Francisco Carvalho ataca actuação da PGR e apela à revisão da Constituição

Por*Sara Almeida,17 dez 2025 13:13

O presidente da Câmara Municipal da Praia (CMP), Francisco Carvalho, acusou esta segunda-feira a Procuradoria-Geral da República de agir “contra a justiça” e apelou à alteração da Constituição, na sequência das buscas realizadas pelo Ministério Público às instalações da autarquia, na sexta-feira. As declarações, feitas em conferência de imprensa, após uma manifestação de apoio à sua chegada aos Paços do Concelho, surgem num contexto de forte polémica política e institucional em torno da investigação em curso e da suspensão dos serviços municipais ordenada pelo edil.

"Apelo a todos os juristas, consultores, jurisconsultos deste país, que se juntem a nós para mudarmos a Constituição da República de Cabo Verde. É a única maneira de fazermos com que todos continuemos a viver em segurança e em tranquilidade, para nunca voltarmos a ter acções desta natureza, em que um procurador decide fazer aquilo que faz, da forma que faz", disse Francisco Carvalho.

O autarca acusou ainda a Procuradoria-Geral da República de estar "contra a justiça" e de agir a mando do MpD. "Temos todos responsabilidade para não alimentar nenhum outro caminho que legitime esse ataque que o MpD está a fazer na Câmara da Praia, através dos braços armados de Procuradores da República e da Polícia", afirmou.

Na sua intervenção, Carvalho defendeu os contratos relacionados com o Complexo Babilónia, um dos alvos da investigação em curso. Segundo o autarca, os acordos visaram "pagar dívidas e calotes" deixados pela gestão anterior do MpD, e a proposta de pagamento em terrenos partiu da advogada da empresa. O acordo com a empresa Elevolution, referiu, terá sido formalizado na presença de um juiz, "uma instituição da Justiça".

Sexta-feira, 12

Durante a conferência de imprensa, Francisco Carvalho apresentou ainda a sua versão dos acontecimentos que levaram ao encerramento dos serviços municipais. O encerramento, recorde-se, tem sido criticado, inclusive pela Ordem dos Advogados (ver caixa).

Para contextualizar a sua decisão, o presidente descreveu a cronologia dos factos: na manhã de sexta-feira, 12 de Dezembro, o Ministério Público desencadeou uma operação de busca e apreensão em instalações da CMP.

As buscas ocorreram em dois momentos. Primeiro, de manhã, o procurador Nilton Moniz e agentes da Polícia Nacional apresentaram-se na Direcção Financeira e Patrimonial da Câmara Municipal, situada na Fazenda. De acordo com a PGR, as diligências decorreram com normalidade e colaboração dos funcionários presentes, tendo sido apreendidos documentos.

Francisco Carvalho, que viajara para a Boa Vista, terá recebido, conforme contou, "chamadas de funcionários em pânico" que lhe relataram ter sido abordados por agentes de polícia, que acompanhavam a Procuradoria.

Em reacção, por volta das 11h10 da manhã, o presidente da CMP mandou encerrar todos os serviços da autarquia. "Eu tenho que proteger os funcionários da Câmara da Praia. Por isso, mandei encerrar todos os serviços", disse.

Assim, todos os serviços, incluindo mercados e jardins infantis, foram encerrados por razões de segurança, embora não tenha sido especificada qual a natureza das ameaças.

Mais tarde, a equipa da Procuradoria e da Polícia Nacional deslocou-se também aos Paços do Concelho, no Plateau. Carvalho lembra que à hora da chegada dos agentes aos Paços, já todos os serviços tinham sido encerrados há horas por sua ordem.

Segundo o relato oficial da PGR, um guarda presente informou ter recebido ordens do presidente da CMP para não abrir as portas. O presidente substituto foi chamado, mas manteve a mesma posição, por “ordens expressas” do Presidente.

“Perante tais obstáculos, o magistrado do Ministério Público presente no local ordenou o arrombamento do portão de ferro lateral que dá acesso ao pátio, o que permitiu o acesso ao gabinete do Presidente da Câmara Municipal, onde foram apreendidos documentos com relevância probatória”, lê-se em comunicado da PGR.

Francisco Carvalho, na conferência de imprensa, expressou indignação com a forma como as autoridades entraram. “Nunca pensei que a PGR do meu país entraria no meu gabinete, pela janela da minha casa de banho".

O episódio ocorre num contexto politicamente sensível, com Francisco Carvalho como principal candidato da oposição às eleições legislativas de 2026.

Apreensão e Acusações

Para além dos documentos, o Ministério Público ordenou a apreensão dos terrenos onde se encontra edificado o Complexo Babilónia, na Prainha, bem como de outros cinco terrenos localizados nas zonas da Cidadela e de Palmarejo Grande. As apreensões relacionam-se com alegadas irregularidades no processo de dação em cumprimento desses imóveis.

O mandado de busca, datado de 11 de Dezembro, lista como visados o presidente da Câmara Municipal da Praia e outros intervenientes, incluindo pessoas e empresas, por crimes que incluem falsificação de documentos públicos, peculato, violação de normas de execução orçamental, abuso de poder e burla qualificada.

A investigação teve início em Janeiro de 2024, quando o Inspector das Finanças Renato Fernandes apresentou uma denúncia pública detalhando alegadas irregularidades na gestão municipal. Na sua carta de demissão, Fernandes acusou a existência de simulação de concursos públicos e montagem de esquemas para favorecer determinadas empresas.

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ASSIMP repudia politização das buscas

A Associação dos Magistrados do Ministério Público (ASSIMP) reiterou, esta terça-feira, que as buscas realizadas na Câmara Municipal da Praia, a 12 de Dezembro, ocorreram em estrito cumprimento da lei e do mandado judicial. Em comunicado, a ASSIMP destaca que a autonomia do Ministério Público é um princípio basilar do Estado de Direito, e repudia qualquer tentativa de politizar ou condicionar a actuação dos magistrados. A Associação reafirma ainda a sua confiança no magistrado responsável pelo processo e apela à sociedade para aguardar o desfecho da investigação com serenidade.

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OACV critica encerramento de serviços

A Ordem dos Advogados de Cabo Verde considerou sem fundamento constitucional ou legal a suspensão generalizada dos serviços da Câmara Municipal da Praia na sequência das buscas do Ministério Público, realizadas a 12 de Dezembro. Em comunicado, emitido ontem à tarde, a Ordem sublinha que as diligências de investigação criminal são legítimas num Estado de Direito e alerta que o encerramento de serviços públicos essenciais representa uma afectação directa dos direitos dos cidadãos.

*com Anilza Rocha

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1255 de 17 de Dezembro de 2025.

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Autoria:*Sara Almeida,17 dez 2025 13:13

Editado porClaudia Sofia Mota  em  19 dez 2025 13:13

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