A par disso, enquanto se tentam colmatar, no terreno, os desafios que se foram amontoando ao longo do tempo, está em curso uma reforma legislativa, em várias frentes, que visa evitar que os mesmos “erros” se cometam. De questões tão práticas como o loteamento, à definição de competências sobre a concessão da orla marítima – onde, tal como nas ZDTI – se pretende que a vertente do “planeamento” fique bem demarcada da do “negócio”, várias leis estão a ser mexidas. Nesta conversa com o Expresso das Ilhas, a ministra da tutela, Eunice Silva, destaca ainda a importância da reforma institucional planeada, que passa pelas competências do INGT e pela criação de um serviço nacional de inspecção. Já não serão só as Câmaras a ter essa função de fiscalização, mas o próprio Estado é chamado à responsabilidade.
Começando por uma questão mais geral: Que cidades queremos para Cabo Verde? Qual a visão do governo?
Tentamos seguir as orientações de carácter global, mas também, sobretudo, trabalhamos no sentido de nos orientarmos por aquilo que é nosso. Assim, no que diz respeito às cidades, a par da agenda urbana das Nações Unidas (que é trabalhada pela ONU-Habitat), estamos a realizar intervenções nos espaços urbanos para os tornar cidades onde as pessoas possam sair e passear a qualquer hora do dia ou da noite e sem se estarem a preocupar com grades nas portas e janelas das casas, por exemplo. Cidades abertas à cultura, portadoras de infra-estruturas de carácter sócio-cultural e promotoras do comércio e da produção da riqueza. Cidades seguras, no sentido abrangente da palavra, em que as habitações estão integradas num plano organizado, com acesso legal à água, à luz, ao saneamento, numa expressão, aos bens básicos.
Um dos programas lançados por este governo foi o Programa de Requalificação, Reabilitação e Acessibilidades (PRRA), que tem como conceitos-chave “Verde, Limpo e Inclusivo”. Conceitos que parecem ir na linha da agenda urbana. O que salientaria sobre este programa?
O foco do governo neste momento é requalificar os bairros, centros urbanos, orlas marítimas, os centros históricos e reabilitar habitações. Temos um défice elevadíssimo, que ronda os 60 mil fogos, seja do ponto de vista quantitativos seja qualitativo. Temos mais de 30 mil casas com tecto a cair. Não é possível uma resolução imediata do problema, nem é possível construir de raiz e entregar às pessoas. Então o foco é reabilitar casas de famílias mais carenciadas, que tenham o tecto a cair. Os casos mais graves, portanto. A prioridade é o tecto, a segunda prioridade é a casa de banho.
Como é que este programa tem sido avaliado?
O PRRA começou com três eixos - neste momento tem oito. Em 2017/2018 trabalhamos com esses três eixos. Casas, os bairros e os acessos, dentro do próprio bairro, intra-bairro. A execução da primeira fase do PRRA, com esses três eixos foi, a nosso ver, bem-sucedido. As pessoas aceitaram o programa muito bem. O PRRA para além de dinamizar a economia local, para além de viabilizar os pequenos operadores, para além de melhorar o habitat das famílias, cria emprego. Então o PRRA foi alargado a novos eixos: os patrimónios históricos, as orlas marítimas, algumas estradas, os projectos especiais como o mercado do Coco, como Chã das Caldeiras. São urgências ou aspirações da comunidade, que o PRRA absorveu. A partir de Janeiro de 2019 vamos estar a gerir 11 milhões de contos e a trabalhar com todos esses eixos.
E até agora?
No ano 2017 foram quase 300 mil contos, este ano ficou em cento e tal mil contos. Conseguimos realizar obras em todo o território nacional, com esse valor. São obras, que não ultrapassam os 9 mil contos por cada contrato, executadas por pequenos operadores. E devo dizer que para isso, desde o início, desencadeamos uma campanha de formalização dos operadores informais. O número de operadores multiplicou-se. Neste momento estamos com mais de 700 operadores no mercado, a trabalhar, formalmente, dos quais 444 são pequenos operadores, que fazem obras até 9 mil contos. São esses pequenos operadores que estão a trabalhar no programa.
Quantas obras foram já feitas então no âmbito do PRRA?
