“Sem garantia de protecção no mercado nacional põe-se em causa a continuidade da Inpharma” - Elisete Lima, Directora Geral da Inpharma

PorAndré Amaral,19 mar 2023 8:13

Elisete Lima, Directora Geral da Inpharma, defende que o sector da indústria farmacêutica nacional deve ser alvo de protecção. “Nós não precisamos de apoios financeiros, precisamos de uma protecção em que tudo o que é produzido, tudo o que é comercializado, tudo o que é produto Inpharma seja consumido no mercado nacional dentro das necessidades do mercado nacional”, declara em entrevista ao Expresso das Ilhas.

Que retrato faz da situação da empresa actualmente?

A Inpharma é uma empresa que existe há trinta anos e é uma empresa totalmente cabo-verdiana, uma empresa certificada em todo o âmbito da sua actividade. É uma indústria que, para além do seu core business, tem vindo a dar resposta às necessidades do país nomeadamente a realização de testes a alimentos, águas e a produtos ambientais assim como a medicamentos. A nossa actividade é, sobretudo, virada para o mercado cabo-verdiano com alguma actividade, iniciada há já algum tempo, de internacionalização e de venda fora do país tanto de produtos como de serviços.

Têm sido recorrentes as queixas de ruptura de stock de alguns medicamentos no mercado. O que se está a passar?

Em relação aos nossos produtos não registamos esse problema. A Inpharma tem antecipado e tem preparado o seu stock por forma a dar resposta em tempo útil, isto apesar dos problemas a nível mundial tanto de ruptura de matérias primas como de materiais de embalagem e afins para o nosso sector. Temo-nos prevenido aumentando o nosso stock, antecipando as nossas compras para evitar que essa situação aconteça.

Saímos de um período complicado por causa da pandemia. Como foi lidar com essa situação?

Para nós, apesar das dificuldades a nível internacional, enfrentamos a pandemia com positivismo e criamos condições para responder a outras demandas do país no sector farmacêutico e da saúde de uma forma geral, exercendo a nossa responsabilidade social para com os cabo-verdianos. Durante a pandemia tivemos um papel relevante na testagem do vírus e permitindo o acesso a toda a população a testes em tempo útil e a preço acessível. Isto para além da produção e comercialização de produtos para diagnóstico e prevenção da doença. Nós comercializamos os testes antígeno, fizemos o álcool gel de forma regular e disponibilizamos medicamentos como a Vitamina C, evitando que houvesse ruptura no país desses medicamentos. Em cerca de dois meses montamos o laboratório de PCR e aumentamos a nossa capacidade de produção de desinfectante, tendo obtido um apoio do governo dos EUA para a montagem dessa nova unidade de produção. Aumentamos a nossa capacidade produtiva e recrutamos mão de obra jovem o que permitiu à Inpharma não parar, recrutar novos quadros e, em termos da actividade, registamos um aumento nesse período. Transformamos desafios em oportunidades e demos todo o apoio que foi necessário para ajudar na retoma da economia e mitigar a propagação da doença. Temos de nos sentir orgulhosos de ter tido este papel. Foi mais uma demonstração de que a indústria nacional é importante e relevante para o país e para a economia nacional.

Mas como foi o choque?

À semelhança de outros países, empresas e organizações que trabalham nesta actividade, tivemos de adaptar e reforçar o plano de contingência. Mas não paramos. Outras empresas que podiam trabalhar à distância, nós não. Tivemos de nos readaptar para trabalhar com segurança durante esse período.

A Inpharma já está no mercado nacional há 30 anos e um dos seus objectivos é a internacionalização. Como tem corrido esse processo?

Temos estado de forma paulatina a entrar em novos mercados, nomeadamente os PALOP. Já era um mercado para onde a produção nacional já vendia desde o início da actividade. Mas são países onde temos de consolidar algumas regras em termos de estar nesses mercados. Estamos sempre à procura de alguma estabilidade e garantia para as actividades que queremos implementar nesses países. Entretanto, recentemente fomos pré-seleccionados no âmbito das compras agrupadas dos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (SIDS na designação em inglês) para pertencermos, estarmos incluídos no leque de fornecedores de medicamentos. Este processo está a andar e por trás disso temos em vista alguns investimentos por forma a dar resposta a esses objectivos.

Quais têm sido as grandes dificuldades tendo em conta a falta de ligações de Cabo Verde com o continente?

Um dos grandes desafios é o transporte para que se possa materializar essa expansão para esses mercados aqui do continente ou mesmo de outros países onde podemos ser competitivos. A questão que se coloca são as ligações directas, seja de barco ou de avião, para esses países. É uma das dificuldades. Entretanto, há sempre que ter alguma cautela em termos da realidade desses países e o que poderá ser a estabilidade política.

Qual é o principal cliente a nível internacional?

