Apesar das melhorias ainda há muito que fazer

PorSheilla Ribeiro,10 abr 2022 12:44

A verdade é que nos últimos anos o atendimento médico à população passou por grandes mudanças em Cabo Verde. Tudo para melhor. Mas, apesar dos esforços dos sucessivos governos, a saúde pública ainda não consegue oferecer a todos um auxílio rápido e eficaz quando é preciso. Nesta reportagem, o Expresso das Ilhas traz a história de pessoas com problemas de saúde que requerem o controlo regular, mas, que pela condição financeira deixaram de fazer tratamentos imprescindíveis, os adiaram ou preferiram uma opção menos custosa que, por vezes, fica mais caro.

Lilica, de 54 anos, é peixeira e vive em Praia Baixo, interior de Santiago. Mãe de quatro filhos, é responsável pela criação da neta de 12 anos que sofre de paralisia cerebral. Conforme revelou ao Expresso das Ilhas, quase sempre a neta sofre de convulsões e é preciso levá-la para o Hospital da Praia.

“Apenas nos últimos dois dias não sentiu nada. Ainda assim, temos de estar sempre alerta porque às vezes ela adoece, demoramos muito a dar por isso e quando damos conta corremos para o Hospital da Praia”, narra.

Para esta peixeira, muitas vezes o atendimento que recebe no hospital é “fraco e lento”, o que gera medo.

“Quando se tem uma criança como a minha neta, crianças com algumas dificuldades, digamos assim, esse atendimento lento e fraco gera um certo medo. Muitas vezes penso que se podia evitar isso se o atendimento fosse mais rápido”, menciona.

Lilica afirma que se tivesse condições não hesitaria em levar a neta a uma clínica privada, principalmente pelo atendimento.

“Por vezes, a criança sente algo diferente e torna-se necessário fazer uma análise, ou um exame qualquer. Para realizar o exame, no público, leva muito tempo, sem contar que já vi casos em que a pessoa morre e não tem o resultado ou vaga para fazer a análise”, exemplifica.

Para esta peixeira, uma das vantagens das consultas no público tem a ver com o facto de a neta não pagar nada pelas consultas devido ao regime das taxas moderadoras. Aponta ainda como vantagem a pensão que recebe, devido à sua condição, que permite comprar os remédios necessários.

“Mas, há vezes em que nem sequer é necessário pagar pelos remédios. O que, a meu ver, é muito positivo porque ajuda muito aqui em casa”, considera.

Ainda que a neta usufrua desses benefícios, Lilica confessa que há tratamentos que deixou de fazer por falta de dinheiro.

“Por exemplo, deixamos de fazer fisioterapia porque não temos a possibilidade de todas as semanas pagar mil escudos no Centro de Saúde. Além dos mil escudos temos ainda de pagar o transporte, o que dificulta muito”, elucida.

Isto porque o Centro de Saúde mais próximo fica em São Domingos onde, segundo conta, não há o serviço de fisioterapia.

“Por esta razão, tínhamos de pagar o transporte da minha neta, mais um acompanhante para algum centro de saúde da cidade da Praia, ou alguma clínica, o que está fora de cogitação. Para que a minha neta continuasse com a fisioterapia, teria de existir um Centro de Saúde em Praia Baixo com este serviço”, demonstra.

Lilica lamenta a falta de dinheiro que permita à neta prosseguir o tratamento, já que ficou “mais debilitada”, após abandonar a fisioterapia.

“Já não consegue esticar-se. Está sempre deitada. Quando fazia a fisioterapia estava mais pesada, sentia, ao dar o banho, que o corpo dela estava mais firme”, refere.

Economizar para ir ao privado

Em São Domingos falamos com Maria Jesus, de 64 anos, que trabalhava como varredeira. Maria Jesus descobriu que é diabética há cerca de 20 anos. Desde então, a cada três meses tem de se dirigir ao Centro de Saúde para controlar o açúcar e medir a tensão.

Segundo diz, o único custo dos controlos é o da ficha que é 150 escudos, a menos que lhe seja receitado um remédio que compra num preço reduzido devido ao seguro.

“Sempre fui muito bem atendida e não tenho de que me queixar. Todavia, se eu tivesse condições, se o meu vencimento fosse um pouco maior não me importava de fazer uma consulta noutro lugar, com mais opções. Não tendo dinheiro, deixo de fazer muitas consultas que eu sinto que preciso”, ressalta.

Maria Jesus refere que sente muitas complicações de saúde, porém, pelo preço das consultas e dos exames fica limitada ao controlo de açúcar e tensão.

“Penso que controlar apenas esses dois factores é pouca coisa. Tendo em conta a minha doença, devia haver mais análises, mais actos médicos ligados a esse controle. Por exemplo, devia-se fazer análise de sangue periodicamente para saber se a pessoa não tem outra doença”, opina.

Por conseguinte, a varredeira, agora reformada, diz que está a economizar o máximo que pode para fazer uma consulta no privado e realizar as possíveis análises que possam ser requisitadas.

“Vou consultar no privado para saber se não estou com outra doença porque nem tudo é possível fazer no Centro de Saúde. Por exemplo, não há cardiologistas e não tenho como fazer consultas do coração. Os centros de saúde deveriam ter mais opções de consultas para aqueles que não têm condições de ir ao privado”, cita.

Optar pelo grátis

Maria João, dona de casa, vive em Safende. Há cerca de cinco anos teve um Acidente Vascular Cerebral (AVC) e hoje sofre de tensão alta.

