“Crescimento económico não se está a fazer sentir junto das pessoas”

PorAndré Amaral,23 jul 2023 12:49

João Baptista Pereira, líder parlamentar do PAICV
João Baptista Pereira, líder parlamentar do PAICV

Líder parlamentar do PAICV traça um quadro de dificuldades e desafios que se colocam ao país e diz que os “cabo-verdianos estão a atravessar grandes dificuldades” e que é “inaceitável que os fundos públicos possam estar a ser geridos sem qualquer tipo de controlo”.

Estamos a chegar à última sessão parlamentar do ano, sessão sobre o estado da nação. E a pergunta que se impõe é exactamente essa, qual é o estado da nação, na opinião do PAICV?

Naturalmente que o debate sobre o estado da nação, que vai acontecer agora no final do mês, será sempre uma avaliação a meio percurso, mas penso que não se pode olhar para o estado da nação neste momento sem referir à inflação alta generalizada de preços e das consequências que isso tem tido sobre a vida dos cabo-verdianos. A inflação tem sido alta nos últimos anos. Não houve qualquer reposição do poder de compra dos cabo-verdianos por parte do governo. O aumento que foi aprovado no quadro do Orçamento do Estado para 2023, como se sabe, foi um aumento muito tímido, que além de abranger um número muito reduzido de trabalhadores situa-se entre 1 e 3,5%. Ou seja, quem ganha sessenta e nove mil escudos com o aumento dado teria um aumento de 1%, mais 690$00. O poder de compra dos cabo-verdianos está muito debilitado e isso tem gerado grandes dificuldades, desde logo às famílias mais desfavorecidas, particularmente no mundo rural, mas também no meio urbano. Por causa da seca prolongada a insegurança alimentar tem vindo a aumentar e os últimos dados sugerem que a subnutrição está a atingir cerca de 2,8% da população e aqueles que estão em situação de insegurança alimentar moderada são 37% da população. Portanto, é de facto uma situação complicada para Cabo Verde.

O governo, no entanto, tem apontado para valores de crescimento económico históricos…

Sim, tem apontado para um valor histórico de crescimento económico, é um facto, mas é preciso ter em conta que estamos a vir de um período de recessão também muito, muito acentuado. O que nós podemos registar é que Cabo Verde já está a aproximar-se do potencial de crescimento. Seja como for, em termos de crescimento verificado, neste ano o que se está a verificar é que esse crescimento económico não se está a fazer sentir junto das pessoas. Os cabo-verdianos estão a atravessar grandes dificuldades. Assistimos a uma procura massiva de gente que quer sair do país. Muitos destes são quadros. já formados, pessoas com emprego com família constituída, que decidem deixar o emprego e ir para a emigração por conta das dificuldades, porque não há como, neste contexto, as pessoas poderem suportar as despesas mensais. Ainda por cima, pensar em fazer alguma poupança ou ter uma perspectiva de futuro.

Também temos assistido a alguns episódios de insegurança no país…

Ia tocar justamente na questão da segurança que, infelizmente, não tem melhorado ao longo dos anos. Quando olhamos para os dados que constam dos relatórios dos últimos anos e assistindo àquilo que tem acontecido nestes últimos meses estamos conscientes que a criminalidade está a aumentar. Os homicídios estão a aumentar, os crimes contra a propriedade também estão a aumentar, a proliferação de armas é evidente. Cabo Verde tem uma taxa de homicídio elevada. Portanto, é uma situação calamitosa. Nunca atingimos esse patamar. E tendo em conta apenas os dados de 2022, porque este ano está praticamente a meio. O clima de insegurança tomou conta das pessoas. É preciso fazer um trabalho de fundo para as pessoas poderem sentir-se seguras e poderem sair. Agora chegam os meses de verão. Portanto, é esperar para ver o que vai acontecer. Mas, por último, eu penso que há outra situação que nós não podemos deixar de ter em conta quando olhamos para o estado da nação e que é o escândalo em torno da gestão dos recursos públicos. Permita-me eventualmente estar a ser insistente, mas nós não podemos deixar de olhar para essa questão. Se nós temos tantas dificuldades, se as pessoas estão a passar por problema, é inaceitável que os fundos públicos possam estar a ser geridos sem qualquer tipo de controlo. Isso foi uma das coisas que nos levou a avançar com a moção de censura. Eventualmente muitos não compreenderam e mesmo o governo quis dramatizar dizendo que nós queremos derrubar o governo. Não é nada disso. O quadro constitucional é absolutamente claro. Nós defendemos a estabilidade governativa e que os mandatos são para ser ocorridos, o que não quer dizer que não haja razões para aqui e acolá o governo ser censurado. Toda a oposição esteve unida a censurar o governo relativamente à forma intransparente como tem gerido os recursos públicos.

E em termos políticos que balanço faz deste ano que está a terminar?

Eu teria de dizer que a nível parlamentar nós tivemos um ano positivo. É sempre um trabalho intenso. Nós cumprimos toda essa parte que tem a ver com a fiscalização e o controlo da acção governativa, a produção de muita legislação. Também avançamos com a eleição dos órgãos externos do Parlamento que era, de facto, uma matéria que estava e continua a estar na agenda do Parlamento, porque ainda faltam três órgãos. Estou convencido que vamos também fazer isso ao longo deste ano.

Voltando à questão da moção de censura. Não vos pareceu uma medida extrema?

Não, não pareceu. O que fica claro é que nós, em Cabo Verde, precisamos exercitar ainda muito mais o quadro de direitos que a Constituição nos confere e outras leis. A nossa Constituição, tem vários institutos como referendo, a iniciativa legislativa dos cidadãos e outros mecanismos que nunca foram exercitados em Cabo Verde e precisam ser. Cabo Verde teve uma moção de censura em 2006, e um jovem, que na altura tinha dez anos, seguramente nem deu conta do que se estava a passar. Mas agora estará seguramente na universidade e já tem uma referência. Já sabe que isto é possível, que o governo pode ser censurado. Eu estou certo de que muita gente agora foi aprofundar o conhecimento da Constituição, foi ver exactamente o que significa a moção de censura. Foram ver quais seriam as consequências e, portanto, isto tudo são vantagens que nós devemos contabilizar e o governo deve estar ciente de que a oposição fará o uso de todos os meios constitucionais democráticos para controlar a acção governativa. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1129 de 19 de Julho de 2023.

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Autoria:André Amaral,23 jul 2023 12:49

Editado porSheilla Ribeiro  em  24 jul 2023 12:31

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