer que não dá para entender”.

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1,2 milhão de crianças desaparecem todos os anos no mundo

Um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado em Janeiro de 2019, mostrou que, em 2016, 25 mil pessoas foram traficadas no planeta – sendo 30% crianças. De acordo com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC), houve um aumento “consistente” na quantidade de pessoas traficadas desde 2010 – a América está, ao lado da Ásia, como o continente onde é registrada a maioria desses casos.

Segundo a ONU, este aumento pode decorrer de dois factores: o maior número de identificação e registo de dados sobre esse tipo de crime (normalmente subnotificados) ou por se terem, de facto, elevado. Muitas crianças são roubadas para fins sexuais ou tráfico de órgãos, também existem casos de venda e adopções ilegais por meio de falsificação de documentos, prontuários em hospitais com identidades falsas, entre outras possibilidades. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1017 de 26 de Maio de 2021.

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Autoria:Sheilla Ribeiro,31 mai 2021 6:38

Editado porAndre Amaral  em  10 mar 2022 23:20

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