No ano de 2017 reabilitamos cerca de 297 habitações, promovemos a requalificações de vários bairros e construímos ainda à volta de 20 km de estradas de acesso. Relativamente a 2018, devido à limitação dos recursos, acordamos com as Câmaras Municipais reabilitar 30 habitações por concelho. A cada Câmara Municipal foi pedido que identificasse 30 famílias mais necessitadas, com problemas de casas com tecto a cair, e sem casa banho. Neste momento, algumas obras já tiveram início, outras estão em processo de concurso e outras, ainda em fase de identificação.
Nesse eixo de requalificação urbana, onde entram os espaços públicos?
A requalificação urbana inclui espaços públicos.
Mas continuamos com falta desses espaços…
Estamos a intervir em espaços consolidados, ou seja nos já existentes. Para criar novos espaços públicos em território construído teria de se demolir. Vai aparecendo uma brecha aqui e acolá e vai-se metendo uma praça, um parque, mas espaços públicos de maior dimensão terão que ser necessariamente inseridos em terreno desocupado. E isto é já matéria de planificação do território. Ora, o que estamos a fazer é requalificar os espaços já existentes, de forma a torna-los mais bonitos, mais seguros e mais práticos.
E o Verde? Penso que foi a sra. Ministra que falou, no âmbito desse projecto em: um ponto de luz, um ponto de água e “uma árvore à porta de casa”?
Exactamente. Seja na requalificação das vias, seja na requalificação urbana, seja no quadro das acessibilidades há recomendações no sentido de se promover a arborização. De preferência à porta das famílias para que cada família se habitue a cuidar da sua árvore.
O PRRA contempla quatro projectos especiais, como referiu. Começando pelo Mercado do Côco, como esta estrutura foi incluída no Programa?
O mercado do Coco era uma obra da CM Praia. Depois de ter estado parada algum tempo e após a avaliação feita por uma equipa técnica, chegou-se à conclusão que devido às características do terreno seria necessário proceder a construções especiais. O processo teria assim que ser retomado em bases tecnicamente novas. Perante isso a Câmara Municipal da Praia considerou que a complexidade técnica do projecto ultrapassava os meios de que o município dispõe e solicitou ao Governo a sua intervenção para o efeito. O Governo entendeu que sim e neste momento o processo está afecto ao MIOTH.
Mas vão insistir na construção naquele local?
O local vai ser esse, agora a solução técnica é que terá que ser revista. Ver se o que já foi feito é aproveitável ou se teremos de encontrar outras soluções. Uma equipa técnica de especialistas em estruturas está a analisar o processo e contamos que, ainda este ano, seja apresentada uma solução técnica para o efeito.
Temos também o mercado da Assomada…
Assomada é diferente. É acima de tudo a recuperação de um património. Um mercado que precisa de ser recuperado, mantendo de certa forma os traços que já vinham do passado. No quadro dos projectos especiais, temos ainda o caso do Tarrafal de Monte Trigo, onde temos dois projectos. Um, é uma estrada (acessibilidade) financiada pelo Banco Mundial e outro é a requalificação da frente marítima, que é um projecto do PRRA.
Por fim, outro projecto especial – este, diria, de outra dimensão – que é Chã das Caldeiras. O projecto inclui uma estrada que tem dado polémica, por destruir campos de cultivo.
Há aqui algum ruído injustificado: a estrada que existia foi destruída pelas lavas. Aliás, estava numa localização de risco. A população decidiu construir, por meios próprios, um caminho de maneira a chegar às comunidades isoladas. É este novo caminho que agora está a ser aproveitado pelo Estado para a construção de uma estrada calcetada de dimensões limitadas. Danos ambientais sempre haverá, em qualquer tipo de infra-estrutura implementada naquele local. Temos é de mitigar esses danos, e é o que estamos a fazer. A estrada passa dentro de terrenos de cultivo, porque esses terrenos já lá estavam, anteriormente.
A estrada é uma parte dentro de um projecto maior. Afinal o que está ser feito em Chã das Caldeiras?
Chã das Caldeiras teve apoios. Os donativos arrecadados para Chã das Caldeiras, após a erupção vulcânica de 2014, rondavam os 700 mil contos. Quando o actual Governo tomou posse encontrou um contrato, no valor de pouco mais de 300 mil contos para a reabilitação das casas construídas aquando da erupção de 1995. [N.R: 110 casas. Em Janeiro de 2015, o Gabinete de Crise - criado logo após a erupção para dar resposta aos efeitos da mesma - apontava números para a reabilitação dessas casas. O valor então referido era de cerca de entre 90 a 100 mil contos]. Cumprido o contrato, redefinimos o modelo de gestão de todo o processo.
