WaterPoints atraem cada vez mais consumidores, mas actividade ainda escapa ao controlo regular das autoridades

PorSheilla Ribeiro,13 jul 2025 8:15

Pontos de abastecimento de água tratada a granel estão a multiplicar-se na cidade da Praia e noutras ilhas, oferecendo uma alternativa mais barata à água engarrafada. Apesar da crescente procura, esta actividade – ainda recente no país – opera sem uma fiscalização regular da qualidade por parte da ERIS ou da IGAE, que reconhece estar numa fase de análise e sem denúncias formais por parte dos consumidores.

Melanie é residente na capital e há quase um ano consome água desses estabelecimentos.

“Encho seis garrafas de 10 litros e costuma durar um mês inteiro em casa. Somos três adultos e um bebé”, conta.

Segundo explica a dona de casa, a principal razão que a levou a fazer esta escolha prende-se com o custo.

“Fica muito mais barato do que comprar água engarrafada. Pago por cada garrafa 150 escudos e um total de 900 escudos por seis garrafas. Um preço muito mais em conta”, reitera.

Apesar de não ser engarrafada, Melanie garante que confia plenamente na qualidade da água.

“Tem um gosto melhor do que a água de rede. Acho que é uma boa água e não noto nenhuma diferença com a água engarrafada. É muito difícil de notar a diferença”, assegura.

No entanto, confessa que ainda recorre à água engarrafada em certas ocasiões. “Eu tenho um bebé, então de vez em quando compro água, e quando a água tratada termina, se o ponto de água estiver fechado, compramos. E, agora, com o calor, bebemos mais água e sempre vou trocando as garrafas para não serem sempre as mesmas. Compro ainda água engarrafada para ir trocando de garrafa”, explica.

Por seu turno, Lenira, moradora de outro bairro da capital, também encontrou nestes pontos de abastecimento uma alternativa viável e mais económica.

“Há um ponto de água no meu bairro e consumo essa água há cerca de cinco meses. Num mês encho as garrafas umas quatro vezes. Bebo muita água. E conforme o uso, assim vou enchendo as garrafas”, relata.

Também afirma que a decisão de passar a usar água dos WaterPoints foi motivada, sobretudo, pela diferença de preços em comparação com a água engarrafada.

“Antes bebia água engarrafada e gastava muito mais dinheiro”, diz. Além do custo, a qualidade da água também pesa na escolha. Para Lenira, a água da rede pública não é uma opção viável para consumo directo.

“Logo que tiramos a água sentimos muito o cheiro de lixívia e não temos confiança em beber essa água. Mas, confio na água dos pontos de água já que é filtrada e tratada. Dá para ver mesmo que tem qualidade. Tem um gosto diferente da água da rede e não tem cheiro de nada, como deve ser”, pontua.

Apesar de identificar uma diferença de sabor entre a água dos WaterPoints e a água engarrafada, sublinha que essa distinção não é significativa.

“Em relação à água engarrafada dá para sentir a diferença. Não têm o mesmo gosto. Eu consumi água engarrafada por muito tempo e por isso noto a diferença com a água dos pontos. Mas, não é uma diferença muito grande e nem é diferença de qualidade, é mais na boca”, explica.

Quanto ao armazenamento, admite que não segue cuidados específicos com as garrafas reutilizadas. Ainda assim, ocasionalmente recorre à água engarrafada, especialmente quando os pontos de venda estão encerrados.

“Às vezes, como nos finais de semana os pontos de água podem estar fechados, acabamos por comprar água engarrafada e aproveitamos para trocar as garrafas”, conclui.

Noutras ilhas, também aumenta o número de pessoas que recorrem aos Waterpoints, como relata ao Expresso das Ilhas Dariana, residente na ilha do Fogo.

Desde Outubro do ano passado, passou a adquirir água nesses pontos após observar o movimento no seu bairro.

“Via toda a gente com as garrafas vazias na mão e depois saíam com elas cheias de água. Resolvi perguntar. Uma pessoa explicou que iam comprar água num preço mais acessível e que era uma boa água. Desde então não parei”, conta.

Actualmente, enche semanalmente entre três a quatro garrafas de cinco litros, conforme a necessidade da casa. A diferença de preços na ilha foi determinante para a mudança de hábito.

“No Fogo, uma garrafa de água de cinco litros custa mais ou menos 220 escudos e uma garrafa de água dos pontos de água custa 80 escudos”, compara.

Além do preço, Dariana valoriza a qualidade. “Eu confio na qualidade dessa água, é mais leve do que a água de rede. A água engarrafada consegue ser ainda mais leve, é ligeiramente mais leve. Mas, em relação à água de torneira, não tem comparação”, afirma.

Para si, o calcário presente na água da rede pública da ilha é um problema. “Prefiro pagar para beber do que usar a água da rede porque no Fogo tem muito calcário. Vê-se nos reservatórios que ficam sempre danificados.”

A água dos WaterPoints é utilizada por Dariana não só para beber, mas também para higienizar alimentos. “Uso para lavar as frutas e os legumes”, partilha.