Dado a isso, a cada dia 19 do mês, tem de se dirigir ao Centro de Saúde de Ponta d´Água para fazer o controlo.

“Para fazer o controlo não preciso pagar nada, se for para consulta pago 300 escudos, mas este ano não paguei nada As consultas ocorrem a cada seis meses ou uma vez ao ano dependendo se o médico diagnosticar algum problema. Nos controlos medem o açúcar e a tensão”, profere.

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Devido ao AVC, Maria João teve de fazer fisioterapia. Na altura em que teve o acidente, diz, esse serviço no Centro de Saúde ainda era limitado e o marido, que tinha seguro, optou por pagar para o fazer numa clínica privada.

“Sempre fui bem atendida no Centro de Saúde e explicavam tudo muito bem. Mas, ainda assim optamos pela fisioterapia numa clínica. No entanto, passou a ser muito dispendioso e optei por fazer caminhadas. Não pago nada e melhora bastante a minha coordenação motora”, assevera.

Conforme precisa, falou antes com a médica que lhe garantiu que não havia problemas. Maria João ressalta que apesar de nunca ter trabalhado, nunca deixou de fazer os tratamentos que lhe eram prescritos por ser beneficiária do seguro do marido.

DNS diz que o acesso é satisfatório em relação ao que era anos atrás

Ao Expresso das Ilhas, o Director Nacional da Saúde (DNS), Jorge Barreto, afiançou que o acesso à Saúde no país é “bastante satisfatório” tendo em conta a boa cobertura em termos de infraestruturas no território nacional.

“Mais de 80% da população está a cerca de 30 minutos de uma estrutura de Saúde, onde poderá encontrar equipas para a prestação de cuidados de acordo com a sua necessidade. É claro que não conseguimos disponibilizar tudo que a pessoa precisa, mas, a grande maioria das necessidades, em termos de diagnóstico e de tratamento”, salienta.

Actualmente, segundo Barreto, o país começou a evoluir em termos de reabilitação com a disponibilização de materiais e avançando mais em termos de cuidados paliativos.

“Pensamos que o acesso é muito satisfatório em comparação com o que havia, por exemplo, anos atrás. Esse é o desiderato do país. Ter acesso para todos”.

“Sabemos que, infelizmente, ainda não se consegue atender as necessidades de todas as pessoas, mas, eu penso que se está a fazer um trabalho ao longo desses anos todos no sentido de melhorar as condições de acessibilidade e o acesso à saúde para que, de facto, todas as pessoas possam ter essa possibilidade e terem a sua saúde melhorada de acordo com as suas necessidades”, admitiu.

Para melhorar o que hoje existe, o Director Nacional da Saúde lembra que existe um plano em relação à construção de infraestruturas novas, remodelação de infraestruturas que já existem, disponibilização de novos medicamentos e actualização da lista nacional de medicamentos.

“Enfim, uma série de intervenções e de actividades que são feitas, que são implementadas, precisamente para melhorar o acesso à Saúde. Nós temos a lei que foi publicada no ano passado em relação à isenção de taxas. São ferramentas que acabam por contribuir para melhorar o acesso à Saúde”, acrescenta.

É nesse sentido, prossegue, que o Estado de Cabo Verde tem estado a trabalhar ao longo desses anos.

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No início de 2021, entrou em vigor o diploma que estabelece o regime das taxas moderadoras devidas pela prestação de cuidados de Saúde, no Serviço Nacional de Saúde.

O documento revoga a parte referente à tabela das taxas moderadoras prevista no decreto-lei nº 10/2007, de 20 de Março, alterada pelo decreto-lei nº 7/2007, de 10 de Dezembro.

As taxas moderadoras devem ser pagas previamente à realização das prestações de saúde, no momento da elaboração da ficha pela entidade que as realize, excepto em caso de situação de impossibilidade do utente resultante do seu estado de saúde ou da falta de meios próprios de pagamento.

A falta de pagamento das taxas moderadoras implica a sua cobrança coerciva, nos termos do Código Geral Tributário e do Código das Execuções Tributárias, segundo a mesma fonte.

Todavia, algumas classes sociais estão isentas do pagamento dessas taxas, desde que apresentem documentos comprovativos, como cartão de inscrição no Cadastro Social Único válido, caderno de infância, caderno da mulher, caso for grávida, e atestados de incapacidade, quando se trata de utente com incapacidade igual ou superior a 60% ou utentes portadores de deficiência, física ou motora.

Assim como os portadores do cartão de doador, no caso de ser doador benévolo de sangue e ainda aqueles que apresentarem documento comprovativo ou cartão de identificação de Combatente da Liberdade da Pátria.

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O Dia Mundial da Saúde deste ano, 7 de Abril, tem este ano como lema “Nosso planeta, nossa saúde” visando concentrar a atenção global em acções urgentes e necessárias para manter os seres humanos e o planeta saudáveis e promover um movimento para criar sociedades focalizadas no bem-estar.

Segundo os dados divulgados pela OMS no passado dia 4 de Abril, quase toda a população do mundo (99%) respira ar que excede os limites de qualidade recomendados.

Um número recorde de mais de 6 mil cidades em 117 países controlam a qualidade do ar, mas as pessoas que vivem nelas ainda respiram níveis insalubres de material particulado fino e dióxido de nitrogénio, com pessoas em países de baixa e média renda sofrendo as maiores exposições. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1062 de 6 de Abril de 2022.

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Autoria:Sheilla Ribeiro,10 abr 2022 12:44

Editado porSheilla Ribeiro  em  24 dez 2022 23:27

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