“Talvez o foco desta manifestação, deste descontentamento, não deveria ser o Ministério Público. Há uma lei que foi feita pelos órgãos competentes, a Assembleia [Nacional] e o Governo, que estabelecem tipos legais de crimes, um dos crimes é a violação do segredo de justiça e outro é a desobediência qualificada”, afirmou José Landim, quarta-feira, 02, em entrevista ao Jornal da Noite da Televisão de Cabo Verde (TCV).
O esclarecimento do porta-voz do órgão titular da acção penal em Cabo Verde surgiu após dois jornalistas e respectivos órgãos terem sido constituídos arguidos pelo Ministério Público.
Depois do jornal online Santiago Magazine e do seu jornalista e director Hermínio Silves, o jornalista Daniel Almeida e o jornal A Nação foram também constituídos arguidos, tendo estes últimos sido convocados a comparecer na PGR na sexta-feira, para serem ouvidos.
O primeiro caso diz respeito a uma notícia publicada pelo Santiago Magazine, em 28 de Dezembro, que dava conta de uma investigação do Ministério Público ao actual ministro da Administração Interna, Paulo Rocha, por alegado envolvimento num homicídio em 2014, quando era dirigente da Polícia Judiciária, durante uma operação daquela força policial.
No segundo caso, o jornalista Daniel Almeida revelou à imprensa cabo-verdiana que não foi especificado por que motivo vai ser ouvido, mas diz-se suspeitar que será também no âmbito desse processo, em que tem escrito várias notícias nos últimos anos.
Estes dois casos levaram a Associação dos Jornalistas Cabo-verdianos (AJOC) a convocar uma manifestação para sexta-feira, que vai acontecer precisamente à mesma hora (14:30) em que o jornalista Daniel Almeida vai estar a ouvido na PGR, em Achada de Santo António, na Cidade da Praia.
José Landim disse que foi à televisão pública cabo-verdiana esclarecer algumas informações publicadas nos últimos dias “nem sempre as mais correctas” e garantir que a PGR “não persegue ninguém, salvo aqueles que cometem crimes”.
“O Ministério Público e as autoridades judiciárias apenas se limitam a interpretar e a aplicar a lei que existe”, prosseguiu, indicando que há dois processos diferentes neste caso, sendo um sobre a violação do segredo de justiça, em que já há arguidos constituídos.
“O jornalista aqui é apenas indiciado pelo crime de desobediência qualificada, não de violação do segredo de justiça (…). O foco não pode ser o Ministério Público, mas sim quem faz a lei”, insistiu.
Em nota anterior, o Ministério Público lembrou que nos termos do artigo 112.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, os órgãos de comunicação social não estão sujeitos ao segredo de justiça em relação aos processos que não tenham sido chamados, a qualquer título, a intervir.
Mas esclareceu, igualmente, que nos termos do artigo 113.º, alínea a) do mesmo Código “É proibida, sob cominação de desobediência qualificada, salvo outra incriminação estabelecida em lei especial: a) A divulgação ou publicitação, ainda que parcial ou por resumo, por qualquer meio, de actos ou peças processuais quando cobertas pelo segredo de justiça.
“Quem faz uma lei não é o Ministério Público. O foco está mal direccionado e as pessoas que intervêm não colaboram no esclarecimento da situação”, protestou, lembrando que a lei é de 2004.
O Presidente da República, José Maria Neves, recebeu na tarde de quarta-feira o presidente da AJOC, Geremias Furtado, que sugeriu uma revisão da lei.
Entretanto, o procurador-geral questionou: “Onde estava a AJOC nessa altura?”. E também esclareceu que o facto de chamar alguém para responder como arguido não quer dizer que está condenado.
“Estamos na fase de instrução, vai ser investigado, se chegar a conclusão de que há indícios fortes, ele é acusado e, se não, o processo é arquivado”, referiu José Landim.
Em declarações hoje aos jornalistas, na Cidade da Praia, o Presidente da República, José Maria Neves, pediu serenidade, tranquilidade e bom senso aos jornalistas e ao Ministério Público, lembrando também que a lei protege os jornalistas e órgãos por eventual violação do segredo de justiça, a não ser que sejam parte.
Mas que criminaliza a divulgação de peças processuais por qualquer forma, podendo haver a possibilidade de órgãos de comunicação social e jornalistas serem constituídos arguidos por eventual cometimento de crime de desobediência qualificada.