Consumidores sentem-se lesados nas compras

PorSheilla Ribeiro,1 jun 2024 8:14

A falta de confiança nas balanças utilizadas em supermercados e mercados gera uma onda de insatisfação entre os consumidores que reclamam pagar mais devido à pesagem de produtos alterada. A Inspecção Geral das Actividades Económicas (IGAE) confirma a irregularidade, mas diz não poder fazer nada devido à falta de instrumentos de aferição.

Joana Vieira, dona de casa, é categórica na sua desconfiança na pesagem dos produtos nos mercados e supermercados.

“Os produtos vendidos por quilo no mercado e nos supermercados nunca chegam ao quilo, são todos vendidos a menos: feijão, frango, farinha, batata, por exemplo. Não confio em nenhuma balança usada pelos operadores, todos fazem a sua aldrabice nas balanças. Pagamos por um quilo e em casa quando pesamos são três quartos,” acusa.

Segundo esta dona de casa, a mesma situação ocorre com produtos vendidos ao litro e por isso pede mais fiscalização.

“É preciso fiscalização nas balanças, nos pesos e medidas porque nunca são vendidos pelo peso exacto. Nos minimercados, por exemplo, compramos um saco de um quilo de farinha, mas a olho podemos ver que não é exactamente o que alegam ser. Em muitos minimercados, não em todos, é notório que o peso não bate, vê-se logo a diferença. Quando é assim não reclamo, mas deixo de comprar naquele lugar”, refere.

Perspectiva das vendedeiras

O Expresso das Ilhas esteve no mercado do Plateau e conversou com duas vendedeiras, que admitem que, embora elas próprias não alterem as balanças, há quem o faça, resultando em muitas reclamações por parte dos clientes.

Elizângela, por exemplo, tem uma balança de dois pratos e uma balança electrónica. Conforme conta, após pesar os produtos na balança de dois pratos que possui há mais de dez anos, confirma o peso na electrónica.

“Apesar de ter mais de dez anos, a balança de dois pratos nunca teve problemas, o valor é sempre exacto. Peso na balança de dois pratos e quando coloco na balança electrónica o peso é exactamente igual. Tem de dar exacto mesmo, porque eu sou responsável por trazer a compra de outras rabidantes”, explica.

Ainda assim, Elizângela refere que as pessoas reclamam sempre que o peso que lhes é vendido não corresponde à quantidade do produto. Entretanto, a vendedeira garante que não altera o peso dos produtos.

“As pessoas costumam reclamar que o peso vendido não é exacto, mas cada rabidante tem o seu próprio peso. O peso é a consciência de cada um, e eu não altero nada”, assegura.

Por sua vez, Simone, de 29 anos, também usa uma balança de dois pratos que antes era utilizada pela mãe.

“Essa balança é mais velha do que eu, eu tenho 29 anos e antes de eu nascer a minha mãe já a possuía. Às vezes descompassa, mas não é sempre. Quando acontece descompassar tiro os pratos e encaixo a peça do meio. Mas, quando isso acontece, é porque coloquei peso a mais nos pratos, mas depois posso regular,” diz.

A vendedeira acredita que a balança de dois pratos é mais exacta do que as outras balanças, quer de mão, quer as balanças electrónicas usadas nos supermercados.

“Se nessa balança um produto pesar 1 kg, nos supermercados o peso é 1 kg mais um quarto ou um quilo e meio. Às vezes as pessoas chegam aqui com um quilo de fruta que compraram num supermercado para verificar e aqui sempre dá menos”, afirma.

Contudo, a jovem admite que não é só nos supermercados que os pesos são adulterados, reconhecendo que há vendedeiras desonestas dentro do mercado.

“No peso da balança de prato, muitas retiram a cabeça e tiram tudo lá de dentro, e o peso fica mais leve; quando é assim, o cliente paga mais e leva menos produto. O peso funciona conforme o carácter de cada pessoa. Muitas pessoas já pesaram na balança de outras vendedeiras e depois confirmaram nas outras”, conta.

Simone observa ainda que as balanças de dois pratos já não são mais vendidas e muitas vendedeiras agora usam balanças suspensas, vendidas no chinês que considera menos confiáveis.

“Essas balanças são ainda mais ladras, roubam muito peso do cliente. Acontece muito as pessoas reclamarem do peso. Quando é assim, eu sempre mando verificar nas outras vendedeiras porque eu sei que não roubo de ninguém”, realça.

Tanto Elizângela, como Simone afirmam que nunca as balanças foram fiscalizadas naquele mercado e desconhecem a existência de uma autoridade competente para tal.

IGAE reconhece alterações nas balanças

Paulo Monteiro, Inspecção-geral das Atividades Económicas (IGAE), reconhece que, frequentemente, ocorrem alterações nos pesos, afectando directamente os consumidores.

“Se a fiscalização for levada ao pé da letra, não fica uma balança de pé em Cabo Verde”, salienta.

Conforme explica o Inspector-geral da IGAE, as balanças usadas quer nos minimercados, quer nos mercados, têm de ser aprovadas pelo Instituto de Gestão da Qualidade e da Propriedade intelectual (IGQPI), que tem de fazer a aferição das mesmas.

“A IGAE não faz a aferição das balanças. A IGAE fiscaliza se a balança se encontra com a sua metragem. Se num minimercado, por exemplo, a balança não estiver com a aferição do IGQPI, a IGAE pode responsabilizar o operador, considerando uma infracção», explica.

O Inspector-geral da IGAE admite que a falta de aferição adequada é um problema significativo e aponta a necessidade de normas mais rigorosas, visando proteger os consumidores contra práticas desleais.

