Em 2019, o Governo alterou as regras de acesso ao crédito bonificado para habitação, aumentando a idade máxima do regime jovem bonificado de 30 para 35 anos, conforme o Decreto-Lei n.º 24/2019. Além disso, a Portaria n.º 9/2019 elevou o valor máximo da habitação financiada de 5.000.000 para 7.000.000 contos, com uma bonificação de juros de até 55%.
Também como parte da estratégia para garantir habitação condigna e reduzir o défice habitacional, o executivo, através do IFH, prevê a construção de 1.037 habitações, das quais 628 já estão em andamento.
Ainda assim, nem todos os jovens conseguem aceder à habitação, sobretudo devido à dificuldade em alcançar a independência financeira.
Jaqueline Lima, de 29 anos, encontra-se nessa situação. Apesar do desejo de viver sozinha, a sua condição económica não lhe permite tomar essa decisão neste momento.
“Acho que a falta de recursos financeiros tem sido uma das razões para ainda viver com os meus pais. Acredito que o custo de vida, o valor do aluguer, a alimentação e, principalmente, o transporte afectam a minha decisão de continuar em casa”, admite.
Em declarações ao Expresso das Ilhas, a jovem afirma que a renda média de um jovem, hoje em dia, é suficiente para morar de forma independente apenas se optar por viver num quarto partilhado ou abdicar de certas comodidades, escolhendo locais mais afastados dos centros urbanos.
Apesar de continuar a viver com os pais, Jaqueline não vê essa situação como um problema.
“Sinto-me tranquila a viver com os meus pais, tendo em conta que estou a fazer o melhor para mim neste momento e que isso também é benéfico para eles, pois partilhamos as despesas. Além disso, esta situação não afecta nem a minha independência emocional, nem a percepção dos outros sobre mim. Somos muitos nesta condição (risos)”, salienta.
A jovem acredita que, com uma renda mais estável e ao decidir morar com o parceiro, conseguirá dar o próximo passo.
“Pretendo sair de casa assim que tiver uma renda mais estável. Quando decidir morar com o meu parceiro, poderemos dividir as despesas, mas, até lá, ainda vou adiar a minha saída”, refere.
Jaqueline reconhece que há muitas comparações e que as pessoas questionam o motivo de ainda viver com os pais, sobretudo quando muitos dos seus colegas já conquistaram essa independência. No entanto, diz que não sente julgamentos.
“Há muita pressão para ter casa própria, casar, ter filhos. As pessoas cobram, mas não julgam. Não encaram como algo grave o facto de eu ainda não ter independência. Talvez, se eu fosse da geração da minha mãe, fosse diferente. Com a minha idade, ela já tinha casa própria e já era casada”, compara.
Para Jaqueline, a situação económica e o custo de vida são os principais factores que levam muitos jovens a adiar a saída da casa dos pais.
“O meu irmão mais velho, por exemplo, só saiu de casa aos 33 anos. Eu não me vejo a sair nem mesmo com essa idade, a menos que emigre”, conclui.
Necessidade imposta pela circunstância
Tal como Jaqueline, Nadine Ribeiro, também de 29 anos, ainda vive com os pais, juntamente com o seu filho de quatro anos. No entanto, ao contrário de Jaqueline, Nadine construiu a sua casa sobre a da mãe, uma vez que não tinha condições para financiar um terreno ou um apartamento.
“Não saí de casa porque sou a única filha no país e, portanto, a única que está perto da minha mãe. Foi mais uma escolha emocional do que prática”, explica.
Ainda assim, admite que a questão financeira também pesou. “Quando fiquei grávida, a minha mãe nunca me pediu para sair de casa, porque sabia que eu não tinha como me sustentar. Assim, foi ela quem começou a preparar a estrutura da casa, por cima da dela, e, há quatro anos, tento terminar os acabamentos”, conta.
Apesar de viver num espaço separado e de não partilharem as refeições, Nadine reconhece os limites da sua situação.
