“Projectos já ultrapassam os 30% de penetração de energias renováveis previstos para 2026”

PorAndre Amaral,28 mai 2023 10:54

Alexandre Monteiro, ministro da Indústria, Comércio e Energia
Alexandre Monteiro, ministro da Indústria, Comércio e Energia

Governo conseguiu financiamento para projectos integrados no Programa Nacional de Sustentabilidade Energética. Um deles, a estação de pump and storage que vai ser construída no concelho da Ribeira Grande de Santiago, está orçado em cerca de 70 milhões de euros. Investimentos feitos na área das energias renováveis e da transição energética vão permitir uma redução de 22% no consumo de combustíveis fósseis na produção de electricidade, assegura o ministro da Energia, Alexandre Monteiro, que anuncia igualmente que o governo está a estudar a possibilidade de aumentar os incentivos na compra de táxis com motor eléctrico.

Foram mostrados projectos na área da transição energética durante a apresentação do Plano de Desenvolvimento Sustentável que decorreu na Boa Vista. Que projectos são esses?

O governo apresentou o Programa Nacional de Sustentabilidade Energética, que é um programa que tem intervenção em várias áreas, como o desenvolvimento das energias renováveis, com o objectivo de ter maior capacidade de produção de energias renováveis no país, e em áreas importantes de infraestruturas estratégicas como armazenagem de energia e, também, na implementação de redes inteligentes. Porque para a transição energética acontecer não basta só produzir mais energias renováveis. Temos situações, em algumas ilhas, em que a capacidade instalada de energias renováveis é superior à capacidade do mercado. Portanto, nem tudo o que é produzido se consome devido a restrições técnicas da própria rede. Daí a importância do investimento em infraestruturas de armazenagem e de um sistema inteligente para gerir toda essa integração. É isso que estamos a fazer. Quando falamos em aceleração temos de andar em todas essas frentes. Também foram anunciadas intervenções na área da reforma e toda a reorganização do mercado energético, da mobilidade eléctrica que está também a ser uma realidade. Estamos a preparar um pacote global de 518 milhões de euros para o período entre 2018 até 2030 que é para investimentos e intervenções necessárias para ajudar o país a atingir essa ambição de ultrapassar 50% de penetração de energias renováveis em 2030. E estamos a cumprir. Na micro-geração houve uma evolução de 2 para 9 Megawatts, ou seja, mais de quatro vezes superior do que no período entre 2016 e 2021. E essa dinâmica de microprodução para o auto-consumo continua a crescer. Do programa apresentado na Boa Vista temos já mobilizados, do total, cerca de 40 milhões de euros e temos em fase avançada de negociação valores superiores a cem milhões de euros. Isto significa que os investimentos estratégicos previstos para a segunda fase, que é para provocar a aceleração da transição energética, para ultrapassar os 30% de penetração de energias renováveis em 2026 e ultrapassar os 50% em 2050. Estamos a preparar e a mobilizar investimentos para uma infraestrutura importante que é a estação de pump and storage que vai ser construída em Santiago.

O financiamento está garantido?

As negociações estão avançadas e em vias de brevemente vir a ser concretizado e anunciado. Isso por causa dos avanços alcançados a nível dos estudos. É um projecto pronto e já se fizeram estudos de localização, estudos geotécnicos, ambientais, de viabilidade técnica, económica e financeira. Estamos na fase de desenvolvimento de alguns estudos de detalhe para facilitar a mobilização de financiamento e a sua implementação tendo em conta a sua complexidade. É uma infraestrutura que exige, para a sua construção, cerca de quatro anos. E nós prevemos, no nosso plano, que entre em funcionamento em 2026 ou 2027. Essa infraestrutura vai permitir que Cabo Verde ultrapasse os 50% de penetração das energias renováveis. Porque em termos de capacidade de energia que vai absorver, e que seria perdida caso esta infra-estrutura não fosse construída, estamos a falar de 57 Gigawatts/hora de volume de energia que é armazenada na estação de pump and storage que depois são injectados na rede para lhe dar mais estabilidade e ter cerca de 38,5 Gigawatts hora de energia renovável na rede. Esse volume, injectado na rede, é o volume evitado na produção térmica o que significa que essa infraestrutura irá provocar uma redução de 22% no consumo de combustíveis fósseis na produção de electricidade.

Essa estação de pump and storage vai ficar localizada onde?

