Nova reitoria é uma “nova largada” para a UTA

PorNuno Andrade Ferreira,5 jun 2022 9:05

Órgãos de gestão por efectivar, unidades orgânicas por abrir, cursos por acreditar. Em quase dois anos, o processo de instalação da Universidade Técnica do Atlântico (UTA) avançou pouco ou nada, o que levou o governo a substituir a equipa reitoral. João do Monte Duarte, nomeado vice-reitor em 2020, esvaziado de competências pouco depois, assume agora a missão de concretizar o projecto da segunda universidade pública do país. Em entrevista conjunta ao Expresso das Ilhas e Rádio Morabeza, o novo reitor define metas e elenca ambições.

Em que ponto encontrou o processo de implementação da UTA?

A UTA encontra-se em regime de instalação. Quando as universidades se encontram neste regime, isso é caracterizado por dois pontos fundamentais: a equipa reitoral pode ser nomeada e exonerada pelo Conselho de Ministros e o trabalho a ser desenvolvido baseia-se no cumprimento de uma carta de missão, acordada com a tutela.

No fundo, uma fase em que é necessário criar os órgãos e instrumentos de gestão da universidade…

São pontos que constam da nossa carta de missão e aos quais vamos dar o devido seguimento e atenção. Podemos destacar a entrada em funcionamento dos órgãos de gestão colegial da universidade, com destaque para o Conselho Geral, que é o órgão máximo de gestão e estratégia da universidade e que tem uma série de funções importantes.

Este órgão já está em funcionamento?

É um órgão que, infelizmente, não está em funcionamento. Era um dos pontos principais que se tinha de implementar desde a tomada de posse da primeira equipa reitoral da UTA. Não chegou a entrar em funcionamento, o que condicionou bastante o trabalho, tendo em conta que todos os dispositivos legais ficaram no domínio provisório, porque exigem a homologação pelo Conselho Geral. Temos como máxima prioridade a instalação do Conselho Geral, mas também dos outros órgãos de gestão colegial. Já nomeámos o Conselho de Gestão. É para nós de extrema importância que todos os conselhos estejam em funcionamento.

Foi anunciada a abertura de novas unidades orgânicas e sei que esteve nos últimos dias em Santo Antão. A meta de abrir a unidade de Santo Antão em Outubro é exequível?

Esse é o nosso objectivo. É um processo desafiador, mas achamos que não podemos esperar mais, em particular no caso do Instituto de Ciências e Tecnologias Agrárias, com sede em Santo Antão. Perspectivamos que a parte lectiva comece no início do próximo ano lectivo, em Outubro. Temos estado a trabalhar com muito afinco para completar todos os processos. Como os cursos ainda não estão acreditados, não podemos anunciá-los publicamente. Temos duas propostas, Engenharia Agronómica e Engenharia Zootécnica. São cursos de licenciatura. Já fizemos saber à ARES [Agência Reguladora do Ensino Superior] da nossa intenção de abrir estes dois cursos e estamos a ultimar o dossier, que pensamos submeter até final de Maio. Dentro desse processo, também temos a própria certificação da unidade orgânica. Teremos que ter uma auditoria da própria ARES, que visitará as infra-estruturas que vamos ter à disposição, para garantir que existem condições para que os cursos funcionem. No âmbito da nossa visita a Santo Antão, reunimos com as autoridades locais dos três municípios e identificámos possíveis espaços que poderão albergar tanto a sede administrativa, como o local da componente lectiva, laboratórios, possivelmente a biblioteca, auditórios, etc. Estamos bastante satisfeitos com aquilo que vimos. Todos os municípios disponibilizaram infra-estruturas que, a nosso ver, podem servir para este início.

Ainda não há uma decisão sobre a localização exacta?

Não há uma decisão tomada. Convém salientar que estamos a falar de uma sede provisória, porque a ideia é ter um campus próprio.

Estas diligências estão agora a iniciar ou já havia trabalho feito?

Tinha havido a manifestação de interesse em abrir os cursos. Todo o dossier está agora a ser ultimado e preparado, para ser submetido.

Em relação ao Sal, a meta é 2023.

