Profissionais de saúde defendem investimentos em políticas abrangentes e abordagem multidisciplinar na prevenção do suicídio

PorEdisângela Tavares,1 out 2023 8:24

Setembro Amarelo – Mês da Prevenção do Suicídio
Setembro Amarelo – Mês da Prevenção do Suicídio

Em Cabo Verde, o suicídio é uma preocupação de saúde pública, com casos envolvendo pessoas cada vez mais jovens. No âmbito do “Setembro Amarelo”, o Expresso das Ilhas abordou profissionais ligados à saúde que defenderam que a prevenção do suicídio em adolescentes é uma questão crítica que requer uma abordagem multidisciplinar e um conjunto abrangente de políticas públicas.

O suicídio é um fenómeno complexo que envolve factores variados como saúde mental, social e económica. A Organização Mundial da Saúde (OMS) defende uma abordagem ampla que permita identificação precoce, técnicas oportunas, conscientização, apoio acessível e redução do estigma. Esta abordagem inclui intervenção oportuna, apoio acessível, educação, conscientização, colecta de dados, pesquisa e trabalho em rede, evitando o suicídio e fornecendo apoio eficaz às pessoas em risco.

O médico psiquiatra, Manuel Faustino, aponta que reduzir o estigma em torno da saúde mental é fundamental, bem como trabalhar em metas mais abrangentes, evoluir para proteger vidas e promover o bem-estar mental. O mesmo reforça que o facto da taxa de suicídio em Cabo Verde ser considerada superior à média africana deve ser analisado.

“Dois aspectos devem ser levados em consideração. O primeiro é o facto de variações numéricas pequenas em populações reduzidas como a nossa, podem ter um efeito nas taxas mais expressivo do que em populações maiores. O segundo relaciona-se com a tendência. Isto é, se precisamos ter informações sobre a realidade actual, necessitamos também de considerar os dados de anos anteriores para conhecermos a evolução. Aparentemente, dados de 2013, 2016 e 2019 foram utilizados para se estimar a taxa actual de suicídio em Cabo Verde. Estes, mostram uma certa estabilização com ligeira tendência decrescente”, reforça.

O psiquiatra sublinha a importância de se conhecerem os dados de 2020 ed os anos seguintes para se ter uma ideia da realidade e da tendência e para se poder avaliar medidas perante o agravamento ou não da situação.

De entre os factores gerais relacionados com o suicídio, o psiquiatra Manuel Faustino aponta que as doenças mentais (esquizofrenia e, sobretudo, depressão) se destacam. Também o consumo abusivo de substâncias psicoactivas (que podem desencadear doenças mentais), bem como as condições sociais precárias, falta de perspectivas de futuro e aspectos culturais estão em grande conta entre os factores.

Manuel Faustino considera que os dados estatísticos são instrumentos que contribuem para diagnosticar uma situação, especialmente, na sua vertente quantitativa. Contribuem para expressar a gravidade maior ou menor de uma realidade e auxiliar na definição dos caminhos a serem trilhados para controlar ou eliminar os danos.

“Assim, quando se constata, por exemplo, que o número de suicídios tem aumentado, é preciso definir e implementar medidas que contribuam, efectivamente, para que vidas sejam salvas e condições necessárias para evitar essas perdas sejam criadas. Se se admite que o uso abusivo de bebidas alcoólicas e outras drogas é um dos factores favorecedores de condutas suicidas e outros comportamentos disruptivos, medidas de política visando restringir esse consumo deviam ser amplamente implementadas, o que não está a acontecer”, avaliou.

O médico indica ainda que a mesma postura deve ser adoptada no concernente à saúde mental, pois as doenças mentais são causa importante de suicídio.

“Infelizmente, a saúde mental, em meu entender, não tem merecido a importância devida. É isso que deve significar ir muito além dos dados estatísticos e levar em conta as vidas que se perdem ou que se podem perder”.

Nos últimos tempos tem-se verificado, a nível mundial, o aumento da prevalência de suicídio na faixa etária entre os 15 e os 29 anos e o suicídio constitui a quarta causa de mortalidade nessa faixa etária. Manuel Faustino informa que, para adolescentes e crianças, as principais razões para o suicídio são as mesmas que as apontadas para adultos, isto é, determinadas doenças mentais, consumo de substâncias psicoactivas e realidades sócioeconómicas precárias. Contudo, deve-se acrescentar situações em que há pouco controle dos impulsos, traumatismo craniano, conflitos familiares, stress académico e bullying.

“Recentemente, no quadro de uma discussão com professores de uma escola secundária da Praia, eu e a Psicóloga Antonela Sanca tomamos conhecimento da existência de vários casos de automutilação em crianças a partir dos 12 anos. Na ocasião fomos informados que esses episódios são frequentes em outros estabelecimentos de ensino secundário. Orientamos os responsáveis acerca dos procedimentos a adoptar. Entendo que num contexto em que se admite que existe um aumento de suicídios em crianças e adolescentes esta questão deve ser aprofundada”, diz.

