Mafalda Duarte, Fundo Verde para o Clima : “Tem faltado a liderança política necessária”

Mafalda Duarte, directora executiva do Fundo Verde para o Clima
Mafalda Duarte, directora executiva do Fundo Verde para o Clima

Directora do Fundo Verde para o Clima quer que Acordo de Paris saia do papel e pede lideranças à altura das ambições.

À hora de fecho destas páginas, ainda não havia ‘fumo branco’ nas negociações na Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP28). O rascunho de um possível acordo, publicado na segunda-feira, 11, foi amplamente rejeitado. O documento não fazia referência directa à eliminação gradual dos combustíveis fósseis (um dos pontos mais esperados e debatidos na cúpula), ignorando algo defendido por muitos países defendem, incluindo Cabo Verde.

Durante a madrugada de terça-feira, os países ocidentais, estados insulares, países africanos e latino-americanos reiteraram a sua oposição ao rascunho da declaração final.

Mas nem tudo é impasse. A criação do Fundo de Perdas e Danos relativo ao clima foi uma decisão histórica, tomada logo no início da conferência, com o objectivo de ajudar os países mais vulneráveis. Contudo, a sua operacionalização e financiamento são questões por acordar.

Durante a COP28, a directora executiva do Fundo Verde para o Clima, Mafalda Duarte, não escondeu o desejo de ver cumprido o compromisso dos países desenvolvidos, em contribuírem com 100 mil milhões de dólares por ano para as nações em desenvolvimento.

A responsável do mecanismo financeiro da ONU para o financiamento climático ambiciona, igualmente, acções concretas para efectivar o Acordo de Paris, assinado em 2015.

Quando ainda não era conhecido o desfecho da cimeira, Mafalda Duarte falou à Rádio Morabeza e ao Expresso das Ilhas.

Que expectativas existiam antes desta COP?

A expectativa de que o compromisso dos países desenvolvidos, de trazerem 100 mil milhões de dólares por ano de apoio aos países em desenvolvimento, fosse alcançado este ano. Aquilo que eu ouvi antes de chegar à COP é que havia grande esperança que assim fosse, mas, claro, é um ponto controverso, porque vários representantes dos países em desenvolvimento questionam a metodologia usada para determinar se se alcançou os 100 mil milhões ou não. De qualquer forma, mesmo que os 100 mil milhões tenham sido alcançados, as necessidades são bastante maiores e o nível de ambição precisa ser bastante maior.

É uma ambição que se pretende alcançar e é algo realmente necessário…

É extremamente necessário. Para já, nós não vamos conseguir alcançar as metas do Acordo de Paris se os investimentos que vão ser feitos nos países em desenvolvimento não estiverem alinhados com o Acordo de Paris, em termos de serem a baixo carbono e resilientes ao impacto climático. Depois, há uma outra questão que é o facto de os países em desenvolvimento estarem a sofrer desproporcionalmente os impactos das alterações climáticas e, como tal, tem de haver uma responsabilidade da parte dos países desenvolvidos em apoiar estes países a fazer face a estes impactos.

Acha que tem faltado um esforço político e de liderança internacional?

Acho que tem faltado a liderança política necessária ao nível de ambição necessário.

A conversão de parte da dívida de Cabo Verde para com Portugal em fundo climático é um caminho a seguir?

Eu acho que é um passo bastante importante e tem sido referido que é um dos mecanismos importantes que devem ser mais explorados: trocar a dívida dos países. Já se sabe que os países em desenvolvimento, ainda mais agora, depois da pandemia e com a guerra na Ucrânia, estão altamente endividados, ainda mais do que anteriormente. Portanto, [deve-se] apoiar este tipo de iniciativas de troca de dívida, para se fazerem investimentos ligados a alterações climáticas que, basicamente, impeçam que os próximos impactos sejam bastante mais pesados. É muito importante.

Sabemos que a dívida de Cabo Verde para com Portugal é muito maior do que aquilo que foi, para já, acordado. Acha que há espaço para aumentar o valor convertível?

Depende de alguns factores. Eu não conheço os detalhes desta transacção. Eu sei que, a nível global, é um dos mecanismos que tem sido bastante discutido como tendo grande potencial e que deveria ser mais usado. Potencialmente, outros credores de Cabo Verde deveriam seguir o exemplo de Portugal e fazer a mesma coisa. E à medida que se vejam os resultados, seja possível fazer mais. Mas, claro, não posso falar por Portugal, porque não conheço os detalhes.

Os passos que estão a ser dados são suficientes perante os desafios que estamos a enfrentar a nível global?

Não, não são suficientes. E, inclusive, factos mais recentes, evidências mais recentes, divulgadas por importantes cientistas, mostram que estamos muito, muito fora da trajectória. Se não prestarmos muita atenção em elevar o nível de ambição, de forma muito acentuada e muito agressiva, estamos a correr grandes riscos de alcançar 1,5 graus já dentro desta década, não na década de 2030 ou 40, o que tornaria necessário atingir a neutralidade carbónica em meados de 2030 e não em 2050. Se já é um desafio enorme alcançar essa neutralidade em 2050, podem imaginar quão difícil será se for necessário alcançá-la em 2035.

*com Nuno Andrade Ferreira

A Rádio Morabeza viajou ao Dubai a convite da CFI – agence française de développement médias.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1150 de 13 de Dezembro de 2023.

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Autoria:Fretson Rocha (Rádio Morabeza no Dubai),16 dez 2023 7:50

Editado porSara Almeida  em  8 mai 2024 23:28

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