Ao Expresso das Ilhas, o presidente da Federação de Agricultores e Pecuários de Santa Cruz, Cesário Varela, relata que o cenário é incerto para os agricultores da região devido a anos consecutivos de seca.
“Os agricultores de Santa Cruz estão animados porque, mesmo com pouca chuva, há pasto para os animais, e eles já começam a alimentar-se”, afirmou.
No entanto, acrescenta que a situação da produção agrícola ainda é preocupante. “Relativamente à produção de sequeiro, ainda nada está garantido, pois as pragas, como a lagarta-do-cartucho, têm fustigado as plantações. Precisamos de muito mais chuva para garantir uma boa colheita de milho e feijão”, explica.
Varela também aponta a dificuldade em encontrar mão-de-obra experiente, um problema agravado pela emigração de jovens.
“Temos de recorrer a outros concelhos para contratar trabalhadores, tanto para o cultivo de sequeiro quanto para o de regadio”, diz.
Esse facto, prossegue, diminui a produção agrícola e origina outro problema.
“A produção diminuiu e muitos criadores de gado têm sido obrigados a vender os animais para enfrentar as dificuldades familiares”, lamenta.
Outro desafio mencionado foi a salinização dos solos, que tem reduzido a área irrigada em Santa Cruz. “Os agricultores estão a usar água salgada, o que está a contaminar o solo e diminuído a produção. Precisamos de um tratamento especial para a dessalinização desses solos”, alerta.
Varela apela ao Governo por mais apoio ao sector agrícola, nomeadamente, na mobilização de água para irrigação e na capacitação técnica dos agricultores. “Precisamos que o Governo invista mais na agricultura e na pecuária, pois sem esses sectores não podemos ter um país desenvolvido”, frisa.
Atraso nas chuvas e praga da lagarta afectam produção agrícola em Santa Catarina
Por sua vez, o presidente da Associação Comercial, Agrícola, Industrial e de Serviços de Santiago (ACAISA), Felisberto Veiga, diz-se preocupado com o atraso na produção agrícola na ilha de Santiago e outras regiões do país, devido à irregularidade das chuvas e ao impacto da praga da lagarta-do-cartucho.
“Este ano, pelo que temos constatado, a produção agrícola está atrasada. Tem a ver com atrasos da chuva. Não temos certeza quanto à produção do milho, se será ou não o esperado, devido a esse atraso”, afirma.
Segundo Felisberto Veiga, embora tenha chovido nas áreas montanhosas, a precipitação não foi suficiente em muitas regiões semiáridas.
“Se analisarmos o crescimento da planta do milho, dá-nos a impressão de que em muitas regiões, apesar da chuva regular, não há a produtividade esperada”, exemplifica.
Além das irregularidades climáticas, Veiga apontou a desertificação do mundo rural e a escassez de mão-de-obra como obstáculos adicionais.
“A maioria da mão-de-obra é juvenil e temos o problema da escassez de disponibilidade. Nem toda a área que poderia ser cultivada foi trabalhada, o que reduziu para um terço a área efectivamente cultivada este ano”, salienta.
A praga da lagarta-do-cartucho também está a prejudicar o desenvolvimento da cultura do milho em algumas zonas, principalmente em Santa Catarina e Calheta. “Vê-se que há muita praga e, ao mesmo tempo, ausência de planos de mitigação. Pode ser que existam, mas ainda não os vimos, e os agricultores não podem fazer nada”, comenta.
Nesse sentido, o presidente da ACAISA, sublinha a necessidade de medidas para combater a praga.
Outro factor agravante foi o aumento dos custos de produção, influenciado pela falta de mão-de-obra.
“Se no ano passado tínhamos uma diária de 1.500 escudos, este ano temos de 1.700 a 2.000 escudos, além dos custos com pequeno-almoço e almoço”, observa.
Veiga diz ainda que as famílias agrárias estão mais pobres, sem um programa de apoio financeiro para a agricultura de sequeiro.
“As famílias arcam com todas as despesas, desde sementes até outros insumos, com um gasto estimado em cerca de cem mil escudos para famílias humildes”, menciona.
Apesar dos desafios, o presidente da ACAISA acredita que ainda há esperança para uma boa colheita de leguminosas e, caso o mês de Outubro seja chuvoso nos primeiros 15 dias, as expectativas para o milho podem melhorar.