Essa reabilitação já foi feita?
Sim. Feita a reabilitação, as famílias desalojadas foram instaladas nas casas. Mas em Chã das Caldeiras tínhamos 900 e tal pessoas, quase 300 famílias. Portanto, as casas de 95 não eram suficientes. Algumas famílias foram transferidas para as cidades, estando o Estado a pagar, ainda, as rendas. Apesar de estar legalmente proibida a construção em Chã das Caldeiras, a verdade é que muitas famílias tomaram a iniciativa de regressar para lá, recuperando as casas destruídas ou construindo novas habitações. Trata-se de gente batalhadora, que sempre viveu nessas terras e habituada a trabalhar arduamente. Neste momento, estamos a trabalhar com essas pessoas no sentido de integrar essas novas construções na paisagem circundante. Por outro lado estamos a tomar em conta questões ligadas à educação, à saúde, ao saneamento e à protecção civil, designadamente.
É no âmbito dessa requalificação de Chã das Caldeiras que foi instalado lá um gabinete técnico do M-EIA? Com que intuito?
O M- EIA é a única escola nacional de nível superior, que lida com as artes e nós estamos a trabalhar num local impar. Chã das Caldeiras é um património natural. Mas o património também se cria. Não se pode construir em Chã das Caldeiras como se constrói nas cidades. Queremos processar algo endógeno, adequado ao meio, que seja genuinamente cabo-verdiano. Ao abrigo da Lei de Bases do Ordenamento do Território, elaboramos o Plano Detalhado, socializado, aprovado em Assembleia Municipal e publicado no Boletim Oficial. As edificações contempladas nesse plano espelham, pois, a cultura cabo-verdiana. E é isso que está a ser feito, sob orientação técnica da M-eia.
É uma grande aposta, Chã das Caldeiras?
É um desafio grande que o Governo assumiu e está decidido a levar a bom termo.
Saindo do PRRA. Sal e Boa Vista …
São também desafios a vencer.
Qual o foco deste projecto para estas duas ilhas “turísticas”?
No Sal e Boa Vista o foco são as barracas. Pensamos que o governo anterior, através do programa Casa para Todos (CPT), teria tentado encontrar uma solução. Na verdade, temos, hoje, cerca de 870 habitações construídas no âmbito do CPT na Boa Vista e cerca de 700 no Sal. Umas estavam concluídas no início desta legislatura, outras nós tivemos nós de as concluir. Como é evidente, uma construção dessa envergadura implica necessariamente uma rede de esgotos, o que não existe na Boa Vista. Por isso, nesta ilha as casas estão ainda fechadas. Isso condicionou não só o programa CPT como o bairro da Boa Esperança que está precisamente ao lado das casas recentemente construídas. É um bairro que não tem nenhuma infraestrutura pública de carácter social, não tem nada. As pessoas desenrascam-se, à sua maneira. Para entrar naquela comunidade tivemos de fazer um estudo de fundo, de carácter social com levantamento do cadastro social único, feito pelo Ministério da Família e Inclusão Social, ao mesmo tempo que aqui no MIOTH desenhávamos as soluções técnicas, seja da rede de esgotos, seja da requalificação urbana, seja os equipamentos sociais necessários para intervirmos. Tínhamos duas soluções: ou arrasar tudo e tirar aquela gente dali, ou então por requalificar. Optamos por requalificar. Mas não era possível requalificar todo o bairro. Separamos a parte consolidada, isto é com habitações em betão e com ruas em terra batida, das áreas de construção em papelão e sem arruamentos. As pessoas que habitam nesta parte deverão ser realojadas num bairro novo que estamos a criar [do outro lado do CPT]. Na parte consolidada, estamos a calcetar as ruas e a instalar as redes de água e electricidade. Vai ser, igualmente, instalada uma rede de esgotos e já foi construída uma ETAR. Ou seja, estamos com três frentes: rede de esgotos, requalificação do bairro e zona de expansão nova. Este é um projecto financiado pelo fundo do Turismo. Mas na ilha da Boa Vista também temos o PRRA em andamento.