Levar água potável acessível e sustentável

A Água Sabi chegou a Cabo Verde em 2020, com as primeiras lojas na ilha da Boa Vista, e desde então tem vindo a crescer. A empresa é apenas uma das que actuam no segmento da venda de água purificada a granel, propondo-se a oferecer uma alternativa sustentável e económica às garrafas plásticas descartáveis e à água engarrafada tradicional.

“A ideia surgiu do nosso país, Itália, onde já existem pontos de acesso para encher garrafas de água. Trouxemos o conceito para Cabo Verde e mantivemos o mesmo preço, 16 escudos por litro”, afirma David Carloni, gestor da empresa. Actualmente, cada loja vende até 500 litros por dia, dependendo da procura. “É uma média que varia muito consoante a localização”, nota.

Já com dois pontos abertos na zona de Achada Santo António, na cidade da Praia, a empresa pretende continuar a expandir. Ainda assim, o fornecimento de água potável nem sempre é estável.

“O principal desafio é o acesso à água. Quando há falhas na rede, por vezes somos obrigados a comprar água fora”, revela o responsável, sublinhando a necessidade de conhecer bem os fornecedores e garantir a qualidade do produto final.

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A Água Sabi trata a água com sistemas de osmose inversa, filtros de polipropileno, carvão e outros elementos que removem partículas, cloro, impurezas, vírus e bactérias.

“Fazemos o controlo da qualidade diariamente, às vezes mais do que uma vez por dia. Além disso, colaboramos com entidades cabo-verdianas para verificar outros parâmetros”, assegura Carloni.

O responsável afirma que a empresa não vende garrafões próprios nem garrafas de plástico novas. A ideia é reutilizar o que já existe.

“Se começássemos a vender garrafas novas, estaríamos a colocar mais plástico no ambiente, o que vai contra os nossos princípios. Reutilizar é essencial. Produzir uma garrafa envolve custos de material, energia e transporte. Há muito plástico disponível que pode ser reaproveitado”, aponta.

Com investimento 100% privado e funcionários formados especificamente para trabalhar com os equipamentos, a empresa tem vindo a adaptar-se às diferentes realidades da capital.

“Cada loja tem os seus próprios desafios, quer em termos de quantidade, quer de qualidade da água da rede. Mas estamos constantemente a procurar soluções, passo a passo”, refere.

A empresa já começou a reduzir o preço, passando de 16 para 15 escudos por litro, e pondera novas formas de tornar o serviço ainda mais acessível.

“Queremos habituar as pessoas a uma nova rotina. Sabemos que o primeiro passo é o mais difícil, mas acreditamos que encher a própria garrafa pode tornar-se parte do quotidiano das famílias”, conclui.

IGAE atenta ao funcionamento dos WaterPoints, mas ainda sem denúncias.

Apesar de reconhecer que o fenómeno dos WaterPoints é relativamente novo, o Inspector-Geral das Actividades Económicas, Paulo Monteiro, afirma que a Inspecção Geral das Actividades Económicas (IGAE) ainda não recebeu qualquer reclamação ou denúncia sobre a água fornecida nesses pontos. Por isso, a actuação da instituição permanece numa fase de observação e análise.

“Ainda não houve reclamação, não houve nenhuma denúncia. Quando o consumidor não denuncia, não reclama, quer dizer que aceita essa água que está a adquirir”, afirmou Paulo Monteiro.

Conforme sublinha, perante o silêncio dos consumidores, a IGAE interpreta que, para já, não existem problemas evidentes com a água vendida.

Segundo o responsável, a fiscalização nestes casos depende, muitas vezes, da queixa formal dos utentes.

“Sem denúncia, sem reclamação, as coisas estão a correr bem. De todo modo, estamos com muita atenção, porque é um negócio novo”, refere.

Paulo Monteiro esclarece ainda que a análise da água exige procedimentos técnicos e envolve custos, o que implica uma certa ponderação por parte da entidade reguladora.

“Estamos ainda na fase defensiva, tendo em conta que nenhum consumidor fez denúncia em relação a essa água. Estão a consumir, acreditam que é uma boa água. Tudo bem, que seja assim, é menos um problema para a IGAE agora”, diz.

No entanto, o Inspector-Geral garante que, caso surja qualquer sinal de alerta vindo da população, a actuação será imediata.

“No dia em que houver uma denúncia, uma reclamação sobre as propriedades dessa água, aí sim vamos actuar com força”, assegura.

Para já, a IGAE mantém-se atenta e a acompanhar a evolução do negócio, sem descartar a possibilidade de futuras intervenções conforme o desenrolar da situação.

Também contactado pelo Expresso das Ilhas, a Entidade Reguladora Independente da Saúde (ERIS) esclareceu que, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 18/2024, a competência de fiscalização de estabelecimentos de produção, armazenamento e distribuição de alimentos passou a ser da responsabilidade da IGAE.

Contudo, sublinha que continua a assegurar a monitorização sanitária do mercado nacional de alimentos através do Plano Nacional de Colheita de Amostras (PNCA), activado com base numa avaliação de risco. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1232 de 9 de Julho de 2025.

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Autoria:Sheilla Ribeiro,13 jul 2025 8:15

Editado porFretson Rocha  em  13 jul 2025 18:19

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