“Morando tão perto da minha mãe, praticamente na mesma casa, não tenho a independência que deveria ter para alguém que vive no seu próprio espaço. De todas as formas, continuo debaixo das asas da minha mãe, estou na casa dela, e aquele canto não é verdadeiramente meu”, admite.
As vantagens financeiras são evidentes, mas a falta de privacidade é um desafio constante.
“Os meus pais e até os meus irmãos entram no meu espaço sem bater à porta. Há momentos em que tudo o que eu quero é estar sozinha, mas eles querem sempre sentar-se perto de mim, ver televisão na minha sala, fazer convívios lá... e, na hora de limpar, ninguém ajuda”, queixa-se.
Nadine reconhece que o apoio familiar facilita a sua vida, principalmente na educação do filho, mas admite que gostava de ter um espaço só seu.
“Mas não o tenho porque, com o que ganho actualmente, dificilmente conseguiria pagar uma renda, alimentar-me, vestir-me, pagar as contas e, muito menos, recorrer ao banco para um financiamento”, afirma.
A realidade que descreve não é um caso isolado. “No meu bairro, nunca senti um julgamento negativo pelo facto de ter construído sobre a casa dos meus pais, até porque há muitos outros jovens na mesma condição ou que ainda vivem com os pais, mesmo tendo filhos”, refere.
Apesar de reconhecer os benefícios de viver perto da família, Nadine alerta que nem tudo é fácil, pois a falta de controlo sobre o seu próprio espaço afecta até a forma como recebe visitas.
“Viver por cima da minha mãe acaba por afectar, de certa forma, a minha vida social. Nunca sei a que horas posso ou não levar alguém lá a casa, porque, mesmo que eu não esteja, posso encontrar algum dos meus familiares dentro de casa. Às vezes, até recebem as suas visitas na minha casa. Por isso, não gosto muito de sair do trabalho e levar alguém, porque nunca sei como vou encontrar a casa – usam e deixam sujo”, lamenta.
Há procura para alugar, mas não para comprar
Apesar de muitos jovens procurarem imóveis para arrendamento, poucos se aventuram na compra, conforme explica a corretora de imóveis Telma Pires.
“A procura por compra por parte dos jovens não é muito elevada, a menos que sejam emigrantes. Quando não são emigrantes, geralmente trata-se de casais de classe média que trabalham em alguma instituição do Estado ou que possuem uma empresa”, afirma.
A corretora acrescenta que os jovens residentes no país tendem a esperar por melhores condições antes de investir na compra de uma casa.
No que respeita ao arrendamento, o valor da renda varia consoante o bairro. Segundo Telma Pires, Palmarejo, Palmarejo Grande, Palmarejo Baixo e Cidadela estão entre os bairros com preços mais elevados.
A procura de imóveis para arrendar é significativamente maior entre os jovens cabo-verdianos, especialmente por razões de segurança e proximidade ao local de trabalho. A dificuldade na compra de um imóvel deve-se, em parte, à valorização constante dos preços.
“Há dois anos, uma pessoa podia alugar um T2 em Palmarejo por 25 mil escudos, e hoje já está a 35 mil. E para comprar é ainda mais caro. Os bairros estão a valorizar-se, os preços aumentam. Mesmo os emigrantes têm recorrido aos bancos para comprar”, explica.
Para Telma Pires, a tendência é que os jovens continuem a adiar a compra de casa própria devido ao aumento constante dos preços.
“Os jovens preferem esperar para ter melhores condições para comprar e, quando finalmente as conseguem, já não são jovens”, conclui.
Aluguer compensa mais do que comprar – Economista
Ao Expresso das Ilhas, o economista António Baptista afirma que, actualmente, arrendar casa em Cabo Verde é mais vantajoso do que comprar.
“O arrendamento está mais barato do que a prestação da compra. Por isso, compensa claramente viver de aluguer. Com a diferença do dinheiro que poderia estar a pagar na prestação, pode-se criar uma poupança e, ao fim de 15 anos, adquirir uma casa”, argumenta.
