Casos de alunas grávidas preocupam direcções de escolas secundárias no interior de Santiago

PorSheilla Ribeiro,11 fev 2023 8:34

Apesar das várias campanhas de sensibilização, os casos de alunas grávidas continuam a ser uma preocupação para os responsáveis de estabelecimentos de ensino. Na Escola Secundária Alfredo da Cruz Silva (ESACS), em Santa Cruz, por exemplo, há neste momento 13 alunas grávidas e 36 que já são mães. No concelho de Santa Catarina, pelo menos 10 alunas já são mães e três estão grávidas. Tudo se torna ainda mais preocupante quando a grande maioria foi engravidada por homens mais velhos que se encontram em situação de vulnerabilidade.

“Neste momento temos 13 alunas grávidas e cerca de 36 que já são mães. 80% dessas alunas são do 11º e 12º ano, com idades entre os 17 e 21 anos”, diz ao Expresso das Ilhas, Moisés Tavares, director da ESACS, reconhecendo que este número, ainda que preocupante, consegue ser menos alarmante em relação aos anos anteriores, tendo em conta o histórico do Liceu.

No ano lectivo passado, a ESACS registou 17 alunas grávidas, mas já houve anos com registo de 20 e 30 grávidas.

Escola aposta na prevenção

Moisés Tavares avança que a gravidez das alunas resulta do envolvimento destas com terceiros nas comunidades, mas que já houve caso de abuso sexual que a escola denunciou e entregou às autoridades competentes que avançaram com o processo.

“Neste caso, especificamente, a aluna manifestou alguns comportamentos que criou alguma suspeição. Um professor que trabalha com o Gabinete de Orientação e Acompanhamento conseguiu, na conversa com a aluna, saber do ocorrido. O caso foi entregue ao Ministério Público, para evitar até que os professores ficassem expostos a riscos”, narra.

Questionado sobre a possibilidade de outras gravidezes serem fruto de abuso sexual, nas suas mais diversas formas, Tavares admite que a escola não tem registo de tais informações, mas que trabalha muito na prevenção, quer dos abusos, quer de uma gravidez precoce.

Aliás, no que toca à prevenção da gravidez precoce, o director da ESACS declara que gostaria que a Delegacia de Saúde de Santa Cruz estivesse mais próxima do único Liceu que alberga todos os adolescentes na fase escolar do concelho.

Conforme justifica, a Delegacia de Saúde tem um serviço de apoio ao adolescente que poderia estar na escola com um profissional da área, tendo em conta que os estudantes se sentem mais à vontade no recinto escolar.

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Com um gabinete da Delegacia de Saúde no Liceu, Moisés Tavares acredita que poderiam ser evitados muitos casos de gravidez precoce. “A nossa juventude tem receio em procurar as instituições de Saúde para prevenção da gravidez, procuram depois de já estarem grávidas”, acredita.

O director da ESACS garante que a escola tem feito o seu papel e, a título de exemplo, refere a abertura, no ano passado, de uma sala ambulatória. Nesta sala, prossegue, os técnicos abordam a gravidez precoce, sexualidade e outros temas considerados tabu. Isto, sem contar com o apoio do Instituto Cabo-verdiano para a Igualdade e Equidade do Género (ICIEG).

Santa Catarina com apenas três casos

Por seu turno, o delegado da Educação de Santa Catarina de Santiago, Manuel Rosário, afirma que em todo o concelho há pelo menos 10 alunas que recentemente foram mães e que, entretanto, já regressaram às aulas.

Mas que, até agora, há três casos de alunas grávidas em diferentes escolas, admitindo a hipótese de poderem estar mais que ainda não se declararam. Até agora, este é o menor número de grávidas registado no concelho durante um ano lectivo, mas geralmente aparecem mais entre os meses de Março e Abril.

Manuel Rosário ressalta que, apesar de não se manifestar fisicamente nos rapazes, a gravidez também afecta os rapazes estudantes, embora sejam poucos os casos.

“São poucos os rapazes que declaram estar a viver uma gravidez. Os poucos que declaram são aqueles alunos, normalmente responsáveis, que começam a faltar muito às aulas e que quando lhe chamamos à atenção, admitem que as namoradas estão grávidas e que têm de trabalhar para cuidar delas e dos filhos”, explana.

Nestes casos, o delegado informa que as escolas aconselham os alunos como devem actuar de modo a não faltarem às aulas e, juntamente com algumas associações estrangeiras e nacionais parceiras, apoiam os mesmos, com géneros alimentícios e roupas. Se a escola tiver trabalho remunerado pontual, prioriza os alunos que se mostrarem disponíveis.

Vulneráveis e de localidades dispersas

Na ESASC, segundo Moisés Tavares, normalmente as alunas grávidas são aquelas com mais vulnerabilidades económicas e que vivem nas zonas mais dispersas do concelho.

“São provavelmente alunas que têm alguma situação difícil e que podem ser mais fáceis de cair nesta situação e são de lugares dispersos do concelho como Chã da Silva, Santa Cruz, Cutelinho e Salina. Zonas onde o grau de dificuldades é maior”, alega.

Já o delegado de Santa Catarina indica que a maior parte das alunas grávidas vivem nas localidades mais afastadas, descendentes de famílias monoparentais e, por vezes, conflituosas.

