Seca, roubos e invasão de água salobra diminuem produção em Santa Cruz

PorSheilla Ribeiro,27 jul 2024 7:46

O concelho de Santa Cruz, conhecido pela abundante produção de bananas no país, enfrenta uma diminuição considerável na colheita. Em Ribeira dos Picos, o cenário de bananeiras a perder de vista deu lugar a várias áreas vazias, resultado da falta de chuvas e da invasão de água salobra nos terrenos, conforme relataram ao Expresso das Ilhas os produtores locais.

Logo à entrada de Ribeira dos Picos, a poucos metros do túnel de Santa Cruz, encontramos Constantino Mendes, agricultor que cultiva bananas, papaia, coco e pimentão. Essa última hortaliça, conforme refere, deixou de produzir recentemente devido à falta de água.

Este agricultor possui aproximadamente 150 bananeiras e 200 pés de papaia. Os seus principais clientes são as rabidantes que abastecem a Cidade da Praia e outras ilhas. No entanto, a falta de água tem imposto um pesado fardo sobre a produção.

“Neste momento, algumas bananas são vendidas por 120 escudos o quilo e outras por 140. Antes, quando tínhamos água abundante, vendíamos por 50, 40 ou até mesmo 30 escudos,” lamenta.

A escassez de água não é o único problema. Constantino relata que os roubos frequentes de bananas têm forçado os agricultores a vender a fruta antes do ponto ideal de maturação.

“Temos de vender as bananas ainda miúdas porque senão são roubadas e não ganhamos nada. Já fizemos várias queixas. Tenho um primo a quem roubaram 4 cachos de banana. Para não arriscar sermos roubados e não ganhar nada, preferimos não deixar engrossar,” explica.

O agricultor justifica que os constantes furtos acabam por influenciar directamente no aumento do preço da banana, além da já mencionada falta de água.

Outro factor que contribui para o aumento do preço são os insumos agrícolas, como fertilizantes e pesticidas. “Enxofre está muito caro. Tudo isso faz com que aumentemos o preço da banana. Ainda assim, para quem produz esse preço é baixo”, afirma, acrescentando que a rentabilidade da venda de bananas é mínima. “Eu não diria que compensa vender bananas, mas é um pão para a boca, suficiente apenas para comer”, salienta.

A falta de mão-de-obra também é um desafio crescente, visto que muitos jovens têm emigrado em busca de melhores condições de vida.

“Eu trabalho sozinho, mas há períodos em que tenho de contratar pessoas. Temos outro problema que é a falta de mão-de-obra. Muitos emigraram, os jovens, principalmente,” afirma.

A esperança de que este ano possa trazer alguma chuva está mais acesa do que nunca.

“Todos os produtores da Ribeira dos Picos queixam-se da falta de água. Não há chuva, então, se alguém nos disponibilizasse água, seria uma ajuda. Este ano é o último que temos esperança. São praticamente nove anos sem chuva”, lastima.

“Aqui era cheio de bananas e hoje praticamente não tem quase nada. Aqueles que ficam mais perto das rochas ainda têm um bocadinho de água. Dizem que Ribeira dos Picos é a melhor ribeira da ilha de Santiago, mas hoje não sei se é, está muito seco. Este ano é a última bala da pistola, se não arrebentar não teremos mais nada,” admite.

“Produzir banana tornou-se caro”

Um pouco mais acima, encontramos Chan, uma agricultora que há anos se dedica à produção de banana. Assim como Constantino, a agricultora enfrenta os desafios da escassez de água e os frequentes roubos, que dificultam a produção e a comercialização daquela fruta.

“Produzir banana tornou-se caro. Não temos água suficiente e ainda temos de lidar com as perdas derivadas do roubo” afirma Chan.

A agricultora explica que, apesar da emigração de muitos jovens, ainda há pessoas suficientes na localidade, mas a falta de vontade para trabalhar é um problema constante. “É verdade que emigraram muitos jovens, mas os que cá ficaram são mais dos que foram. O problema é que não querem trabalhar”, alega.

Chan sublinha a necessidade de uma intervenção governamental para resolver a questão dos roubos, que tem gerado muitos prejuízos.

A agricultora, o marido e os filhos fazem todo o trabalho na propriedade e, sem alguém “interessado em trabalhar”, diminuíram a produção. Ainda assim, com mais de 200 bananeiras, a agricultora enfrenta dificuldades para vender as bananas a um preço justo devido aos roubos e à escassez de água.