Em Chã de Gonçalves, aqui na ilha de Santiago, no concelho de Ribeira Grande de Santiago. Escolheu-se a ilha de Santiago por causa da dimensão, da capacidade, do consumo. Estamos a falar de uma infraestrutura de 20 Megawatts de potência e a capacidade de armazenagem vai ser de 160 Megawatts hora. É uma infraestrutura de grande dimensão e que terá esse impacto directo na redução do consumo de combustíveis em cerca de 22%. O sistema do projecto que irá ser instalado não é na base de barragem, mas sim de reservatórios. São dois reservatórios: um num nível inferior com uma capacidade de 320 mil metros cúbicos de água e um reservatório a nível superior, com uma diferença de cota de mais de 200 metros, com capacidade de mais de 360 mil metros cúbicos. Estamos a falar de uma área de 45 mil metros quadrados, é algo de grande dimensão.

Como é que essa estação de pump and storage funciona?

Quando há excedente de energia, e vamos ter de investir para criar esse excedente por causa da intermitência. Como à noite não há sol podemos produzir mais durante o dia para armazenar e usar durante a noite. Por isso é que vamos acelerar, só temos seis horas de sol e, por isso, nunca se consegue ultrapassar a barreira dos 20% de penetração. Em relação ao vento, às vezes há com mais velocidade outras vezes com menos e neste caso é insuficiente para produzir energia eólica. Embora o potencial global de vento e sol seja excelente, a questão que se coloca é a intermitência. Desta forma vamos investir para ter excedente e este excedente é produzido e armazenado por bombagem de água. A energia acciona bombas que passam a água do reservatório do nível inferior para o nível superior. Está previsto que, caso haja necessidade de energia na rede, esta estação compense, mas também está previsto que essa energia que irá ser armazenada seja descarregada depois de oito horas. A água bombada atinge uma cota superior e depois é descarregada através de pipelines que passam para o reservatório inferior produzindo electricidade através de turbinas. A única perda será a evaporação, porque a estação vai funcionar em circuito fechado, e para compensar essa perda está prevista a instalação de uma pequena dessalinizadora de 700 metros cúbicos que vai produzir água para compensar essa evaporação, mas também disponibilizar uma parte para a população da localidade próxima. Vai haver também essa componente de benefício social.

A água dessa estação vai ser totalmente água dessalinizada?

Não, a primeira água será da chuva. Depois é a compensação. Obviamente que se houver chuva está preparada para ser aproveitada, mas não fica dependente nem condicionada pela chuva.

Qual o investimento para a estação de pump and storage?

No global, vão ser cerca de 70 milhões de euros. 60 para a infraestrutura directa e o restante para as infraestruturas necessárias para a sua operacionalidade. Estamos a falar, por exemplo, das linhas de transporte que liguem à subestação de Palmarejo. Tudo isto está previsto em termos de investimentos. Há uma componente de donativo que é grande.

Um financiamento que foi conseguido junto do Banco Europeu de Investimento...

Sim. A negociação está a ser feita com o Banco Europeu de Investimento e também com o sistema da União Europeia. A UE também comparticipa e está a apoiar esse projecto. Seria uma mistura que permitirá obter condições de financiamento favoráveis para implementação dessa importante infraestrutura. Transição energética não é só a parte mais visível que é deixar de produzir energia através de combustíveis fósseis, é mais do que isso. São transformações profundas em todo o sistema eléctrico que levam a mudanças de hábitos na produção e no consumo de energia. Por isso o apelo à eficiência energética que é um elemento essencial desta transição. Quando se põe o foco na factura energética ou na redução da emissão não se pode pensar apenas na mudança das fontes de produção de energia. Também é preciso ver a eficiência energética. Temos de ser eficientes na produção, na distribuição, mas também no consumo. Mas essa mudança consegue-se com a transformação do existente. Temos de garantir também a continuidade e a segurança do serviço transformando o que existe para alcançar uma nova realidade. Não se pode avançar só com a produção de energias renováveis se depois não temos espaços para a sua armazenagem e essa energia depois perde-se. Também não se consegue só com armazenagem. E não se consegue só com essas duas infraestruturas. É preciso um sistema de gestão inteligente e eficiente que só é possível com a utilização de tecnologias que hoje já estão disponíveis.

Na última entrevista que nos deu falou sobre a central solar que seria construída na zona da Calheta de São Miguel. Na altura o processo estava parado e a construção ainda não tinha começado. Como está agora?