Em relação ao Sal, perspectivamos começar a trabalhar com mais afinco a partir de Outubro, assim que começar o próximo ano lectivo, quando forem debelados todos os pontos e limadas as arestas em Santo Antão. Sobre a instalação do Instituto da Aeronáutica e Indústria Turística, ainda não há nada feito, a não ser a disponibilização do espaço onde funcionava o antigo Hotel Atlântico. É um espaço que necessitará de obras significativas. Há um princípio de acordo com o Ministério do Turismo, no sentido de financiar a recuperação do espaço e a sua adaptação para funcionar como estabelecimento de ensino. Para trabalhar os processos dos cursos que vão ser oferecidos e até parcerias internacionais, pensamos começar a trabalhar em Outubro e tentar chegar ao início do próximo ano civil com propostas claras, para passarmos à parte da acreditação. O ideal seria, em Abril, termos definida e acreditada a oferta formativa.

Em relação ao ISECMAR, é uma instituição consolidada, com grande história no ensino superior. O que é que a reitoria tem em mente, tanto em termos de infraestruturas, como na oferta educativa?

O ISECMAR é uma unidade orgânica de referência, uma instituição muito forte e estável, mas que necessita de bastante investimento, tanto a nível da oferta formativa, quanto das infra-estruturas. Na oferta formativa, perspectivamos aumentar a nível de licenciatura, mestrado e doutoramento, com pelo menos um doutoramento, mas também a nível dos cursos superiores profissionalizantes. Quanto à infra-estrutura, parte das nossas instalações está obsoleta e necessita de investimento. Estamos a perspectivar para muito em breve o início de obras de remodelação do edifício B, no âmbito do protocolo com o programa WASCAL. Outra infra-estrutura que tínhamos no passado era a residência estudantil. Como é do conhecimento público, esse espaço foi cedido ao governo para edificação do data center do Mindelo. Na altura, houve um acordo assinado, em que o governo se comprometia em apoiar o ISECMAR a encontrar alternativas para instalação da residência. É um dossier que, infelizmente, ficou parado desde a tomada de posse da reitoria anterior, mas que tencionamos reactivar muito brevemente, no sentido de termos este equipamento, que é de capital importância para o desenvolvimento da universidade. Também perspectivamos a remodelação do edifício que conhecemos como o A1, mas isto ainda é apenas intenção. Vamos desenvolver o projecto e sair à procura de financiamento. A situação financeira da UTA e das instituições de ensino superior no país, de forma geral, não permite fazer grandes investimentos e temos que ver quais são as parcerias mais adequadas para o ISECMAR. A ideia é a UTA ter um campus universitário próprio, com sede em São Vicente. Vemos a UTA, para além da parte lectiva, como um grande centro de investigação e prestação de serviços. Para isso, precisamos de um espaço adequado. Há um compromisso verbal do governo de, assim como foi feito com a Universidade de Cabo Verde, que hoje tem um grande campus, termos algo similar, adequado às especificidades da UTA, sem prejuízo dessa dispersão geográfica que sempre existirá.

Em que ponto está o dossier das transições e promoções dos quadros da universidade?

Este é outro dos dossiers que temos em mãos. Vamos abordá-lo com total abertura e pedagogia. Em 2009, quando se processou a entrada do ISECMAR na Uni-CV, foram resolvidas as pendencias existentes na altura. Desde então, não houve qualquer resolução de pendências. Uma das razões que levou os docentes e não docentes da UTA a ver o projecto da nova universidade como interessante prende-se com um compromisso verbal em como, do mesmo modo que as pendências foram resolvidas na transição para a Uni-CV, elas seriam resolvidas na transição para a UTA. Isto acabou por demorar muito e houve uma greve (desde 1984, foi a segunda vez que a instituição foi à greve). No seguimento, foi publicada a lista de transição. Existiram uma série de reclamações e a lista definitiva não foi publicada. Pelos dossiers que encontrei, as reclamações foram todas indeferidas. O nosso trabalho passa por voltar a analisar as reclamações, que já começaram a ser submetidas à nova equipa reitoral, publicar a lista e mobilizar os recursos no menor prazo possível. Estamos a falar de um impacto de aproximadamente 11 mil contos por ano e, neste momento, a verba não está prevista no orçamento em execução. Temos que trabalhar para ver como fazer.

Parece-lhe possível resolver as pendências ainda neste ano civil?

