Segundo um comunicado da entidade, a decisão surge como um gesto de abertura ao diálogo técnico-científico e pretende reforçar a moderação do Ministério na busca de soluções abrangentes para o sistema educativo.
Na mesma nota, o Ministério sublinha que o objectivo é garantir que a educação continue a ser um factor de união entre todos os cabo-verdianos.
Conforme tem sido afirmado pelo ministro Amadeu Cruz, o Ministério da Educação não adopta uma postura dogmática, nem alimenta polémicas que possam desviar o foco do essencial: as reformas educativas e a melhoria contínua da qualidade do ensino.
A disciplina de LCCV, bem como os materiais didácticos associados, têm carácter experimental, nos termos do Artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 28/2022, que define a estrutura curricular do ensino secundário.
A introdução desta disciplina visa criar condições para a oficialização da Língua Cabo-verdiana, conforme o n.º 2 do Artigo 9.º da Constituição da República.
O Ministério justifica a suspensão da distribuição do manual devido a posições radicalizadas de alguns cidadãos, que poderiam aumentar tensões sociais.
“O Ministério da Educação entende que não deve contribuir para o aumento de tensões. Por isso, a distribuição do manual foi suspensa, reafirmando a nossa humildade e abertura para acolher contribuições técnico-científicas”, lê-se no comunicado.
Contactada pelo Expresso das Ilhas, a Procuradoria-Geral da República esclareceu que não suspendeu o referido manual e que nem tem competência para tal.
Entretanto, prossegue, poderia, se necessário, requerer ao tribunal a sua suspensão por meio de uma providência cautelar.
Assim sendo, perante o pedido de intervenção do Ministério Público, nos termos da sua atribuição em defesa de interesses difusos, a PGR emitiu um parecer que enviou ao Ministério da Educação, que entendeu, por bem, mandar suspender o referido documento.
Co-autor do programa de Língua Cabo-verdiana concorda com suspensão
Eleutério Afonso, professor e co-criador do programa de Língua Cabo-verdiana para o 10.º ano, afirmou estar de acordo com a decisão de suspender a distribuição do manual, alegando que o processo ainda não está estabilizado e que se encontra numa fase experimental que exige acompanhamento e ajustamentos.
“Estou de acordo com a suspensão do manual porque o Ministério da Educação não organizou o seguimento para ver o que colocámos no programa que estava a mais ou a menos”, explicou Eleutério Afonso ao Expresso das Ilhas.
Segundo o professor, o carácter experimental do programa deveria implicar uma monitorização contínua.
“Programa experimental significa que será acompanhado para reestruturar algumas coisas antes de darmos mais um passo. Portanto, todo o processo está viciado desde o início. Foi uma boa decisão”, reforçou.
Para o docente, a abordagem ao ensino da língua deve respeitar a sua diversidade. “O que colocámos no programa é que, na fase actual da história de Cabo Verde, é preciso ensinar ao cabo-verdiano a língua em todas as variedades. Para ensinar em todas as variedades não se pode ter tentativa de uniformização”, sustentou.
Eleutério Afonso acrescentou ainda que nenhuma língua se padroniza apenas pela acção de linguistas ou de um único ministério. “Nenhum linguista pode vestir a roupa da sua ciência para dizer que tem autoridade ou conhecimento para padronizar uma língua, porque não é verdade. A língua, na sua totalidade, é um organismo vivo em que um único ministério não tem autoridade para mexer”, afirmou.
O professor defende que a valorização da língua cabo-verdiana passa por mudar atitudes e não por alterar o idioma. “Os cabo-verdianos precisam de saber que não é preciso mexer na sua língua. Nós é que precisamos de mudar a nossa atitude uns com os outros, de diferentes ilhas. É preciso ensinar a língua tal como ela é. A ideia de dizer que é preciso fazer algo na língua faz com que o cabo-verdiano desconfie dela e isso perpetua a mentalidade colonialista”, referiu.
O manual
Em Julho deste ano, a equipa responsável pela elaboração do manual justificou os fundamentos (socio)linguísticos, pedagógicos e didácticos que sustentam o trabalho desenvolvido, apoiando-se em décadas de investigação e nas boas práticas internacionais de ensino em contextos de ecologia linguística semelhante à cabo-verdiana.
Segundo os autores, o manual parte do princípio de que a Língua Cabo-verdiana (LCV) é composta por nove variedades dialectais, todas com igual valor linguístico e identitário, e recusa qualquer tentativa de hierarquização entre elas. Defendem, por isso, uma abordagem pedagógica baseada na “competência multidialectal”, em que cada aluno e professor utiliza a sua própria variedade, promovendo-se a intercompreensão e o respeito pela diversidade.
Nesse sentido, adoptaram uma ortografia pandialectal nos comandos e textos explicativos do manual, com base no Alfabeto Cabo-verdiano oficial. Esta ortografia é descrita como uma ferramenta inclusiva, que representa todas as variedades sem suprimir a especificidade de nenhuma, permitindo a leitura e compreensão por qualquer falante.
A proposta não trata de padronizar a LCV, mas de viabilizar a prática pedagógica durante a fase experimental da disciplina, prevista no Decreto-Lei n.º 28/2022, de 12 de Julho.
A equipa reiterou ainda que o manual não recomenda o ensino da ortografia pandialectal aos alunos, que continuam expostos a textos orais e escritos autênticos grafados no Alfabeto Cabo-verdiano (AC) das diferentes variedades. Na altura, reiteraram que a proposta estava aberta a revisão fundamentada por parte dos docentes e da comunidade científica, mas recusam críticas assentes em discursos “pseudocientíficos ou preconceituosos”.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1242 de 17 de Setembro de 2025.