Tendo em conta o contexto, o que é que podemos esperar para o próximo ano?
Bom, como digo, com alguma reserva da bola de cristal, eu diria que para o próximo ano alguns dados são conhecidos, nomeadamente os económicos e os relatórios do Fundo Monetário Internacional sobre a economia internacional em que se prevê uma diminuição da inflação, em que o crescimento das economias americana principalmente e europeia será débil – os americanos falam em 1% de crescimento. A que se juntará a China com um crescimento abaixo do que tem sido normal. Em 2023 está a ser entre 5.7 e 5.3% e para 2024 prevê-se 4.5. Isto leva também a uma situação financeira mais estável, eventualmente a uma diminuição das taxas de juros e, portanto, a situação económica, digamos, de uma forma geral, tenderá a melhorar, pese embora esta questão do crescimento relativamente lento das economias. Mas tudo isto só será verdade se, na geopolítica, não houver mudanças significativas. Vai haver 30 e tal países em votações legislativas ou presidenciais, entre as quais as grandes economias do mundo, e, portanto, vai depender também, eventualmente, destas mudanças, ou melhor, o que essas mudanças poderão significar. Vamos ter eleições importantes nos Estados Unidos da América, vamos ter eleições no México, vamos ter eleições na Índia, diria que na Índia as eleições não parecem criar algum problema, porque o partido no poder se manterá, e o Primeiro-ministro também. Nos Estados Unidos teremos esta reprise entre Biden e Trump em que não sabemos exactamente o que é que irá dar. No México parece que vamos ter uma senhora como Presidente. Há duas candidatas fortes. Parece que a oposição tem algum protagonismo para a levar a ganhar a eleição. Vamos ver o que isto significa. Na Europa, Portugal terá eleições também, com eventuais reflexos no quadro da imigração, que, por seu turno, continua a ser um tema internacional, quer no Mediterrâneo, quer, nomeadamente nos Estados Unidos. Há, tendencialmente, uma diminuição do poder do Ocidente correspondente a uma fragmentação geopolítica. A entrada de novos actores na cena, novos blocos e o reforço destes blocos, nomeadamente, o que é que poderá acontecer com os BRICS, que poderão tomar esta forma multipolar que está em crescimento, poderá ter impactos importantes, nomeadamente, num dos casos que é, observa-se, que poderá ser um aumento de inflação, dependendo do que vai acontecer. A Christine Lagarde, a Presidente do Banco Central Europeu, aliás, já alertou para isso. E digamos que estas são as grandes linhas. Nós, no nosso continente, na sub-região, vamos ter eleições no Mali, vamos ter eleições no Togo, vamos ter eleições importantes no Senegal e, digamos, a situação na nossa sub-região tenderá, direi eu, a manter-se tal como está. O Níger a anunciar uma renegociação das ajudas militares existentes após a saída dos franceses, restam ainda 1.300 americanos e cerca de cem alemães e italianos e penso que ainda terá mais uma ou outra nacionalidade. Para a CEDEAO em si, pessoalmente, não penso que possa haver grandes alterações da situação actual.
Vamos então aqui por partes. A questão das eleições. Como disse, na Índia, o cenário está mais ou menos traçado e no México também. Como é que vê estas eleições nos Estados Unidos?
Há um problema que é a imigração. Há um problema que diz algo a muitos americanos. Trump tinha o seu muro e parece ser o candidato que recolhe o maior número de adeptos sobre esta questão da imigração. Tinha o seu muro, que foi interrompido por Biden. Temos esta marcha que está acontecendo agora de latino-americanos em direcção à fronteira americana, que levou a que o secretário de Estado americano, Anthony Blinken, a estar no México para discutir um pouco sobre esta situação e ver como ultrapassar esta questão da imigração que é importante. Trump, como todos sabemos, está a ser “perseguido” pelos tribunais, que poderão determinar, inclusivamente, a inelegibilidade e, portanto, consequentemente, a sua apresentação como candidato republicano. Vai depender muito, porque as eleições ainda serão mais para o fim do ano, do que vier a acontecer, nomeadamente a nível judicial. Penso que Biden, por seu lado está um pouco fragilizado. Essencialmente pela idade que tem e que também parece não conquistar grande parte do eleitorado precisamente por isso. Mas, enfim, veremos, sendo os dois únicos candidatos, veremos quem mais poderá aparecer, quem mais poderá ter algum crédito. Do lado republicano, parece mais viável do que do lado democrata. Enfim, veremos o que vai acontecer, de qualquer maneira, esperemos que Biden possa ganhar as eleições de novo.
Depois temos, também, a questão dos conflitos na Europa e no Médio Oriente. Começando pela Europa: a guerra da Ucrânia, tudo indica que se vai continuar a arrastar, mas houve uma notícia, indirectamente relacionada com isto, que deu conta da aprovação, da adesão da Suécia à NATO. Isto vem mudar bastante o cenário político e militar, acima de tudo, não é?
