O que destacaria, neste balanço de 2022, com foco na área da sua especialidade?
Cabo Verde enfrentou recentemente grandes desafios no seu processo de desenvolvimento, mas registou uma nítida dinámica de retoma do desempenho macroeconómico no ano de 2022. Não obstante a recessão económica provocada pela persistência da seca e a pademia da COVID-19, a confiança dos consumidores e empresas foram severamente abaladas pela incerteza (aumento dos preços e desemprego) que por sua vez, foi agravada com a guerra na Ucrânia. O aumento do preço dos alimentos de forma mais específica e a inflação de forma generalizada, assim como a expectativa negativa dos consumidores e empresas podem ser destacadas como factos mais preocupantes do ano e que devem continuar a assombrar a economia nacional durante o ano de 2023. O agravamento da COVID-19 na China traz grande preocupação em função das medidas de contenção que a China irá adotar e que, pela experiência do ano de 2020 e 2021, a quebra na cadeia de suprimentos mundial é deveras preocupante para todo o mundo, especialmente para os países periféricos.
A perda de poder de compra causada pela inflação sem dúvida trará grandes preocupações para os decisores e politicas públicas mais eficazes serão necessárias para contrariar as expectativas negativas dos agentes económicos e garantir a necessária dinámica do crescimento económico do país.
A pandemia veio lembrar a vulnerabilidade externa do país e alertar para a necesidade de diversificar a economia não somente em termos de mais investimentos nos sectores primários (agricultura e pesca) e secundários (indústria) mas também, diversificar as exportações tanto em termos de produtos e serviços como em termos de clientes como forma de minimizar a vulnerabilidade económica do país.
Passos tímidos, mas promissores foram dados em termos de aumento do salário mínimo e que efectivamente terão impactos possitivos no crescimento económico em função do efeito multiplicador pois, são gastos que têm um grande impacto na economia por aumentar o consumo e melhorar a expectativa dos empresários. No início o aumento do salário mínimo implica em custos para as empresas, mas que será compensado com o aumento no consumo das famílias e, por este motivo, melhora as vendas, aumenta as expectativas e incentiva mais investimentos por parte das empresas.
Políticas públicas mais efetivas serão necessárias para acelerar o processo de acumulação de capital desejável para realizar a grande ambição de crescimento adotada pelo governo. A redução do défice na conta corrente da balança de pagamentos e a diversificação da economia (aumentar o valor agregado da indústria e sector primário) vai requer reanalisar a taxa de cambio nacional. O país tem perseguido a taxa de câmbio nominal e se descurado do seu valor real que por sua vez esta associada à competitividade nacional. Embora não se possa especular sobre o valor ideal da taxa de câmbio do país, apenas analisando os sintomas (défice persistente na conta corrente e dificuldades na diversificação da economia) pode-se inferir sobre a necessidade de se analisar a taxa de câmbio real no sentido de se corrigir eventual valorização intertemporal da moeda nacional. Caso houver valorização do escudo (muito provável) o reajuste da taxa de câmbio será imprescindível para a retoma do crescimento e especialmente para a diversificação da economia porque a valorização da moeda nacional apresenta um grande desafio (perda de competitividade) para a sustentabilidade da indústria nacional. O processo de acumulação de capital vai exigir a adoção efetiva do imposto patrimonial no país. Infelizmente os assuntos da política tributária têm sido dominados pelos aspectos jurídicos e facilidade de arrecadação dando pouca atenção aos efeitos de “incentivos” associados ao imposto patrimonial na acumulação de capital (maior racionalidade na afectação dos recursos). A sustentabilidade do crescimento e desenvolvimento económico requer a implementação de um ecossistema favorável ao surgimento de um processo dinámico de acumulação de capital, isto é, de tranformar os recursos naturais em capital natural (economia azul para tirar efetivo aproveitamento do mar), em transformar os recursos humanos em capital humano (inovação, criatividade e empreendedorismo) assim como investimentos no capital físico (infraestruturas) e capital social (confiança, segurança, participação e empreendimentos coletivos).
Que perspectivas para 2023?
O cenário que se configura em função dos desafios macroeconómicos que o país terá de enfrentar em 2023 vai implicar um sacrifício nacional. É um preço que a população e o governo terão que pagar para a manutenção do emprego e rendimento para as famílias e empresas e sustentar o processo de desenvolvimento económico. A elevada dívida do país, o défice nas contas públicas e o défice nas contas externas, sem dúvida, terão de ser contrariados. Na ausência de recursos externos (remessas, ajudas, exportação e Investimento Direto Externo) o governo terá de dinamizar os recursos internos através da maior racionalidade (não implica necessáriamente em cortes) nos gastos públicos e arrecadação de impostos para enfrentar o cenário de recessão económica.
Neste contexto, os impostos patrimoniais parecem ser instrumentos adequados para diversificar a base tributária do país sem agravar os indicadores macroeconómicos, pois é o imposto mais “amigo” do crescimento económico e está diretamente associado aos incentivos adequados ao processo de acumulação de capital necessário e imprescindível para o crescimento económico.
O gasto público será um instrumento de políticas públicas de grande relevância para enfrentar os desafios que se avizinham no ano de 2023. A “qualidade” dos gastos deve ser analisada no sentido de se garantir maior efeito multiplicador do emprego possível. Postergar gastos que não estejam diretamente associados ao emprego e rendimento nacional e dar maior atenção aos gastos essenciais em termos de infraestruturas críticas para sustentar o crescimento e gastos que impactam os orçamentos das empresas e familias.
O ano de 2023 vai exigir muita criatividade em termos de políticas económicas, vai exigir maior praticidade e menos pendor ideológico na identificação e implementação de políticas públicas adequadas para se superar os desafios concretos que o país terá que enfrentar especialmente associados à perda de poder de compra devido à inflação, ao desemprego e à recessão económica devido ao cenário de incertezas causado pela guerra e o agravamento da COVID-19 na China.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1100 de 28 de Dezembro de 2022.