Factores de risco

Entre os factores de risco, o ex-delegado de saúde, José da Rosa, sublinha que o suicídio é a segunda causa de morte em pessoas da faixa etária entre os 15 e os 24 anos, e que vem aumentando a cada ano. Este responsável aponta que os problemas sociais como a pobreza e situações de vulnerabilidade, abuso de álcool e outras drogas, bullying, falta de convivência com os pares, situação familiar com presença de conflitos, violência doméstica, abusos físicos, verbais ou sexuais, maus tratos, discriminação e histórico de suicídio na família são bastante expressivos. Este profissional de saúde aponta ainda a influência de aspectos geográficos e culturais entre os factores de risco.

“Normalmente, o suicídio é precedido de ideias e de tentativas de suicídio, como sinais de alerta, por isso é possível prevenir. Estes factores devem ser tidos em conta, identificar para se poder corrigir, tratar e resolver para se diminuir as probabilidades de ocorrência de suicídios”.

José da Rosa indica ainda alguns aspectos pertinentes a ter em conta na prevenção do suicídio ao lidar com pessoas que apresentam transtornos mentais. Entre esses aspectos, a restrição de meios de cometer suicídios é muito importante, bem como a identificação e tratamento de pessoas com transtornos da depressão e de casos de abuso de substâncias psicoactivas, melhoria do acesso aos serviços sociais e de saúde, acompanhamento e apoio de famílias vulneráveis e com problemas de violência doméstica e empoderar as famílias no suporte ao adolescente problemático.

Deve-se ainda ter em devida atenção à capacitação de médicos, particularmente dos cuidados primários no enfrentamento de situações que podem levar ao suicídio, considerar o papel das escolas e das igrejas em relação à transmissão de valores e comportamentos adequado e, ainda, investir na criação de condições por parte do Estado e de organizações empresariais e da sociedade civil, para a efectivação de vários destes objectivos.

Associação de Promoção da Saúde Mental – A PONTE

A psicóloga e membro do Conselho Directivo da A PONTE, Margarida Cardoso, explica que em linha com as directivas internacionais e nacionais, A PONTE dá uma atenção especial às iniciativas que visem a prevenção do suicídio.

“O foco normalmente é colocado nos factores de risco do suicídio, nos factores protectores, em sinais e nas medidas preventivas, num permanente sublinhar de que, à luz do conhecimento científico e técnico disponível, grande parte dos suicídios pode ser prevenida, através de uma acção concertada entre os diferentes actores sociais”.

Entre as iniciativas de apoio, esta responsável destaca que a associação trabalha na produção e divulgação de material informativo e educativo, atendimento presencial e remoto (telefone), encaminhamento para os serviços de saúde e ou serviços competentes na área de família e reinserção social, atendimento de familiares que buscam informação sobre questões específicas relativas à sua relação com adolescentes e jovens afectados por ideação suicida, ou até, comportamentos de autolesão não suicida (isto é, que é fruto de algum sofrimento, provocam ferimentos a si mesmos, mas sem intenção de pôr fim à sua vida).

“Um aspecto, sobre o qual recai uma atenção especial no quotidiano da A PONTE, é partilhar informações que ajudam a combater o estigma, nomeadamente no que diz respeito a atitudes e comportamentos negativos e discriminatórios por parte de pessoas e instituições ao referir ou lidar com pessoas que sobreviveram à intenção suicida, pessoas que apresentam ideação suicida, ou a pessoas e famílias enlutadas por perda de familiares por suicídio”.

Margarida Cardoso indica os dados disponíveis no Serviço de Vigilância e Resposta do Ministério da Saúde, de 2014 a 2020, que dão conta que a taxa de mortalidade por suicídio se manteve estável, em 1,1 por mil habitantes. Olhando os números absolutos, estes oscilaram nesse período, verificando-se nos extremos (2014 e 2020), 49 óbitos respectivamente, sendo que o valor mais alto ocorreu em 2016 com 59 casos e o mais baixo em 2019 com 41 óbitos.

“Estes dados são mais do que alertas, são veementes apelos à continuação e ao reforço da acção, em prol da prevenção do suicídio, pois que, cada vida é única, cada vida conta”, acrescentou. A OMS expõe que a nível mundial a maior parte dos casos de suicídio estão associados a transtornos mentais e transtornos de personalidade. Chama-se, assim, a atenção especial aos transtornos depressivos e transtornos de ansiedade.

“A depressão está na base de 85 a 95% das perdas de vida por suicídio, a esquizofrenia responde por cerca dos 10% dos casos. Alerta-se para o consumo de substâncias psicoativas, incluindo o álcool (etanol), nomeadamente, pelo seu potencial no desencadear de depressão. Sublinha-se aqui que existe tratamento para a maior parte das doenças mentais, que são controláveis, quando não curáveis”.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1139 de 27 de Setembro de 2023.

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Autoria:Edisângela Tavares,1 out 2023 8:24

Editado porDulcina Mendes  em  18 jun 2024 23:29

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