Sim. No contexto geopolítico, muda. Muda e é uma mudança, digamos, já esperada, não tanto em termos militares como geopolíticos. Mas, todavia, em relação à guerra da Ucrânia, eu penso que estamos numa situação sem grandes mudanças no terreno, será importante para a Ucrânia manter, de facto, a sua saída para o mar e, portanto, conseguir que a Odessa continue a ser parte do seu território. Eu penso que haverá, na primavera, após este inverno em que as coisas estão paradas, apesar da tomada anunciada de uma das cidades da frente, pela parte russa, eu penso que a guerra está mais ou menos estacionada. E, portanto, nós vamos deixar passar e ver aquilo que são as manobras militares e as ofensivas e contra-ofensivas da primavera. Daí resultando, penso eu, algo que pode ser importante. Porque, se se continuar a manter essas posições mais ou menos idênticas no terreno, eu acredito que estejamos próximos de uma negociação de cessar-fogo, que poderá acontecer ainda este ano ou este ano. E, portanto, vai depender um bocadinho, na minha óptica, aqui, um bocadinho do que vai acontecer na primavera ou logo a seguir à primavera. Consoante o que acontecer no terreno, poderão estar criadas condições com algum amadurecimento que não existe neste momento, ainda, para negociações de paz.
E, relativamente a Israel e à Faixa de Gaza, prevê que este conflito possa abrandar nos próximos tempos?
Bom, eu penso que o conflito em si, Israel-Hamas, poderá abrandar. A questão está em saber se esta guerra, a preocupação maior é que ela não se torne uma guerra regional. E, portanto, vai depender aqui de alguma atitude, nomeadamente e principalmente de Israel. Porque continuar a extremar as posições e a continuar a fazer o que está sendo feito, não é exequível esta situação por longo tempo. Porque não é admissível isto tudo esteja a acontecer, debaixo dos olhos de toda a opinião pública mundial, que não está de acordo com isto. E, portanto, alguma coisa irá acontecer. Nomeadamente, a continuar aquilo que se deputava ver notícias dos expurgos, até na própria Cisjordânia, em relação aos árabes, etc., etc. A questão do Hezbollah, a questão do sul do Líbano, aliás, onde os franceses se despacharam, creio que a ministra dos Negócios Estrangeiros para discutir um pouco sobre esta questão dos eventuais ataques de Israel, das forças de defesa israelitas ao exército libanês. E, portanto, há aqui este perigo, porque lá temos a questão do Iémen, os hutis, não é? A navegação no Mar Vermelho, e do próprio Irão. Portanto, nós temos aqui todos os elementos, como já sabemos, que podem potenciar um conflito regional, que todos andam a tentar evitar. De modo que, sobre o Hamas, eu penso que não é aceitável. Esta situação vai ser alterada, Israel não pode mesmo, não tem condições de continuar a fazer isto. Aliás, em termos internos, há uma oposição crescente em relação ao próprio Primeiro-Ministro, já havia, aliás ele está entre a espada e a parede, porque, no fundo, ele corre sérios riscos de ser demitido, e aí ter que enfrentar os processos judiciais que correm contra ele. E, portanto, isto é todo um expressar de uma ultradireita israelita, que não tem de ver, obrigatoriamente, com a maioria da população do território, ou mesmo com a maioria dos israelitas, ou, melhor ainda, dos judeus. Eu penso que os americanos vão continuar a fazer uma grande pressão, neste momento também já mandaram mais um enviado do Presidente Biden a Israel, e, portanto, penso que não é possível continuar o conflito nos modos em que está a decorrer por muito mais tempo. Eu diria, ainda, que a questão da Palestina se mantém. Saber como fazer e o que fazer, e o que fazer a seguir em relação à paz delegada, é toda uma outra questão, porque esta situação criada, depois dos atrasos, sobre esta reacção israelita, no fundo, a meu ver, cria graves dificuldades da própria sobrevivência de Israel. Porque cria inimigos mais do que seriam, vamos dizer assim, todos os que estão à sua volta, e mais, não vejo para um futuro que vai restar da população de Gaza, não sejam os ditos terroristas do amanhã.
Uma última questão. A sub-região africana do Sahel, tem sido palco de vários golpes de Estado, vários governos têm caído sob golpes de Estado. Esta instabilidade é para continuar?
Difícil responder. Porquê? Porque em grande parte destes países, as democracias não têm funcionado. E os poderes instituídos não são capazes de valer às necessidades básicas, ou pelo menos às esperanças das suas populações. E isto tem criado uma revolta latente, que é, nomeadamente, aproveitada pelas forças armadas, que são sempre as grandes salvadoras da pátria. Porque não basta haver eleições para haver democracia. É uma questão básica, mas não é tudo. E, por exemplo, havendo muitas eleições manipuladas, truncadas, compradas, etc., o único meio de alterar o sistema é pelo golpe militar. Que não é aceitável democraticamente falando, mas que tem surgido como única alternativa de mudança do poder. A questão que se coloca é, faz-se um golpe de Estado e depois mantém-se o mesmo sistema. E este tem sido o grande problema dos governos e da situação em África. Se vai haver mais, se vai haver menos, eu diria que o que é importante é haver uma maior democraticidade nos países e na nossa sub-região e de África em geral. Tem de haver uma democracia que funcione melhor e que de facto venha ao encontro dos desejos das populações.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1153 de 3 de Janeiro de 2024.