Médico de família é “o primeiro a chegar e o último a sair”

PorNuno Andrade Ferreira*,28 mai 2023 11:51

Medicina Geral e Familiar aborda o paciente no seu contexto, trata, acompanha e previne a doença. País faz caminho para novo paradigma nos cuidados de saúde primários. Tema esteve em debate na semana passada, no Mindelo, a propósito do Dia Mundial do Médico de Família, assinalado anualmente a 19 de Maio.

Cabo Verde está a dar os primeiros passos para a integração da figura do médico de família no Sistema Nacional de Saúde (SNS). O primeiro curso de especialização em medicina Geral e Familiar, resultando de um protocolo com Portugal, encontra-se a meio, envolvendo 22 médicos.

Em São Vicente, na última sexta-feira (19), profissionais e responsáveis reuniram-se para debater o papel deste médico vocacionado para o acompanhamento do paciente ao longo da vida, numa relação de grande proximidade.

Em entrevista ao Expresso das Ilhas, à margem da conferência “Médico de família, um passo em frente nos cuidados de saúde em Cabo Verde”, o bastonário da Ordem dos Médicos, Danielson da Veiga, realçou que a medicina Geral e Familiar é “fundamental para a promoção da atenção primária”.

“Qualifica-se como uma das disciplinas basilares para qualquer sistema nacional de saúde. Cuida das pessoas ao longo do seu ciclo de vida. Sabemos que investir na medicina Geral e Familiar é investir no SNS de forma transversal”, observou.

Actualmente, Cabo Verde tem apenas três médicos formados na especialidade e a meta é garantir, no mínimo, um médico de família (o ideal seriam dois a quatro) em cada um dos cerca de trinta centros e delegacias de saúde do país.

A formação de profissionais, que decorre até 2024, é feita em exercício, com complemento hospitalar e estágio em diferentes estruturas. Em paralelo, decorre a implementação de um programa mais vasto que envolve os agregados familiares.

“O médico de família tem a responsabilidade de ajudar o doente a ter um diagnóstico atempado, sobretudo agora que sabemos a situação global em relação às doenças oncológicas, que sabemos as vantagens de um diagnóstico precoce. Em Cabo Verde, há pessoas que passam anos sem ir ao médico e temos de parar com essa mentalidade”, refere o bastonário.

Ao invés de se dedicar a um órgão ou a uma técnica, o médico de família encara a pessoa como um todo, colocando-a no seu contexto familiar. “O primeiro a chegar e o último a sair”, comentou Rui Nogueira, um dos convidados da conferência do Mindelo, médico representante do Ministério da Saúde de Portugal no projecto de formação em curso no arquipélago.

“É uma pessoa com capacidade invulgar, porque tem de abranger um número enormíssimo de técnicas e conhecimentos e muitas vezes fazer ligações, pontes para outras especialidades médicas. Hoje, a medicina é demasiado complexa para ser possível seguir os doentes apenas com um médico, mas o médico de família faz a integração e a abordagem da globalidade, tendo em conta a pessoa e a pessoa inserida na sua família”, destacou.

O delegado de Saúde de São Vicente, Elísio Silva, também referiu a dimensão “colectiva” da especialidade.

“Mais do que um médico de doença, é um medico de prevenção e de pessoas, um médico da comunidade, que gere questões das famílias, económicas e sociais, entre outras”, disse.

Como explicou Jaqueline Cid, futura médica de família, encarar a saúde numa perspectiva holística é a proposta da medicina Geral e Familiar.

“Vejo várias patologias e posso lidar com a pessoa durante o seu ciclo de vida, convivo com várias gerações da família, assumindo o papel de uma pessoa que pode influenciar a mudança de comportamentos, de estilos de vida, promovendo, por exemplo, o aleitamento materno, a vacinação, tudo o que são hábitos saudáveis”, exemplificou.

Ao intervir na conferência do Mindelo, a especialista Liliana Marto, orientadora da formação, sublinhou que as ilhas estão a dar o “primeiro passo” naquilo que será uma “requalificação dos cuidados de saúde primários”.

“Os colegas que integram esta formação são considerados pioneiros de uma visão de futuro que integra a especialidade de medicina Geral e Familiar no sistema de saúde, promovendo a qualidade dos cuidados prestados à população, de acordo com o maior grau de evidência científica e optimizando os recursos disponíveis”, frisou.

Especialidades

A falta de médicos especialistas é assumida como uma das principais carências do SNS cabo-verdiano. A situação é particularmente crítica fora dos dois principais centros urbanos, Praia e Mindelo.

O bastonário da Ordem dos Médicos enumera vantagens da aposta na especialização.

“Ter o médico a dedicar-se ao doente numa área que é especificamente da sua formação. Por exemplo, sou da área de Cirurgia e na minha prática tenho de me dedicar, sobretudo à Cirurgia, mesmo que tenha noções da área de Psiquiatria, de Ginecologia, da medicina Geral e Familiar”, sustenta Danielson da Veiga.

A especialização dos profissionais de saúde é uma das apostas declaradas da actual tutela.

“Fez-se um grande investimento em termos de infra-estruturas e equipamentos, mas a prioridade agora são os recursos humanos, sobretudo, na especialização, pelo que estamos a trabalhar com a Ordem dos Médicos e com a Comissão Instaladora dos Enfermeiros para, conjuntamente, termos um plano de recursos humanos, com financiamento da Organização Mundial da Saúde (OMS)”, afirmou, em Fevereiro, a ministra Filomena Gonçalves.

*com Lourdes Fortes

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1121 de 24 de Maio de 2023.

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Autoria:Nuno Andrade Ferreira*,28 mai 2023 11:51

Editado porSheilla Ribeiro  em  21 fev 2024 23:29

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