O especialista aponta a falta de educação financeira como um dos principais entraves para que os jovens tomem decisões mais vantajosas no que diz respeito à habitação.
“Infelizmente, em Cabo Verde, a nossa sociedade não soube educar financeiramente os jovens. Grande parte dos pais não adopta o sistema de mesada para os filhos, não existe uma cultura de poupança, mas sim uma sociedade que incentiva o consumo e a ostentação”, observa.
António Baptista defende que a habitação é um “passivo patrimonial” e que a compra de uma casa sem planeamento pode comprometer a qualidade de vida dos jovens durante décadas.
“A partir do momento em que alguém faz um investimento tão elevado em património, terá encargos durante grande parte da vida. São mais de 30 anos a pagar prestações, o que implica abrir mão de muitas outras coisas”, explica.
O economista também aponta a precariedade do mercado de trabalho como um dos factores que dificultam o acesso à casa própria.
“Os salários são baixos, muitos empregos são informais, sem garantias e sem contrato. Os financiamentos são de longo prazo e exigem estabilidade económica, que Cabo Verde ainda não tem”, sublinha.
Nesse sentido, defende que a solução passa por uma mudança de mentalidade e por investimentos na educação financeira desde a infância.
“A educação financeira é comportamental. Está relacionada com as nossas crenças, hábitos e tradições. Sem que o Estado assuma a responsabilidade de educar economicamente a população, através de programas do Banco de Cabo Verde e do ensino formal, será difícil mudar este cenário”, alerta.
Outras barreiras indicadas pelo especialista incluem a especulação imobiliária e a dificuldade de acesso a terrenos a preços acessíveis.
“Infelizmente, as câmaras municipais encaram a questão como um negócio. O acesso a terrenos é limitado e há muita especulação”, afirma.
Falta de independência agrava problemas sociais – Sociólogo
Com a falta de autonomia e independência financeira, muitos jovens veem-se obrigados a viver com os pais, tios ou avós, o que não só limita a sua capacidade de construir uma família, como também intensifica conflitos intergeracionais, conforme explica o sociólogo Adilson Semedo.
O especialista alerta que esta convivência forçada entre várias gerações contribui para problemas como a violência doméstica e dificulta a realização pessoal dos jovens.
“Os jovens querem ter condições, querem independência para construir uma família, mas são obrigados a conviver ou a viver com os pais, tios, irmãos e primos, o que gera outros problemas, incluindo a violência contra a criança. São diferentes gerações, com relações hierárquicas familiares baseadas no sangue, e isso dificulta a convivência harmoniosa”, explica.
Segundo Adilson Semedo, a realidade da habitação no país, que ainda mantém a tradição de famílias alargadas, reflecte as dificuldades económicas enfrentadas pelos jovens.
“Antigamente, os pais conseguiam ter casa própria mais cedo, e os jovens tinham acesso à terra, o que facilitava a construção de casas. Hoje, numa economia mais complexa e com altas taxas de desemprego, as condições para os jovens se tornarem independentes são muito mais difíceis”, observa.
Este cenário impacta directamente a formação de novas famílias e a natalidade. “Os jovens querem ter condições para formar as suas famílias, mas a falta de independência impede esse processo, criando um ambiente tenso nas casas, onde muitas vezes apenas um membro da família contribui para o rendimento”, sublinha.
A desigualdade social agrava ainda mais esta situação. O sociólogo aponta que o direito à habitação é reconhecido constitucionalmente, mas a falta de políticas públicas eficazes para reduzir as desigualdades tem dificultado o acesso a esse direito fundamental.
“A desigualdade social não só impede os jovens de adquirirem uma casa, como também aumenta a distância entre os que têm e os que não têm. É preciso agir para combater tanto a expansão quanto a profundidade dessa desigualdade”, assevera.
Se nada for feito para reverter essa realidade, alerta o especialista, o problema tende a agravar-se, com consequências negativas para a estabilidade social e económica do país, incluindo o aumento da exclusão, da frustração e até da radicalização entre os jovens.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1212 de 19 de Fevereiro de 2025.