O Instituto Superior de Ciências Jurídicas e Sociais faz 15 anos. Que desafios tem pela frente?
Penso que, em termos de ensino superior, o Instituto ainda tem uma história recente. É jovem e nem sequer chegou à maioridade. Mas a verdade é que, durante estes 15 anos, tem conseguido posicionar-se no mercado do ensino superior a nível nacional e hoje é uma referência, no ensino superior, e também a nível de publicações, congressos, colóquios e actividades científicas que tem desenvolvido ao longo destes 15 anos. A nível do ensino, já temos centenas de licenciados em direito, serviço social, criminologia e segurança pública, ciência política e administração pública, relações internacionais e diplomacia, ciências empresariais e economia. Isto para além de pós-graduados e especialistas, em programas de pós-graduações que temos feito ao longo dos últimos cinco anos. Em termos de desafios, há vários constrangimentos, muitos dos quais resultantes do contexto da crise económica e financeira que vivemos. Não só resultantes da pandemia, mas também constrangimentos que vêm de há algum tempo, sobretudo a nível do ensino superior e da ciência. Obviamente, que todas as instituições do ensino superior, particularmente privado, se debatem com problemas de sustentabilidade financeira, porque dependem exclusivamente das propinas. Há um decréscimo paulatino do número de alunos que ingressam no ensino superior no país, em virtude também da crise financeira - os 3 últimos anos de seca e agora a pandemia, que acabam por se reflectir nos rendimentos das famílias e, portanto, no número de alunos. Mas a pandemia não trouxe só desvantagens ou constrangimentos, trouxe também janelas de oportunidades e o ensino à distância é uma delas. O recurso à tecnologia, ao mundo digital, é uma oportunidade também para que nos possamos expandir e chegar a outros mercados, nomeadamente levar o nosso ensino às outras ilhas, porque, dada a nossa situação de país insular, é um problema que alunos possam a ter acesso ao ensino superior. Sobretudo estudantes trabalhadores que não podem abandonar os empregos, que não podem abandonar a família, para se dedicarem à formação superior, mas que acalentam esse desejo. A possibilidade do ensino à distância permite que o instituto possa chegar às outras ilhas e mesmo, quem sabe, a nível de cursos pós-graduados, chegar a outros países, nomeadamente países lusófonos. Penso que estes são os grandes desafios que temos para o futuro. Além disso há determinados cursos em que se verifica uma diminuição paulatina da procura, talvez por o mercado estar saturado, talvez porque a sociedade não tem respondido com ofertas a nível de empregabilidade, o que tem levado ao encerramento de alguns de alguns cursos.
Sente que o ensino superior, especialmente o ensino superior privado, está em risco em Cabo Verde, tendo em conta todos esses factores? As dificuldades económicas causadas pela seca, pela pandemia, o exclusivo de financiamento através das propinas, põem em causa o trabalho feito?
Não põem em causa o trabalho feito, tornam-no é mais difícil. Por isso é que nós, o ensino superior privado, temos lidado com esses constrangimentos, mas tem conseguido subsistir e o instituto tem prestado um serviço público de qualidade não obstante os constrangimentos, não obstante não ter auxílio e não obstante não ter outras fontes de receita para além das propinas. Mas o instituto, juntamente com a sua entidade titular, tem reflectido e analisado outras possibilidades e como conseguir contornar os obstáculos. Não digo que esteja em perigo, digo sim é que o trabalho é mais difícil e mais árduo. Mas temos conseguido e continuamos a acreditar que podemos prestar um serviço público de qualidade e queremos prestar. O segredo é manter essa qualidade não obstante os obstáculos. É continuar a oferecer esse serviço, alargar os serviços que prestamos, tentando contornar os constrangimentos que vão surgindo. Se tivermos apoio da parte do Estado, se houver uma política de financiamento do ensino superior privado, será o ideal. As instituições do ensino superior privado já apresentaram propostas várias ao governo, nomeadamente incentivos fiscais e outros, como forma de auxiliar as instituições do ensino superior privado. Também já apelamos ao senhor ministro para essa situação de apoio ao financiamento do ensino superior também privado, não só do ensino superior público. Deve existir uma política clara nesse sentido. Estamos a contar que isso se venha a concretizar, pelo menos temos a promessa do senhor ministro da Educação. Obviamente também que a nível da investigação tem de haver uma política de incentivo à investigação e de incentivo à especialização ou à qualificação dos docentes.
Quanto a essa subsistência de que falava, implica sacrifícios. Que sacrifícios é que têm sido feitos?
Ao longo do tempo, foram tomadas medidas sobretudo para controlar os custos. Isso tem sido feito com a colaboração de todos os colaboradores, docentes e não docentes, todos os que vestem a camisola, que acreditam neste projecto educativo e que entendem que devem trabalhar manterem vivos os propósitos que desse projecto educativo. Há esforço de todos no sentido de controlar ou diminuir os custos de funcionamento da instituição.
E a nível pedagógico?
O sacrifício é a nível dos custos, sem tocar na qualidade do ensino. Mantemos a qualidade e optamos, sim, por controlar custos de funcionamento.
