Segundo um analista, S. Nicolau é, neste momento, a ilha mais periférica de Cabo Verde, não obstante a sua localização na parte mais central do arquipélago. Concorda?
Eu diria que sim, embora dependa do contexto que se está a utilizar. Eu diria que é a ilha mais isolada do país no que respeita às ligações, os transportes, que são as dificuldades que temos em movimentar de uma ilha para outra, de entrar e sair de S. Nicolau. Quando não existem estas condições básicas e essenciais para que o processo de desenvolvimento possa acontecer torna-se um problema. É claro que a ilha do ponto de vista económico, cultural e social acaba por ser subjugada à preferia. Mas acho que as condições poderão ser criadas e melhoradas para o processo de desenvolvimento de S. Nicolau e da Ribeira Brava muito em particular. Até porque, do ponto de vista económico, turístico e religioso, S. Nicolau já foi a segunda ilha do país, depois de Santiago, neste caso da Praia. Não vou nem entrar na parte histórica da cultura e religião da ilha, mas se vê que os sãonicolaenses têm capacidades em vários domínios, por exemplo, na gestão dos transportes. Nos tempos áureos da nossa transportadora aérea, a TACV foi dirigida por um sãonicolaense, o João Higino Silva. Isso demonstra claramente que alguma coisa tem falhado. Os sucessivos governos de Cabo Verde não têm sido nada solidários com S. Nicolau. Neste aspecto, temos chamado a atenção e temos comunicado de forma oficial ao governo, ao primeiro-ministro. Acredito que há vontade do governo em resolver esse problema, mas as crises actuais dificultam a resolução deste problema. É certo, mas é uma questão que tem que ser resolvida com a máxima urgência porque senão acaba por acentuar ainda mais o retrocesso da ilha em relação aos outros centros urbanos do país, nomeadamente Praia, S. Vicente e Sal. Mesmo em relação a Santo Antão que já começa a mostrar algum desenvolvimento. A dinâmica de desenvolvimento que Santo Antão vem ganhando só vem da boa ligação que Santo Antão tem com S. Vicente que se torna um ponto estratégico para o desenvolvimento de Santo Antão, pois S. Vicente acaba por ser o destino final da capacidade nata dessa ilha para a produção sobretudo agrícola e mesmo a nível da pesca para que haja desenvolvimento. Por isso eu defendo que com uma ligação diária entre S. Vicente e S. Nicolau entraríamos também nesse patamar de desenvolvimento. Isto é uma análise comparativa. É claro que, no contexto em que estamos, as ligações têm que ser subsidiadas, mas temos que ultrapassar estas fases com projectos estruturantes para que possamos vir a ter o desenvolvimento desejado.
O presidente da CM do Tarrafal propôs no mês de Julho um plano ao governo e à CV Interilhas para que S. Nicolau pudesse ter ligação marítima diária com S. Vicente. Como reagiu o Governo e a CV Interilhas à proposta?
Para além da regularidade dos transportes, o que tem falhado é a sua previsibilidade. Porque a empresa [CV Interilhas] diz que são as autoridades, o IMP, a Direcção Nacional de Política Marítima que não dão autorização para ter os calendários para que a gente possa programar a sua vida. Porque, se hoje em dia, três meses é um período curto para quem programe as suas actividades, imagine agora, se em finais do mês, não sabe se há transportes no dia seguinte do outro mês. Quer dizer, alguma coisa está a falhar aqui. Pergunto, o que é que passa na cabeça dessa gente? Entrou uma outra companhas, a Polaris. Por que não foi licenciada para ligar S. Nicolau e S. Vicente? Foi para outra ilha. Então, estamos a ver claramente que as outras ilhas estão a ganhar protagonismo em relação a S. Nicolau. Por exemplo, para a ilha do Maio há ligações todos os dias, ou quase todos os dias, e S. Nicolau que tem o triplo da população do Maio fica nesta situação. Peço desculpas por estar a fazer a comparação. Mesmo na Brava temos navios que passam regularmente e S. Nicolau fica isolado. Como podemos andar assim num país? Eu penso que isso é um direito constitucional: a liberdade de circulação. Sem falar dos prejuízos do ponto de vista económico e da vida das pessoas: estamos a perder população. Mas isto é uma situação que vem de longa data.
Na transferência de fundos públicos, S. Nicolau era alinhada com ilhas com um terço da sua população e de menor dimensão territorial. Como está a situação neste momento?