Esse processo é dinâmico. O que importa é ter energia para satisfazer as necessidades independentemente do projecto se desenvolver na localidade A, B ou C. Porque o importante é que, desde que esteja na ilha programada, se injecte energia na rede. Os projectos lançados antes do período de COVID ficaram todos afectados com atrasos e evidentemente que as condições acabam por se alterar. E houve situações em que tivemos de reabrir novos concursos. Nesse caso concreto, o governo decidiu avançar com o aumento da potência do parque solar do Palmarejo que acaba por compensar esses atrasos. Esse projecto também está numa fase de mobilização de financiamento, assim como outros que foram surgindo. Temos três IPP solares com contratos já assinados que é o caso da Boa Vista, do Sal e São Vicente. Temos ao todo, em termos de projectos contratados e decididos para avançar na área de solar, cerca de 25 Megawatts. E temos também a expansão da Cabeólica que acaba por compensar também o atraso no projecto do parque eólico de São Domingos por causa da questão da pandemia. E o projecto da Cabeólica é um projecto de 13 Megawatts. É uma expansão que vai mais do que duplicar a capacidade que a empresa tem actualmente na Praia. Só esses projectos já ultrapassam os 30% previstos no plano para 2026. Mas há também as baterias para armazenamento de electricidade. Já temos 1 Megawatt a funcionar no Sal a título experimental e concursos em fase de lançamento para São Vicente e Boa Vista, na ordem do 6 Megawatts de capacidade em cada ilha. A Cabeólica no projecto de expansão também prevê a introdução de baterias e permitir melhor aproveitamento da energia produzida. O facto é este em ilhas como São Vicente ou Sal, onde nem toda a energia produzida pela Cabeólica é absorvida e o nível de aproveitamento está nos 70%, isto significa que precisamos, mais do que investir em mais capacidade de produção, é acelerar as infra-estruturas de armazenagem. Mas, como todos sabem, a infraestrutura de armazenagem ainda não é competitiva como são as de produção. Mas há essa tendência, daí que a competitividade se encontre na estratégia de financiamento. E a estratégia que nós encontramos, como existem componente de donativos, teremos de preparar projectos, ajuda e tornar as baterias mais competitivas. Em Cabo Verde, a matriz energética baseada em fontes renováveis é vantajosa em termos económicos, vantajosa se comparada com uma matriz de fontes fósseis. Essa parte da armazenagem é essencial, mas tem custos e nós não queremos produzir a qualquer custo.

Falou em projectos nas ilhas de Santiago, Boa Vista, Sal e São Vicente. E em relação às outras ilhas?

Temos projectos de parques renováveis em todas as ilhas. Essas que mencionei são ilhas em que há contratação internacional de projectos de grande escala. Para as outras ilhas, em que os projectos são de menor capacidade, a estratégia adoptada foi a de mobilização de financiamento público concessional junto do Banco Mundial que disponibilizou recursos para o financiamento dos parques solares em todas as restantes ilhas, incluindo infra-estruturas de armazenagem de energia. Está em processo de instalação. Os concursos já foram lançados, estão em fase de avaliação e está a seguir o cronograma traçado. Não há nenhuma ilha em que as energias renováveis não vão ser instaladas, porque a transição energética terá de ocorrer em todas as ilhas. O plano é nacional, mas depois também temos um plano para cada ilha para alcançarmos essa ambição de ultrapassar os 50% em 2030.

Qual é a possibilidade de uma ilha fornecer electricidade a outra?

Neste momento não se trata de viabilidade a curto prazo. No horizonte do nosso plano não está previsto, mas o processo evolutivo, os novos desafios e os novos produtos, como o hidrogénio verde que já estamos, também, a estudar numa perspectiva de médio e longo prazo criam condições para se pensar na conexão entre as ilhas. O hidrogénio verde cria a oportunidade ao país de pensar no sector energético para satisfação da sua necessidade interna, mas abre a possibilidade de exportação. Isto porque nós temos potencialidades de energias renováveis no país muito superiores às nossas necessidades. Isso significa que esse diferencial pode ser aproveitado para produzir energia para exportar. E o hidrogénio verde está a ser estudado. Iniciámos um processo, já desde 2020, com a colaboração do governo do Luxemburgo em que estamos a estudar cenários numa perspectiva temporal de médio e longo prazo, de produção de hidrogénio verde em grande escala. Porque só em grande escala é que se justifica por causa da competitividade. Porque se estamos a falar em exportação já teremos de ser competitivos e para o sermos não pode ser numa escala nacional tem de ser maior e é nesse domínio que já temos os estudos preliminares em curso que apontam para resultados promissores. Existem condições no país para a produção de hidrogénio verde, mas coloca-se a questão nas vertentes logística e económica. É nessa fase que estamos a prosseguir com os estudos.

Falar de transição energética é falar de novos postos de trabalho. Há estatísticas sobre a evolução do emprego na área?