É o nosso objectivo. Colocando como meta, se calhar, o início do próximo ano lectivo. É um assunto que ainda não discutimos com a comunidade académica, mas a nossa postura vai ser de discussão e de ouvir a comunidade. Ainda não marcámos uma reunião com a comunidade académica, mas vamos fazê-lo brevemente. Vamos discutir estes assuntos e mostrar a real situação do ISECMAR, que também tem uma dívida de gestão bastante avultada. Para além de resolver o problema das pendências, temos que procurar formas de resolver o problema do défice de funcionamento do ISECMAR. São pontos fundamentais.

Estou a ouvi-lo sobre as pendências, há pouco referiu-se às unidades orgânicas e aos órgãos da universidade e fico com a ideia que está tudo bastante atrasado na instalação da UTA.

É verdade que está tudo bastante atrasado e essa é a principal justificação que o governo apresentou para exonerar a equipa reitoral anterior e nomear uma nova. Já ouvi na comunicação social várias opiniões sobre como funcionou a equipa reitoral anterior, mas na verdade falam de fora, não estão por dentro e não sabem bem aquilo que realmente se passou.

O João do Monte Duarte era vice-reitor na equipa anterior e saiu poucos meses depois da tomada de posse.

Tendo em conta que a resolução que exonerou a equipa reitoral anterior, incluindo-me a mim, foi publicada há pouco tempo, muitas pessoas pensam que, durante todo este tempo, eu estava na equipa, o que efectivamente não é verdade. Assim que tomámos posse, em Agosto de 2020, a magnífica reitora fez uma missão ao estrangeiro. Na sua volta, fizemos uma reunião onde houve distribuição de pastas. No meu caso, fiquei com as pastas de ensino, qualidade e tecnologias, a pró-reitora tinha três pastas ligadas à parte administrativa e financeira e a reitora acumulava as restantes áreas. Acontece que, quando saiu o despacho de distribuição de pelouros, só recebi uma pasta, a de tecnologia, e a pró-reitora também só recebeu uma pasta. Ficámos estupefactos e a justificação da reitora foi que “pensou melhor” e que se o governo a foi buscar fora, era para fazer diferente daquilo que fazíamos e que contava com outras pessoas, dos seus contactos pessoais, que ia trazer de fora, para ajudá-la a gerir a instituição. Mesmo assim, aceitei. Estávamos a falar da superior hierárquica, como a própria enfatizava. Aceitei e preparei o plano de actividades para a pasta que me foi designada. Submeti uma versão draft para apreciação, à qual não obtive resposta. Ao questionar a reitora, recebi um despacho a retirar-me essa única pasta, porque ela ia contar com pessoas que vinham de fora e que tinham mais experiência, etc. Nesse sentido, não houve realmente uma discussão. Ao ficar sem responsabilidades na reitoria, pedi verbalmente para regressar ao ISECMAR e retomar as minhas actividades lectivas e de investigação, o que foi aceite. Estamos a falar do fim de Novembro [de 2020]. Em Dezembro, já estava no ISECMAR e a universidade atribuiu-me a carga lectiva igual a qualquer outro docente com o meu grau de formação. Durante todo este tempo, estive a trabalhar como docente e investigador. Quando regressei ao ISECMAR, e como estamos em regime de instalação, falei com o senhor ministro sobre a minha intenção de pedir a exoneração. O senhor ministro pediu-me que esperasse, porque iria tentar trabalhar com a reitora, para que a equipa funcionasse. Como a situação não se resolveu, no final de Fevereiro, com um novo semestre a começar, submeti a carta com o pedido de exoneração. Durante esse período, esporadicamente, fui chamado a algumas reuniões, na tentativa [da reitora] de conseguir quórum nalguma decisão que não queria tomar sozinha. Convém salientar quenão foi só o vice-reitor que pediu a exoneração. O administrador-geral, que tinha sido nomeado pela própria reitora, e a pró-reitora também pediram exoneração. O primeiro presidente do ISECMAR nomeado pela reitora pediu exoneração. A directora de gabinete e o assessor jurídico também saíram. Houve um grande problema com a directora do mestrado do programa WASCAL, que até acabou em processo disciplinar.

Regressando à minha questão, está tudo bastante atrasado...

Está bastante atrasado, mas não vamos usar o nosso tempo para pensar nisso. Vamos trabalhar. Partimos como se fosse uma nova largada para a UTA.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1070 de 1 de Junho de 2022. 

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Autoria:Nuno Andrade Ferreira,5 jun 2022 9:05

Editado porAntónio Monteiro  em  19 fev 2023 23:27

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