Bom, aquilo que está previsto para 2023, em termos de Índice de Coesão Territorial, prevê-se um aumento daquilo que são as transferências do Fundo de Financiamento Municipal. É certo que havia um valor estipulado para a descriminação positiva, mas perdemos esse bónus que tínhamos e agora com as novas estratégias e do princípio de subsidiariedade e outros aspectos que estão a ser tratados poderemos vir a ter uma compensação ao nível da coesão territorial. A impressão que as pessoas têm é que S. Nicoalu é uma ilha muito pequena, reduzida. S. Nicolau tem tudo para dar certo, se considerarmos suas potencialidades e o desenvolvimento que no passado atingiu. É uma questão de apostarmos durante um período de tempo e criar-se-á as condições para atrair os investidores. Temos estrangeiros que estão interessados em investir em S. Nicolau. Quando vêm a S. Nicolau ficam encantados com a ilha. Estamos a falar do turismo de natureza, do agroturismo, do turismo de montanha, ou como se queira chamar. De modo que não podemos estar a falar de falta de oportunidades que possam aparecer para se desenvolver. É uma capacidade perdida. Uma ilha agrícola com o clima mais ameno do país, em que se pode produzir quase tudo.
Foi apresentado recentemente o Plano de Descentralização. O que espera deste Plano?
O ministério da Coesão Territorial está a fazer um grande trabalho neste sentido e penso que há a necessidade de sermos mais céleres na tomada de decisões, mas também na mobilização de recursos para resolver problemas sobretudo os que exigem maior imediatismo. Nesta lógica também a descentralização de serviços para se ter autonomia na tomada de decisões é muito importante. Isto porque o Poder Local é o que está mais próximo das populações. E onde não há organismos ou serviços que possam dar respostas às necessidades da população, acabam por se dirigir à Câmara Municipal. É claro que sabemos os custos que têm a ver com a descentralização, mas as propostas podem ser satisfatórias, não obstante alguém poder ter uma visão diferente do Poder Central. Acho que nós temos uma ideia errada da descentralização. Eu costumo dar o exemplo da Electra Norte, Electra Sul. Eu penso que funcionando assim com alguma autonomia e não no âmbito das políticas que devem ser do todo nacional, as decisões devem ser cada vez mais locais e mais regionais. Fiz referência à questão da Electra Norte, Electra Sul, e pergunto: no caso de uma Direcção Geral da Agricultura para todo o país, estou a falar de 22 municípios, em que muitas vezes a Direcção Geral tem dificuldades em dar resposta. Portanto, pergunto: por que não uma Direcção Regional Norte e uma Direcção Regional Sul? Eu penso que resolveria o peso dos projectos, processos e programas sobre um director geral. É nesta lógica também que podemos ver estas medidas mediante aquilo que são as potencialidades das ilhas, as similaridades e as complementaridades que possam existir, caso da ilha do Sal que tem fortes ligações culturais, tradicionais e familiares com S. Nicoalu e que está voltada para um turismo diferente e nós poderemos ser uma complementaridade, tanto para um turismo alternativo, mas também a nível da produção para o abastecimento do mercado do Sal. Eu penso que isso será algo viável, e acredito que a visão do governo passa também por aí, ou a minha visão pode ser uma contribuição naquilo que se quer defender.
Quais os principais projectos da CMRB para os próximos tempos?
Os projectos que temos em carteira estão espelhados no Plano de Actividades que agora, no início de Dezembro, à Assembleia Municipal para aprovação. Estamos a falar da requalificação urbana do Centro Histórico da Ribeira Brava, sobretudo a substituição do pavimento. Estamos a falar também da construção do campo relvado de Juncalinho e a requalificação urbana de Queimada, para além do projecto para 2023 do Mercado de Fajã. No final desta semana inauguremos uma Piscina Municipal, na cidade, uma pequena infraestrutura à volta dos 3.500 contos, mas de extrema importância para a autoestima e confiança dos ribeirabravenses, sobretudo no domínio da natação e a sua relação com o mar, porque aquilo que no passado era óbvio, hoje as pessoas não sabem nadar: as crianças não sabem nadar. Acho que é um grande ganho a reabilitação do tanque de Ribeirinha e colocá-lo à disposição das pessoas para o ensino da natação, tanto para crianças como para adultos. Podia falar também do Polidesportivo em Maiamona que foi inaugurado no mês de Julho, um projecto que transitou do mandato anterior, é claro com base num empréstimo de cinquenta mil contos e nós mobilizamos mais 34 mil contos com o apoio do governo. Eu penso que resolvendo o problema dos transportes tanto aéreo como marítimo, S. Nicolau e Ribeira Brava em particular têm um grande contributo a dar para o desenvolvimento deste país.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1096 de 30 de Novembro de 2022.