“Também são alunas cujos pais têm escolaridade baixa. Quando os pais têm escolaridade baixa é fácil os alunos convencê-los a permitir-lhes sair à noite com a desculpa de fazer trabalhos de grupo, quando não se trata de trabalhos de grupo, actividades que não são actividades da escola”, acredita.

Ainda segundo Manuel Rosário, na maioria dos casos, os companheiros dessas alunas são muito mais velhos e também com um nível de escolaridade baixo. “São poucos os casos de uma aluna grávida de um colega de escola e são raros os casos em que esses companheiros tenham o 9º ano de escolaridade”, descreve.

Os últimos dados oficiais sobre a saúde sexual e reprodutiva em Cabo Verde são de 2018. O referido inquérito realça que, nas mulheres entre 25 e os 49 anos, a idade mediana nas primeiras relações sexuais é influenciada pelo nível de bem-estar económico dos agregados onde vivem.

Isto quer dizer que, segundo o estudo, nas mulheres do quintil mais baixo, as relações sexuais são mais precoces, com uma idade mediana de 16,9 anos, opondo o quintil mais alto, onde as primeiras relações sexuais acontecem mais tardiamente (idade mediana de 17,8 anos).

Em contrapartida, nos homens, constatou-se que as variações segundo o nível de bem-estar económico são pouco notáveis.

Para o sociólogo Adilson Semedo, essas tendências correlacionam de forma directa a questão da gravidez precoce com a vulnerabilidade económica.

“Entretanto, não entendemos que isso ocorra de forma casual e linear. É preciso equacionar que a vulnerabilidade económica exponencial é também exponenciada pelas vulnerabilidades socioculturais, contingências essas que interligam no IDSR-III-2018 o início mais precoce da vida sexual às condições económicas de nível mais baixo e ao nível de instrução mais baixo”, analisa.

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Criada em 2008, a Casa de Acolhimento Manuela Irgher (CMI), um projecto da Fundação Padre Ottavio Fasano, está localizada em Achada Fátima, Cidade de Pedra Badejo, e visa acolher por um período de 10 meses, em regime de internamento, jovens mães solteiras em situação de vulnerabilidade acompanhadas dos seus respectivos filhos menores até um número de três.

A Casa tem capacidade para receber um núcleo – mãe e filhos – de cinco. Para além dos núcleos internos, a Casa recebe algumas mães durante o dia.

Em 2021, a CMI passou a acolher alguns casos de abuso sexual de menores e hoje é requisitada pelo Instituto Cabo-verdiano da Criança e do Adolescente (ICCA) e pelo Ministério Público, uma vez que o país não tem como responder a tais situações.

Ao Expresso das Ilhas a gestora da CMI, Cristina Melo, disse que neste momento a Casa está maioritariamente com menores vítimas de abuso sexual, algumas grávidas, outras que não engravidaram, mas que foram abusadas no seio da família. Portanto, não podem estar com a família.

Cristina Melo frisa que o primeiro apoio da CMI a essas jovens é a questão do desenvolvimento pessoal, sejam elas mães menores de idade, sejam maiores. A primeira regra é a continuidade dos estudos.

“Às adolescentes que abandonaram as escolas, o primeiro passo é sempre a reintegração no contexto escolar. Aquelas que já não têm idade, ou que o sistema educativo actual não permite que regressem aos estudos normais, nós procuramos bolsas de estudo para o ensino nocturno ou formação profissional”, clarifica.

O objectivo é que ganhem autonomia e se tornem mulheres independentes. Essas mulheres também recebem formação em gestão doméstica, higienização, em cuidados com as crianças, na área da cozinha, entre outras. A CMI conta ainda com uma estação de agropecuária.

Segunda a gestora, há mulheres que vão directamente à procura de acolhimento, outras são encaminhadas pelas delegacias de saúde, pelo ICCA, ou pelo Ministério Público. Mas há casos em que a Associação de Combate ao Álcool e outras Drogas faz o encaminhamento.

“São diversas formas de encaminhamento e tentamos que não haja um procedimento muito burocrático porque quando elas precisam de ajuda, precisam de uma forma urgente. Não têm tempo de passar por muita burocracia e estar à espera que as entidades comuniquem. Quando vêm directamente também são acolhidas”, fundamenta.

Cristina Melo aponta a sustentabilidade como o principal desafio daquela casa que está cada vez mais lotada, principalmente com menores que, por sua vez, não podem receber um programa igual a de uma mãe solteira.

“As mães solteiras são acolhidas durante 10 meses, fazendo um programa e depois poderão ser autónomas. Quando uma menor chega, terá de ficar pelo menos até aos 18 anos, porque antes disso não tem como ser autónoma. Uma das maiores dificuldades da Casa neste momento é a questão da sustentabilidade e de conseguir dar resposta a tantos pedidos”, admite.

Neste sentido, apela a um maior engajamento entre as entidades governamentais, nomeadamente o Ministério da Justiça e o Ministério da Família para com as ONGs que dão resposta a esses casos, mas que depois “ficam com os problemas nas mãos e com dificuldades em sustentar tantos casos”, sustenta Cristina Melo.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1106 de 8 de Fevereiro de 2023. 

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Autoria:Sheilla Ribeiro,11 fev 2023 8:34

Editado porEdisangela ST  em  1 nov 2023 23:28

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