“As plantas têm-se desenvolvido com vigor, e se tivesse havido uma campanha de combate à lagarta-do-cartucho, podíamos ter uma boa perspectiva”, acredita.
No Fogo, o mesmo cenário
Segundo o especialista em agricultura, pecuária e pesca, António Fernandes, apesar das chuvas abundantes em algumas áreas, o ano agrícola não pode ainda ser considerado bom na ilha do Fogo.
“Para nós, o bom ano agrícola não é apenas bom ano de chuvas. Neste momento, não podemos dizer que temos um bom ano agrícola devido às pragas. Nalgumas localidades temos excesso de chuva e noutras falta de chuva”, explana.
António Fernandes aponta que as zonas altas como Relvas e Talaia têm registado chuvas diárias, enquanto áreas mais baixas sofrem com a escassez.
Em locais com chuvas excessivas, como nas zonas altas, as leguminosas estão a apodrecer, o que compromete a colheita de produtos como o bongolom e o bonjinho.
Para este especialista, a falta de coordenação do Ministério da Agricultura é um factor “crítico” que tem limitado o aproveitamento do potencial agrícola da ilha. “Mesmo que houvesse uma boa produção de milho, a agricultura não terá tanto impacto por falta de organização e planeamento. Nós propomos criar no Fogo uma empresa para o fornecimento de mão-de-obra de forma controlada, mas o Ministério da Agricultura e Ambiente não tem respondido”, critica.
Fernandes ressaltou ainda o impacto da emigração e o aumento dos custos laborais, que têm dificultado a contratação de trabalhadores agrícolas.
“É caro pagar dois mil escudos por dia, e muitos agricultores acabam desistindo de cultivar os seus terrenos porque não há retorno suficiente”, lamenta.
Conforme menciona, as remessas dos emigrantes, sustentam boa parte da população local. Entretanto, as remessas têm diminuído devido à inflação nos países de destino, agravando a situação da população foguense.
Se medidas não forem tomadas, Fernandes prevê um futuro sombrio para a agricultura na ilha.
“Daqui a cinco anos, a agricultura será feita apenas nos arredores das casas. As pessoas precisam de incentivo para estar no campo”, prevê.
O especialista apela por mais investimento e organização, ressaltando que a ilha tem grande potencial agrícola que considera estar a ser mal explorado.
Agricultores de Ribeira da Cruz preocupados com redução de água para agricultura
Em declarações ao Expresso das Ilhas, Vanderley Rocha, presidente da Associação dos Agricultores de Ribeira da Cruz, Santo Antão, diz-se preocupado com a situação das chuvas na região, que afecta directamente a agricultura local.
“A previsão de chuvas deste ano criou expectativa. Apesar de não sermos uma zona de sequeiro, dependemos muito das chuvas devido às nascentes e do recarregamento dos furos. Há já algum tempo que estamos preocupados porque os furos dão sinal de falência”, declara.
Segundo Rocha, a quantidade de água das nascentes diminuiu mais de 50%, o que afecta a produção agrícola local.
“Em termos de produção, como Ribeira da Cruz são praticamente 95% no sistema gota-a-gota, ainda conseguimos irrigar uma boa área, mas a diminuição de água é considerável”, reconhece.
Apesar disso, o agricultor ressalta que a zona não enfrenta, por enquanto, uma situação alarmante, mas há uma preocupação para os próximos meses e anos, devido à tendência de redução de chuvas.
A escassez de mão-de-obra também é uma questão que impacta a produção. “Muitos jovens vão para outras ilhas ou até para o exterior, o que encarece a produção e isto prejudica a dinâmica da agricultura local”, diz.
Ou seja, explica, há menos investimentos na agricultura e receio em ariscar no cultivo de outros produtos, além dos costumeiros.
Rocha também refere as iniciativas que têm sido desenvolvidas para mitigar os efeitos da escassez de água, como a utilização de painéis solares para reduzir o custo da irrigação e a criação de um centro de tratamento e embalagem de produtos agrícolas.
No entanto, apela para mais investimentos nos furos e salienta a importância de soluções como o projecto de dessalinização, já implementado em Porto Novo, como uma possível alternativa para garantir uma agricultura sustentável na região.
“É preciso investir mais na mobilização de água para resolver a situação e garantir a sustentabilidade da nossa agricultura”, apela.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1192 de 2 de Outubro de 2024.