“Vendo bananas a 120 ou 130 escudos o quilo. Se deixar engrossar bastante, vendo a 160 escudos o quilo. Mas, como é que as bananas vão engrossar se temos, constantemente, de correr do ladrão? Não dá, e temos de vender a 120 ou 130 escudos o quilo umas bananas miúdas”, justifica.

Todos esses desafios fizeram com que esta produtora mudasse a estratégia de venda. Antes fornecia bananas às lojas e rabidantes da Cidade da Praia, algo que deixou de fazer. “Hoje os meus clientes são as rabidantes locais”, realça.

Apesar da alta procura por bananas, a produção tem sido insuficiente para atender à demanda. “Há muita procura por banana, muita, mas temos escassez de bananas. Aqui, Ribeira dos Picos, era uma ribeira de bananas e quem a conheceu no passado se vir o seu estado hoje chora. Chora porque praticamente já não há bananas”, suspira.

Para contornar as dificuldades, Chan investiu no sistema de irrigação gota-a-gota, que considera a sua “melhor aposta”.

“Agora, com o sistema gota-a-gota, desgasta menos o trabalhador, dá para trabalhar com mais facilidade. Apostar na gota-a-gota foi a minha melhor aposta e espero puder colocá-la em toda a minha propriedade. Mas aos poucos vou fazendo isso”, confessa.

Chan acredita que a redução dos preços do sistema de irrigação pode melhorar a vida dos produtores. “Se se baixar os preços a vida dos produtores vai melhorar. Quem conhecer o sistema gota-a-gota não vai mais fazer o alagamento, já que desperdiçamos muita água. Gota-a-gota, com pouca água, temos comida garantida. Paguei cerca de dois mil escudos porque foi no âmbito de um projecto, mas a minha meta é colocar em todo o meu terreno. À medida que for ganhando uns trocos vou investir no gota-a-gota”, conclui.

Aposta no gota-a-gota

Apesar da falta de água, Gerson Carvalho mantém mais de 1.600 bananeiras, além de papaia e outras frutas. Isto porque a família escolheu, há vários anos, investir na irrigação pelo sistema gota-a-gota, devido às suas vantagens.

“Tenho mais de 1.600 bananeiras. Todas são regadas pelo sistema gota-a-gota. Sempre trabalhámos com o sistema gota-a-gota, tanto eu como o meu pai e os meus irmãos. Mesmo antes de toda essa campanha de gota-a-gota, porque tem vantagens e compensa sempre”, narra.

Actualmente, Carvalho vende cada quilo de banana por 140 escudos. O agricultor abastece o mercado da Praia e algumas lojas da capital, além de vender para rabidantes que enviam para outras ilhas. No entanto, reconhece que tem recebido reclamações sobre os preços elevados da banana.

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“Os meus clientes têm-se queixado do preço das bananas, mas eu não tenho culpa, tenho que ganhar alguma coisa. Eu vendo por 140 e eles vendem por 200 escudos ou 250 escudos, o quilo. Esse preço é devido à falta de água. Não tem chovido,” clarifica.

Carvalho também menciona que a água em Ribeira dos Picos está salgada, o que reduz a quantidade e a qualidade das bananas. “Para haver uma boa quantidade de bananas é preciso água. Não pela quantidade, mas sim pela qualidade da água. E, infelizmente, onde há muita banana a água encontra-se salgada. Há muita água, mas não há água de qualidade”, exemplifica.

Outro desafio para os produtores prende-se com o transporte marítimo. Isto porque, segundo diz, há épocas em que conseguem uma boa colheita e não conseguem mandar para as outras ilhas devido aos constrangimentos dos transportes marítimos.

“Quando isso acontece, toda a produção fica no mercado da Praia. Se há abundância no mercado da Praia, o preço da banana diminuiu e nós não ganhamos nada”, relata.

Gerson Carvalho diz que a demanda por bananas é elevada. Tanto que não consegue fornecer a todos que o procuram. “É preciso o governo apostar na água, podem trazer bananas que podem produzir até 80 quilos, mas sem água não há rendimento”, sugere.

Rabidantes

Os desafios que os produtores de banana enfrentam afectam directamente as rabidantes que afirmam que o aumento dos preços e a escassez daquele produto atingem tanto as suas vendas quanto o abastecimento das suas famílias.