Temos elementos. No caso do CERMI a taxa de empregabilidade dos jovens é elevada. Não só em emprego directo como também outro elemento importante que é o empreendedorismo. Saem jovens capacitados que criam o seu próprio negócio e o CERMI tem um centro incubador que permite dar essa resposta. E a transição energética não pode ser vista só na perspectiva de produzir energia. Como disse, nós criamos um quadro legal e regulamentar que enquadra empresas e serviços na área da eficiência energética que é outra área de grande mercado. Existem empresas no país nesse sector e o número tem vindo a evoluir bem. Estamos a actualizar os números, mas a evolução tem sido significativa no que respeita ao número de empresas quer na instalação de sistemas fotovoltaicos e sua manutenção, na criação de soluções de eficiência dos edifícios públicos e nas empresas em termos de eficiência energética, na mobilidade eléctrica.

Quanto à da micro-geração, apontou que se passou dos 2 para os 9 Megawatts. É um valor que continua a manter uma tendência de crescimento?

Continua, sim. Primeiro, tem tido um grande impulso do próprio Estado a dar o exemplo. Vários edifícios públicos já têm painéis fotovoltaicos e nos próximos quatro anos vamos assistir a uma intensificação dessa micro-geração. Está prevista a instalação, por exemplo, de painéis fotovoltaicos em todas as escolas secundárias do país. São 42 liceus. Que é um demonstrativo importante. Colocar painéis solares nas escolas dá um sinal muito importante em relação ao futuro. E temos também as infraestruturas de saúde. Nesta parte é em cooperação com o Luxemburgo e temos com o Banco Mundial o financiamento para a instalação de micro-produção para consumo próprio em todos os estabelecimentos de saúde do país. Já tínhamos iniciado um primeiro ciclo, na legislatura anterior, com os hospitais centrais e regionais e, nesta fase, vamos estender a todas as delegacias de saúde e centros de saúde do país. Além do factor demonstrativo, isto vai contribuir para reduzir a factura de energia em cerca de 30% nos sectores da educação e da saúde. Além disso, há também o nosso plano de utilização do sistema de micro-produção para alcançar o acesso pleno de toda a população à electricidade. A produção de energias renováveis via micro-produção vai também permitir um maior acesso à energia, sobretudo a pessoas e localidades que actualmente estão fora da rede fazendo com que essas pessoas tenham acesso à electricidade em condições acessíveis.

A mobilidade eléctrica foi uma aposta do governo. Há algum tempo disse que já há cerca de uma centena de automóveis eléctricos a circular no país. Como está a ser a evolução deste sector específico?

Segundo a última estatística, temos mais de 150 veículos eléctricos a circular no país. Mas o importante é que nós estamos a criar condições para a fase de aceleração, porque a mobilidade eléctrica acompanha a transição energética. Nós não queremos transformar energias fósseis em electricidade para alimentar essas viaturas. A intenção é levar mesmo energia renovável. Neste momento já temos uma penetração de energias renováveis na rede que contribui para o veículo eléctrico ser menos poluente, mas também temos a possibilidade de os proprietários terem o seu próprio sistema de alimentação dessas viaturas. Estamos igualmente a implementar infraestruturas públicas de recarga que são importantes para reforçar a confiança. As respostas estão a ser positivas. Nós temos também um programa não só de incentivos ficais e aduaneiros, no âmbito do Orçamento do Estado, que torna a aquisição de veículos eléctricos mais fácil por causa da redução de preços. Existe ainda um adicional no âmbito do Programa de Promoção da Mobilidade Eléctrica em Cabo Verde (PROMEC) que concede incentivos financeiros que vão desde os 276 contos para veículos pequenos, chega aos 661 contos para veículos normais e para os mini-autocarros já chegamos a valores na ordem dos 2.200 contos. Nos autocarros maiores os incentivos financeiros chegam aos 5.500 contos e para os táxis, além do incentivo financeiro para veículo normal, há o benefício de um bónus de mais 220 contos. Porque os táxis circulam em média dez vezes mais do que um veículo normal. Por isso, nos táxis, o contributo para a redução da emissão de gases poluente é muito maior do que num veículo normal. E estamos já a analisar para, na próxima fase do programa, aumentar os incentivos para táxis tendo em conta que é um segmento importante e que tem estado a solicitar apoios no âmbito do PROMEC e também é um bom demonstrativo. Se tivermos táxis eléctricos a funcionar normalmente isso cria confiança para as pessoas adquirirem carros eléctricos.

E o concurso para a criação da infraestrutura?

Foi lançado. Está adjudicado. Os contratos estão praticamente negociados e em fase de formalização da assinatura que deverá decorrer dentro de dias.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1121 de 24 de Maio de 2023. 

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Autoria:Andre Amaral,28 mai 2023 10:54

Editado porSheilla Ribeiro  em  21 fev 2024 23:29

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