“O consumidor não pode pagar por um quilo de açúcar nos sacos sem rótulos que não têm um quilo, mas sim 995 gramas. Menos cinco gramas. Mas, se multiplicarmos esses cinco gramas 100 vezes, serão cinco quilos”, exemplifica.

Paulo Monteiro argumenta que, nesses casos, a IGAE não pode fazer muito já que a aferição das balanças cabe ao IGQPI. Se não houver aferição por parte do IGQPI, diz, caso a IGAE levante um processo, o comerciante pode alegar que não fez a aferição da balança porque ninguém foi lá fazer.

                                                                                         

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“Então, às vezes ficamos numa situação de não prejudicar ou não condenar um operador por uma questão que, às vezes, ele não tem a total culpa”, justifica.

Actualmente, prossegue, a IGAE não possui um aparelho de aferição. Ainda assim, o presidente garante que a instituição, para proteger o consumidor, colecta amostras de produtos para verificar a precisão dos pesos declarados.

“Quando detectamos que um saco tem menos peso do que supostamente deveria ter, a IGAE recolhe esse saco que fica como meio de prova porque se trata de uma infracção, o operador engana o consumidor, então fica registado como uma infracção grave e depois levantamos um processo», explana.

Balanças informais desafiam IGQPI

Ao Expresso das Ilhas, o director de Serviços de Metrologia do Instituto de Gestão da Qualidade e da Propriedade intelectual (IGQPI), José António Carvalho, clarifica que a instituição tem a responsabilidade de controlar os instrumentos de medição utilizados no circuito comercial, incluindo as balanças.

No entanto, essa actividade está actualmente delegada a uma empresa privada, que realiza inspecções e calibrações anualmente e os operadores devem solicitar nova verificação próxima ao vencimento do período de um ano para garantir a conformidade.

José António Carvalho garante que as balanças usadas pelas empresas formalizadas são de alta qualidade metrológica e que os erros encontrados durante as verificações são raros e corrigidos de imediato pelos técnicos de manutenção.

Um dos maiores desafios mencionados por Carvalho é a dificuldade de alcançar balanças no sector informal, onde muitas são de baixa qualidade e utilizadas sem controle adequado.

“Temos muitas balanças no sector informal que não são verificadas, o que representa um problema significativo. A empresa responsável enfrenta dificuldades para operar nesse segmento. É um desafio que o Instituto ainda tem de enfrentar, tem de resolver, que é massificar o controlo das balanças em todos os estabelecimentos comerciais, sendo retalhista ou informal”, admite.

Para enfrentar esse desafio, Carvalho anunciou um programa de consciencialização e informação destinado aos operadores económicos do sector informal.

“Estamos a desenvolver uma campanha de verificação de instrumentos de medição que incluirá acções de sensibilização sobre a importância da calibração correcta das balanças,” diz.

Todavia, o director de serviços de metrologia enfatiza a necessidade de uma maior cultura de reclamações entre os consumidores cabo-verdianos.

“Há poucas reclamações sobre balanças. Precisamos reforçar a cultura de reclamações para poder responder adequadamente,” apela.

Segundo José António Carvalho, qualquer adulteração no funcionamento ou modificação de componentes das balanças sem autorização do IGQPI pode resultar em contra-ordenações e penalizações graves ou muito graves.

O responsável elucida ainda que a responsabilidade técnica de verificar as condições das balanças é do IGQPI, enquanto a IGAE fiscaliza se os instrumentos foram verificados e possuem a etiqueta de conformidade.

ADECO

Segundo a Associação para Defesa do Consumidor (ADECO) não há registo de queixas formais sobre discrepâncias nos pesos das balanças em supermercados e mercados.

“Por vias informais tem havido um descontentamento dos consumidores indicando alguma desconfiança, particularmente quanto às balanças de venda ambulante”, diz a ADECO.

Nesse sentido, a associação destaca a importância da formalização das reclamações para garantir uma base sólida de actuação.

“O que a ADECO recomenda, é que se faça a formalização da reclamação sobre a situação concreta, com a indicação dos sujeitos envolvidos, local, data, tipo de bem sujeito a pesagem, etc., para poder constar como registo, para efeitos de comparação e estatísticas e para termos base junto dos parceiros com poder de actuação”, aconselha.

Para os consumidores, a ADECO sugere um método prático para verificar a precisão das balanças.

                                                     

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“O que está ao alcance do consumidor é exigir o talão de compra e conferir numa outra balança se a medida de massa está correcta e registar. Caso a medida não esteja correcta, deve fazer uma reclamação no livro de reclamações no próprio estabelecimento, ou junto da IGAE, ou da ADECO”, propõe.

A ADECO também recomenda a verificação do peso em mais de um aparelho e o registo dos resultados.

“Recomendamos o procedimento anteriormente indicado de verificar o peso em mais de um aparelho em lugares diferentes, fazer os registos e avançar com a reclamação, se justificar. Na impossibilidade, de dois registos, com apenas um diferente do indicado com o pesado e cobrado, deve manter o produto conforme o recebeu para ser medido pelas entidades com poder de fiscalização e intervenção”.

A confiança dos consumidores no mercado depende de uma fiscalização eficaz, sublinha a ADECO. “Para que o consumidor tenha confiança no mercado, neste caso específico, na veracidade da medida de massa das balanças em supermercados e mercados, é preciso que a fiscalização das Câmaras Municipais, da IGAE e da IGQPI funcione, mas infelizmente em Cabo Verde este aspecto é muito negligenciado pelas autoridades competentes”, pontua. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1174 de 29 de Maio de 2024.

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Autoria:Sheilla Ribeiro,1 jun 2024 8:14

Editado pormaria Fortes  em  3 jun 2024 14:22

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