Dentro dos projectos financiados pelo Fundo do Turismo, o que está a ser feito no Sal?
No Sal temos dois bairros ligados: Santa Cruz e Alto de São João. Tudo zonas de barracas, que não estão consolidadas. Criamos, assim, uma zona de expansão nova para realojamento das famílias actualmente residentes nas barracas e consequente eliminação destas.
Se não houver a adesão da comunidade o projecto fracassa…
Estamos a fazer um trabalho pedagógico junto das comunidades com o fim de as envolver nas soluções propostas. Vai ser criada uma comissão integrada por representantes do MIOTH, do Ministério da Famíliae Inclusão Social, da Câmara Municipal e das comunidades para se equacionar as soluções adequadas.
Falando de turismo. Uma das críticas que tem sido feito é que quando os governos permitiram a construção dos resorts nessas ilhas, não asseguraram, nas negociações, que os trabalhadores tivessem residência. O que está a ser feito para evitar que a situação se repita?
Nos nossos encontros com a classe empresarial temos colocado esta questão. Os empresários têm-se justificado, afirmando que, no passado, o Governo teria preferido receber os impostos devidos e arcar com as despesas referentes à habitação, saneamento, água e electricidade das populações. Disseram-lhes que esses investimentos de carácter público são tratado pelo governo e esses impostos devidos seriam utilizados para esse fim. Estamos no entanto em negociações, tentando encontrar uma solução mais justa e praticável para o futuro.
E entretanto, temos essa questão, que não é só das ilhas turísticas, dos assentamentos informais (usando a terminologia adoptada pelo MIOTH). Um desafio…
O principal desafio é fazer com que possamos agir na prevenção. As sociedades têm naturalmente uma dinâmica própria, mas como recomenda o saber popular, mais vale prevenir do que remediar. Isto significa elaborar planos, aprová-los e implementá-los no estrito respeito pelas regras neles estabelecidas.
Certo, há os Planos, mas o que se tem verificado, muitas vezes, é que estes depois não são cumpridos…
É verdade. Há um papel importante que, às vezes, ninguém quer assumir, que é a fiscalização. Tarefa que, em princípio, deveria ser feita pelas Câmaras Municipais nos seus respectivos territórios. Claro que o Estado tem também a sua cota de responsabilidade, porque a fiscalização é deficiente a vários níveis. Esta questão implica, por outro lado, uma educação cívica mais assertiva.
O que está agora a ser feito?
Com o envolvimento das Câmaras Municipais, que é o poder que está mais próximo das populações, temos estado, por um lado, a reforçar o planeamento, criando espaços identificados onde as pessoas podem construir (se assim for, talvez os assentamentos não acontecessem desta forma), e por outro lado, a trabalhar junto das populações no sentido de corrigir comportamentos arreigados.
Quanto ao que já está construído, era (e é) complicado deitar as casas das pessoas abaixo sem oferecer uma solução...
Sim. Não havia planeamento e não houve como travar a auto-construção. O que estamos a fazer agora é um processo de planificação apertado, com as CM. Só que os planos detalhados levam tempo a ser elaborados e as necessidades da população em matéria da habitação crescem exponencialmente. Alteramos a lei [regime jurídico de operações urbanísticas, que foi levado ao parlamento na última sessão] para permitir que as CM elaborem loteamentos, dentro de áreas parcialmente consolidadas, sem depender do parecer vinculativo do governo. A par do planeamento territorial, dos instrumentos previstos na lei - os planos detalhados, os planos directores municipais - , o loteamento é uma coisa que pode ajudar na resolução do problema dos assentamentos informais. Há, no entanto, situações que não podem ser toleradas.
E em relação às casas que já estão feitas, e foram construídas em sítios que não deviam, como linhas de água ou acessos?
O regime jurídico de operações urbanísticas, ora em processo de revisão, não prevê a questão das zonas de riscos. Com a revisão, além de estarmos a propor criar pequenos loteamentos, propomos condicionar a expansão urbana a indicadores demográficos que a justifiquem. Essa expansão tem, por outro lado, de estar sempre associada a planos de emergência e a planos de proteção civil.
Isso é prevenção, futuro, mas o que se pode fazer em relação ao que já está construído?
Neste momento as CM, sobretudo a Praia, que é onde essa situação se põe com mais acuidade, estão a tratar disso. Estão a fazer obras de drenagem para desvio da água e consequente protecção das encostas e das habitações.