Nós já estivemos a exportar para São Tomé, para a Guiné-Bissau e no início das nossas actividades exportamos para Angola e Moçambique. Mas neste momento os principais mercados têm sido São Tomé e Guiné-Bissau

Vai surgir uma empresa de importação de medicamentos. Como é que vê a chegada de um novo player ao mercado?

A Inpharma tem dado o seu contributo para o desenvolvimento do país, nomeadamente no impacto económico e social, com contributo para a redução das importações, o aumento da exportação de bens e serviços, o desenvolvimento de um pólo de excelência tecnológica, a criação de emprego qualificado e a garantia de fornecimento de produtos de difícil acesso, dos quais muito sem interesse comercial para a maior parte dos países produtores de medicamentos. A Inpharma assume a sua responsabilidade social tendo em conta o perfil epidemiológico do país e a eficiência dos protocolos de terapia utilizados até então no país. Isto para explicar que a preocupação da empresa é a saúde dos cabo-verdianos. A entrada de mais um player neste sector é, para nós, mais um cliente. O que nós produzimos é utilizado no país independentemente de quem distribui ou de quem leva o produto às farmácias. Nós produzimos, não vamos às farmácias e entregamos o que produzimos aos distribuidores. Portanto, a entrada de um novo player é a entrada de um novo cliente no mercado.

Mas não acha que a partir de agora as regras mudam um pouco?

A nossa preocupação é a protecção da indústria nacional. Sem isso a Inpharma não terá pernas para andar. É importante que todos os intervenientes no mercado estejam em sintonia em relação a esse pressuposto. Ter indústria nacional em Cabo Verde é um orgulho e há muitos países que gostariam de ter uma indústria nacional que lhes diminuísse a importação e garantisse a disponibilidade de produtos no mercado em tempo útil. Nós defendemos que é importante que todos os intervenientes, sejam novos players ou os que já existem, que seja política e estratégia do governo proteger a indústria nacional. Nós não precisamos de apoios financeiros, precisamos de uma protecção em que tudo o que é produzido, tudo o que é comercializado, tudo o que é produto Inpharma seja consumido no mercado nacional dentro das necessidades do mercado nacional. A nossa preocupação é essa. Estamos a fazer grandes investimentos para preparar a internacionalização, mas o principal foco é o mercado nacional e queremos consolidar a nossa posição no mercado nacional para, com isso, entrar em outros mercados. Sem essa garantia de protecção de que o que estamos a produzir é consumido em Cabo Verde põe-se em causa a continuidade da Inpharma. E quem diz a continuidade da Inpharma diz a continuidade de postos de trabalho que a empresa hoje representa e que poderá vir a representar muito mais se crescer, se se alargar para outros mercados. Nós estamos neste momento a investir em novos produtos para alargar a disponibilidade de produtos para o mercado e a preparar-nos para entrar em novos mercados. Isto implica investimento. Estamos com um investimento de cerca de 80 mil contos para fazer um upgrade às instalações e acompanhar as exigências, a nível internacional, do sector. Estamos a investir em novos medicamentos. Este investimento já começou e pensamos que no mês de Maio estaremos em condições de inaugurar. Temos outro investimento, de 10 milhões de euros, que será uma unidade nova para sermos ainda mais competitivos e será uma oportunidade de entrar em novos mercados e acompanhar as novas exigências do sector. Mas tudo isso só será possível, só será de facto realizado, se houver essa tal protecção que precisamos à semelhança do que está a acontecer internacionalmente.

Tem falado muito na questão da internacionalização. Tem havido contactos com o governo para acelerar o processo, para garantir ligações com mercados já estabelecidos e, também, numa perspectiva de alargar para outros países?

Sim. Nós temos estado a fazer estudos e temos tido apoios nesse sentido. Tem havido suporte internacional para um eventual crescimento e alargamento das nossas actividades e nos estudos que temos feito e apresentado esta questão é realçada como uma das condições essenciais para que possamos estar, sobretudo, no mercado do continente e dos países aqui da região.

Qual a resposta do governo?

É uma das preocupações de todos e acho que estão a ser desenvolvidos esforços nesse sentido. A saída dos produtos aqui de Cabo Verde terá de passar pela disponibilidade deste recurso [transportes].

Para além dos PALOP, que outros mercados são atraentes para o investimento da Inpharma?

Neste sector, havendo este investimento novo que nos permite aumentar a capacidade de produção e introduzir novas tecnologias, qualquer outro produtor pode contratar-nos para produzirmos os seus produtos. A abertura vai a esse ponto.

Mas há mercados identificados e contactos feitos?

Sim, os contactos são permanentes e, como disse, o mercado mais próximo que temos neste momento, e onde já há algum trabalho feito, é o dos SIDS (Cabo Verde, Comoros, Guiné-Bissau, Marícias, São Tomé e Príncipe e Seychelles).

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1111 de 15 de Março de 2023. 

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Autoria:André Amaral,19 mar 2023 8:13

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  20 mar 2023 8:15

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