O instituto está especializado, acima de tudo, na área do Direito. O mercado de trabalho ainda tem condições para continuar a absorver estes profissionais?
Nós fomos a primeira escola de Direito do país. Em 2006, começamos por oferecer dois cursos de licenciatura: Direito e Serviço Social. Mas em 2010 acabamos por alargar a nossa oferta formativa a nível de graduação e, neste momento, oferecemos outros cursos para além do curso de Direito. Mas, efectivamente, somos conhecidos pelo curso de Direito, sobretudo por termos sido a primeira escola, e por sermos a maior escola de Direito do país. Curiosamente, enquanto em outros cursos de graduação verificamos que nos primeiros anos há uma grande procura e depois há uma diminuição crescente dessa procura, o curso de Direito é o único que se mantém estável e com tendência a aumentar em determinados anos. E o certo é que, do acompanhamento que fazemos dos nossos graduados, a grande maioria está a exercer profissionalmente uma actividade que está associada ao curso de Direito, até porque é dos cursos que tem o maior leque ou um grande leque de saídas profissionais. Muitas vezes pensamos no Direito como um curso, um instrumento para o exercício de actividades tradicionais como advocacia, a magistratura, mas o certo é que temos alunos já formados que, neste momento, estão em vários sectores, seja no sector público, seja no sector privado, na magistratura judicial, na magistratura do Ministério Público, nos Registos e Notariado, assessores de ministros, assessores a nível de tribunais superiores como o Tribunal Constitucional, o Supremo Tribunal de Justiça, que exercem também advocacia… Penso que o maior número está no exercício da advocacia. Temos alunos que se transformaram em docentes da própria escola, porque a escola absorve os seus melhores alunos, e que continuam com a carreira académica. O certo é que todos conseguem. Pelo menos a grande maioria está empregada e exerce uma profissão, onde o curso de Direito, a formação que teve cá no instituto, lhe dá a competência teórica necessária para que possa exercer essa profissão.
Como tem sido o relacionamento do instituto com os diferentes governos? O Estado tem dado ouvidos aos apelos feitos pelo ensino superior privado?
O instituto não é uma voz isolada. Aliás, algumas das iniciativas tomadas foram em conjunto com outras instituições. O instituto tem tido sempre um bom relacionamento com os governos. Há um diálogo entre os ministros que tutelam o ensino superior e a direcção da escola. Não houve nenhuma relação de tensão, ou uma relação em que há maiores facilidades. Não. Até porque isoladamente não tem havido muita actuação, são muitas vezes, actuações conjuntas, com outras instituições. Há algumas preocupações que são próprias do instituto, o que é natural, mas a maioria das questões são transversais e comuns a outras instituições do ensino superior privado.
Mas tem havido recepção positiva da parte do governo a estes apelos que vocês têm feito?
Pelo menos em termos de nos ouvir, de aceitar as medidas, de mostrar abertura para a implementação de alguma delas, sim. Estamos a aguardar a concretização de algumas delas, nomeadamente a questão do financiamento do ensino superior privado. Uma outra questão que já foi levada tem a ver com a legislação, com o regime jurídico do ensino superior. Há necessidade de [a legislação] ser adaptada à nossa realidade, o que é natural, uma vez que já se passaram vários anos desde a sua aprovação e a dinâmica do mercado, a dinâmica as instituições, revela que há a necessidade de fazer alguns ajustes. Aguardamos algumas medidas, mas o certo é que sempre temos tido boas relações com os governos, no sentido do diálogo, no sentido de abertura para ajudar, na medida do possível. Mas, o certo é que às vezes há medidas que têm de ser estruturais e que continuamos a aguardar.
Como é que vê o surgimento de Entidade Reguladora do Ensino Superior? Foi uma medida positiva para o sector em Cabo Verde?
Pode-se questionar, em termos de tempo, porque o ensino superior em Cabo Verde ainda é muito recente comparativamente com países onde já temos séculos de ensino superior. Países em que só passados vários anos depois da consolidação do ensino superior é que se veio criar essa entidade reguladora. Entendo a preocupação no sentido de garantir a qualidade do ensino superior, a qualidade das instituições. O problema não está na criação dessa entidade reguladora, mas o certo é que é necessário ver as instituições do ensino superior como parte da solução, ou seja, como um parceiro que contribui para a prestação de um serviço público. Deve haver aqui um trabalho conjunto. Cada um na sua área de intervenção, com as suas competências, mas sempre em prol do ensino superior em Cabo Verde. Portanto, nós todos queremos o mesmo, queremos prestar no serviço público de qualidade, queremos garantir uma formação sólida aos cabo-verdianos, para que tenhamos bons profissionais, em prol do desenvolvimento do país. Penso que estamos todos do mesmo lado e deve haver um trabalho conjunto nesse sentido. Perante esse cenário, não se põe em causa nenhuma das entidades, todas dão o seu contributo para que se consiga esse ensino de qualidade, sempre em busca dos interesses dos cabo-verdianos.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1038 de 20 de Outubro de 2021.