Zuquinha, por exemplo, vive em Ribeira dos Picos e compra banana nos produtores locais para revender na Cidade da Praia.

“Compro aqui por 130 escudos o quilo. O que ganho com a revenda dá para um quilo de arroz, isso nunca falta”, conta, afirmando que há muita procura e pouca banana, daí os preços que hoje são aplicados.

“Há uns anos, cheguei a comprar banana por 20 escudos o quilo, há uns quatro ou cinco anos. Mas agora são 130 escudos. Se chover, com certeza o preço vai baixar, só não sei se voltarei a comprar a 20 escudos o quilo. Mas, com certeza, o preço irá baixar”, acredita.

Zuquinha ainda enfrenta a incerteza do abastecimento, afectando as suas viagens para a capital.

“Há dias que não encontro banana para comprar. Eu vou à Praia três vezes por semana para vender as bananas que aqui compro, e há ocasiões em que numa semana não vou uma única vez porque não há banana. Eu costumo comprar numas banheiras que levam entre 30 e 40 quilos de banana. Mas tenho de pagar o transporte para Praia. Chegado ao mercado da Praia, tenho de pagar a porta para entrar, então não sei se ainda compensa muito esse negócio,” desabafa.

No mercado do Plateau, Cidade da Praia, a rabidante Santa confirma as dificuldades em obter bananas a preços acessíveis.

“Compro as bananas por 140 escudos o quilo e vendo por 160, ou mais, conforme a grossura da banana. Tenho comprado aqui mesmo no mercado, nas pessoas que vêm do interior porque hoje em dia já não compensa pagar o carro e ir à Santa Cruz só para comprar as bananas,” afirma.

A rabidante reforça que a procura por esta fruta continua alta, apesar dos preços. “Há sempre procura por banana, mas houve uma quebra com o aumento dos preços e a diminuição da sua grossura. Também não há muita banana disponível. Antes comprava muitas bananas, quer verde, quer madura, por 100 escudos ou até menos e agora compro por 140 escudos”, compara.

Santa aponta que no mercado do Plateau o preço da banana, apesar de elevado, é ainda mais barato do que em outros bairros da Praia.

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Preço e tamanho não condizem - consumidores

O Expresso das Ilhas também falou com alguns consumidores que se mostraram insatisfeitos com o preço da banana, mas também reclamam do sabor e do tamanho da fruta.

Sofia Ferreira diz que sempre compra bananas num rapaz que lhe vai vender à casa e faz-lhe um preço especial.

“Dependendo do tamanho, posso comprar por 20 ou 15 escudos a unidade. Apesar disso, acho que tem havido um exagero no preço das bananas, são muito caras. Comprar banana já não compensa. É cara e muito pequena”, considera.

Ferreira acrescenta que a qualidade das bananas também tem deixado muito a desejar.

“Sem contar que o sabor já não é o que era antes, às vezes compro uma banana por ser madura e quando vou descascar logo noto que afinal ainda mal tinha amadurecido. Passei a consumir menos banana com os preços que se praticam hoje. São pequenas e tenho que comer muitas até me satisfazer e como não é muito barato prefiro comprar menos”, comenta.

Outro consumidor, mesma opinião. Jacky considera o preço da banana “extremamente caro”.

“A sensação que fica é que a cada dia que passa o preço da banana tem aumentado mais. E eu não tenho comprado banana por causa disso. Da última vez que perguntei o preço das bananas estava quase 200 escudos, cinco bananas bem pequenas”, descreve.

Para esta dona de casa, já não compensa comprar bananas numa casa de seis pessoas.

“Lá em casa todos gostam de banana e querem sentir que comeram banana. Mas se eu comprar cinco bananinhas por duzentos escudos tinha de ser 30 bananas. Cinco para cada um de nós lá em casa de tão pequenos que são. Quando encontramos uma banana grande o suficiente temos de pagar 60 escudos por unidade”, lamenta.

Jacky realça que para compensar a banana tem apostado mais noutras frutas cujos preços considera mais acessíveis.

“Tenho comprado mais laranja, maçã e pera e considero que o preço está mais acessível. Banana agora só quando me oferecem”, reitera.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1182 de 24 de Julho de 2024. 

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Autoria:Sheilla Ribeiro,27 jul 2024 7:46

Editado pormaria Fortes  em  28 jul 2024 9:56

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