Tínhamos e temos esse défice habitacional, e a certa altura apareceu o CTP com o intuito de apresentar uma solução. Depois o programa acabou por trazer vários problemas. Tantas voltas e reviravoltas, às tantas nem sabemos como está… Como estamos?
Para dizer como estamos, temos de nos situar primeiro. Como é do domínio público o anterior Governo contraiu um empréstimo externo de 200 milhões de euros para a realização do programa Casa para Todos, em que Cabo Verde devia entrar com 20 milhões - seriam 22 milhões, à contrapartida de 10%. Quando o actual Governo assumiu a administração do país, em 2016, o programa estava parcialmente executado, ou seja, apenas um terço dessas habitações estavam finalizadas. Essas habitações eram classificadas em três classes: A, destinada às famílias mais carenciadas (com rendas simbólicas), B e C para comercialização. O anterior Governo tinha entendido retroceder a dívida contraída à IFH, que não tinha, naturalmente, meios financeiros para fazer face ao encargo. Face a esta situação, o actual Governo decidiu recentrar o programa, desanexando a Classe A , que passou para a responsabilidade do Estado, ficando a IFH com a responsabilidade das Classes B e C para a comercialização. Nessas casas, está-se a melhorar o produto. Desses 22 milhões, cerca de 6 milhões de contos de dívida, referente ao social, passaram, então para o Estado. Entretanto, as cerca de 2000 casas da Classe A foram já transferidas para as Câmaras Municipais que assume, doravante, a sua gestão. Havia um programa que fazia a selecção dos inscritos – e é de referir que apesar de só haver 2 mil casas dessa classe, havia 30 e tal mil pedidos – que deveria ser actualizado anualmente. Não foi e agora o cadastro social único vai servir de base para que as CM possam fazer essa distribuição.
E falando, não de empréstimos mas de financiamentos. Temos as obras financiadas pelo Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) e pelo Banco Mundial (BM). Começando pelos portos da Palmeira e do Maio…
Devo dizer que quanto à Palmeira, o porto já foi inaugurado, tendo sido uma obra iniciada ainda no Governo anterior. Mas há ainda uma segunda fase, que é a das estruturas terrestres, associadas à logística do porto (armazéns, parques de contentores, acessos), avaliado em mais um milhão de contos. Quanto ao porto do Maio vai-se melhorar a sua operacionalidade, incluindo a construção da rampa de roll on-roll off. O concurso já foi lançado e a obra deverá ter lugar em inícios do próximo ano.
E os projectos do BM?
São cinco estradas. A única que já teve inicio é de Tarrafal de Monte Trigo. O processo estava mais avançado.
Essa estrada já vem do governo anterior?
Sim, nós pedimos um novo financiamento, o que vai permitir construir não só as outras 4 estradas previstas para o interior de Santiago como ainda alargar a de Tarrafal de Monte Trigo.
As estradas de Santiago estão direccionadas para desencravar zonas agrícolas com potencial turístico, económico e agrícola. São estradas de desencravamento. O pacote do Banco Mundial para essas cinco estradas é de cerca de um milhão e 400 mil contos
Um outro tema: orlas marítimas. Este é um assunto que tem dado polémica, principalmente na Praia, onde muitos cidadãos se têm vindo a manifestar contra a cedência das mesmas aos privados… O dedo é apontado à CMP, mas o que diz o governo a esta contestação? Ao uso das orlas para fins privados em cima do mar?
