“Sempre quis perceber como as ‘coisas’ funcionam”

PorSara Almeida,13 fev 2022 8:58

A 11 de Fevereiro assinalou-se o Dia Internacional das Mulheres na Ciência. A data foi pretexto para uma conversa com a biomédica Pâmela Borges na qual falamos sobre o seu percurso, gosto pela investigação na saúde e os projectos que tem em curso. Para esta cientista, ser mulher na ciência é algo cada vez mais normal e, no seu caso, nunca foi obstáculo na sua profissão.

A primeira escolha de Pâmela Borges, que definiu o início do seu caminho profissional, aconteceu, como normalmente acontece, no Secundário. Quando chegou o momento de escolher a área de formação, a então aluna do Liceu Domingo Ramos, na Praia, cidade onde nasceu, seguiu “ciências e tecnologias”.

“Sempre fui uma criança muito curiosa, sempre quis perceber como as coisas funcionavam, ver a razão por trás e tentar entender”, conta Pamela. “Então sempre tive o sonho de ser cientista”.

O ambiente em casa terá sido a maior influência neste sentido. Não só pelos livros disponíveis e dos programas educativos que via, como também pelo facto de o seu pai ser engenheiro electrotécnico e ter alguns médicos na família

Fez então a sua escolha e quando terminou o secundário, em 2008, conseguiu uma bolsa de mérito do Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD). As elevadas notas faziam prever que seguisse medicina, mas não era isso que a atraia.

“Tinha já a certeza de que não queria medicina. A minha vontade era investigar. Como também tinha essa paixão pelo funcionamento do organismo, pensei num curso que me permitisse conjugar isso com outras ciências, o que seria, no caso, a tal referência de engenharia que tive em casa”.

Pesquisou as ofertas e optou pela licenciatura em Engenharia Biomédica, na faculdade de ciências e tecnologias de Coimbra. Um curso, na altura, emergente, que traça uma linha transversal entre essas várias áreas.

“A engenharia biomédica é precisamente isso. Tem como objectivo utilizar técnicas de engenharia para encontrar soluções práticas para serem aplicadas na medicina”, explica.

Para Pâmela era, pois, o curso perfeito. Fez a licenciatura e, depois, na mesma faculdade, o mestrado, findo o qual ouviu falar do PGCD (Programa de Pós-Graduação Ciência para o Desenvolvimento), um programa destinado aos PALOP e Timor-Leste que visa promover o desenvolvimento dos países através da capacitação de alunos na investigação em ciência e tecnologia, particularmente na área das Ciências da Vida.

O programa encaixava nos seus objectivos. Assim, ao abrigo do mesmo fez o doutoramento em ciências moleculares, estabelecendo um projecto que lhe permitisse ter um conhecimento transversal de várias técnicas moleculares e, a partir desse leque, aplicá-las, trazendo melhorias no diagnóstico e tratamentos médicos. Era, no fundo, o conceito do próprio programa, considera Pâmela: ciência para o desenvolvimento.

Entretanto, após o doutoramento, a cientista regressou a Cabo Verde. Estávamos no período da pandemia e o seu trabalho voltou-se para a resposta à mesma. “Estive a dar suporte não só no diagnóstico, como ajudei também na implementação dos laboratórios na ilha do Sal e na ilha do Fogo”.

Mas a doutora queria trazer algo mais para o país. E foi, entretanto, que tomou conhecimento do Programa “Envolve Ciência PALOP”.

“É um programa, financiado pela Fundação Gulbenkian, que tem por objectivo apoiar jovens investigadores que queiram iniciar a carreira de investigação em Cabo Verde. Achei que seria a oportunidade ideal”.

Candidatou-se e o seu projecto foi um dos 4 seleccionados com 150 mil euros para a sua implementação, que arranca agora em Fevereiro.

O projecto

O projecto intitula-se “Caracterização do perfil clínico e fenotípico do cancro da mama de mulheres cabo-verdianas” e surge num momento em que há um aumento significativo de casos de cancro da mama que têm vindo a ser diagnosticados no país.

“Além disso”, explica a investigadora, este “é um sector que precisa de ser melhorado em Cabo Verde. Há necessidade de reforçar, por exemplo, o diagnóstico das amostras, para definir as melhores terapêuticas”, ou seja, “os melhores tratamentos a serem aplicados”.

Neste momento, refira-se, as amostras precisam de ser analisadas fora do país, o que leva o seu tempo e “influencia directamente a sobrevivência e qualidade de vida das mulheres”.

A ideia é, pois, reforçar o diagnóstico do heterogéneo cancro de mama, mas também, posteriormente, alargar este âmbito, e trabalhar os diagnósticos dos cancros em geral. Com um diagnóstico mais exacto, será, pois, possível um tratamento mais certeiro.

Neste momento, como referido, o projecto está em fase de implementação. Mas não parte do zero. Na verdade, esta é uma espécie de segunda fase. Na primeira fase, do pós-doutoramento, Pâmela esteve cerca de oito meses em Portugal a analisar amostras colhidas em Cabo Verde. Agora, com base nos resultados obtidos, e elaborado o projecto proposto à Gulbenkian, irá continuar e implementar os conhecimentos adquiridos aqui, no país.

Mulheres na ciência

Pâmela Borges sonhou e é agora cientista, usando os seus conhecimentos para o desenvolvimento. Questionada sobre como vê a questão de género na sua área, não tem dúvida de que mulheres nas ciências é algo que começa a ser normal.

“Até há pouco tempo a maioria era homens, mas actualmente, pelo menos durante o meu percurso, reparei que já começa a haver imensas mulheres na ciência activa”.

Ademais, da sua experiência pessoal nunca sentiu qualquer “barreira” ou discriminação “pelo facto de ser mulher”, embora reconheça que há questões, nomeadamente a maternidade, que ainda não viveu e que poderão trazer algumas dificuldades em termos de conciliação do mundo profissional com o pessoal.

“É preciso, se calhar, ter em consideração que isso é um processo natural e tem de ser respeitado”, nomeadamente nos concursos, defende.

Ciência em Cabo Verde

O percurso de Pâmela Borges foi quase todo feito no estrangeiro e com financiamento também internacional. Em Cabo Verde, reconhece haver imensas limitações à investigação. A começar pela falta de laboratórios, “onde a pessoa se pode dedicar à sua pesquisa ainda são muito limitados”. Outro grande handicap que é o financiamento da investigação.

“Cabo Verde tem recursos limitados e sinto que a investigação ainda não se tornou uma prioridade. Mas consigo perceber que já há uma mudança de mentalidade, ou seja, já se começa a ver que investigação é equivalente ao desenvolvimento”, diz. Ademais, com a COVID, essa importância salientou-se. E “daqui a uns aninhos irá melhorar” a atenção dada à investigação no país, antevê. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1054 de 9 de Fevereiro de 2022. 

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Autoria:Sara Almeida,13 fev 2022 8:58

Editado pormaria Fortes  em  1 nov 2022 23:27

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