Pois é! Às vezes as pessoas pensam que é este ministério que tem essa responsabilidade. A verdade é que, no caso de Praia e São Vicente, está-se a aplicar uma portaria de 1971, que atribuía a gestão da orla marítima às Câmaras Municipais. Todas as outras orlas marítimas são controladas pela Agência Marítima Portuária, actual Instituto Marítimo Portuário – IMP. É verdade que houve aproveitamentos na ocupação da orla marítima [orla refere-se a 80 m de extensão terra a partir da linha de preamar]. Através do cadastro predial que fizemos já identificamos os prédios, construídos ou não, que são de privados e que estão dentro da orla marítima. Dentro das ZDTI a situação está mais controlada, mas todas as orlas, de um modo geral, tiveram pressão, tiveram decisões que permitiram a construção. Estamos então com este problema, de como resolver a questão desses prédios, localizados dentro da orla marítima. Além de estarmos a tentar resolver a questão desses prédios, estamos a ver como vamos gerir de ora avante a orla marítima, para impedir esse tipo de situações. Há vários actores que entram no processo e é preciso definir o papel de cada um, pois por vezes há uma sobreposição. Neste momento,o MIOTH e o Ministério da Economia Marítima estão a trabalhar no processo de revisão da lei [domínio público marítimo], à semelhança do que fizemos com as ZDTI. Na ZDTI separamos o negócio da planificação. O planeamento passou a ser responsabilidade do MIOTH, a parte do negócio ficou com o Ministério do Turismo. Seja como for, vamos resolver as situações que temos dentro das orlas e travar novas situações, na base legal. Isto nãonão quer dizer que não deve haver construção. Somos um país turístico e queremos que os turistas venham e não fiquem nos hotéis, queremos que saiam, que venham ao restaurante à beira mar. Só que esses projectos tem de ser enquadrados convenientemente, o plano tem que ser bem feito, o projecto têm de ser bem feito e deve-se respeitar a existência de espaço público e deixar acesso ao mar.
E a nível dos “poderes especiais” do Mindelo e da Praia?
Como já disse, a solução ainda está a ser trabalhada. É uma lei, porém, que tem de ser aprovada na Assembleia Nacional.
Além dessa mudança legislativa, que outras reformas legislativas e institucionais estão em curso?
Reforma legislativa é o que estamos a fazer todos os dias, ainda ontem (11 de Outubro) estivemos na Assembleia a discutir as operações urbanísticas. A ZDTI e a lei de base de ordenamento de território já foram mudadas. Estamos a trabalhar, como disse, a lei do domínio público marítimo, na qual se pretende definir as competências das partes, e integrar a tal portaria de maneira a revogá-la. A par da reforma legal, estamos igualmente a fazer a reforma institucional, sobretudo a nível do Instituto Nacional de Gestão do Território (INGT). Este governo tem como preocupação a valorização do espaço e necessidade de planeamento. Para nós, então, o INGT, tem de ser uma instituição à qual é preciso dar muita atenção, porque se vai ocupar do cadastro, do ZDTI, do planeamento do território. É o INGT que tem a base cartográfica, do país, que se ocupa das zonas de referência geodésia, tem toda essa responsabilidade, e portanto, é necessário adaptar o INGT aos desafios do sector, de modo a suportar o desenvolvimento que acontece dentro desse mesmo território.
Essas responsabilidades ainda não lhe foram atribuídas?
Trata-se de um processo. As coisas vão acontecendo paulatina, mas seguramente. É importante capacitar, e mencionar a própria instituição para responder às responsabilidades que lhe estão chegando cada dia. Neste sentido vai ser criado, por exemplo, um serviço de inspecção do território, a nível central, no quadro dessa reforma institucional. Antes essa função era só das CM, e havia uma certa passividade do poder central. Doravante, vai haver fiscalização das regras determinadas pela Assembleia Nacional, a nível central.
Em jeito de conclusão: quando terminar este seu mandato o que vai ser possível ver, ou, dito de outro modo, vamos perceber que houve alguma mudança de paradigma no sector IOTH?
Grandes mudanças. Sobretudo relativas às ZDTI’s e aos desafios que nós temos em execução no terreno. Designadamente, a questão das barracas, o programa de Chã das Caldeiras, ou ainda o desencravamento das localidades. A aposta agora é o desencravamento e, nessas estradas, saltou-se do asfalto para a pedra (nacional). Dá emprego, a manutenção é mais fácil, não implica grandes equipamentos. Estamos inclusive a utilizar a pedra nas requalificações urbanas, não em todas, mas estamos a priorizar este material. Na requalificação de Santa Maria, o piso é pedra. No aeroporto da Praia usamos pedra basáltica. Tentamos usar o produto natural do país. O PRRA, por exemplo, prevê a introdução de tecnologias tradicionais. Nos telhados, a orientação é para usar telha. O betão é excepção. Estamos também a trabalhar com a CM no sentido de eliminar o uso das chapas metálicas, que trazem riscos ambientais e outros. No caso das reformas legislativas, destaca-se a separação das competências, para não haver…
Contaminações?
Sim. Separamos o negócio, do planeamento.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 881 de 17 de Outubro de 2018.