Afirma o Embaixador não permanente de Cabo Verde em Israel, o nosso país tem estado desde a independência a votar sistematicamente contra Israel, sem analisar. Para Carlos Veiga, em prol dos interesses de Cabo Verde, temos que dialogar politicamente com Israel, o que não quer dizer que vamos aceitar todas as suas posições. Nesta entrevista realizada, em finais de Janeiro, na Praia, à margem da conferência sobre os 200 anos de relações entre Cabo Verde e os Estados Unidos, o também Embaixador em Washington fala dos problemas e desafios que se colocam à nossa comunidade nesse país norte-americano.
É embaixador não permanente de Cabo Verde em Israel. Como deve a nossa relação com este país?
A nossa relação com Israel tem tudo para dar certo. Israel tem coisas muito semelhantes às nossas, nomeadamente a aridez das suas terras, insuficiência de chuvas, mas Israel suplanta tudo isso com uma tecnologia que é das mais avançadas do mundo, com uma resiliência que advém da sua capacidade de se organizar para enfrentar desafios maiores que possam existir. Está rodeado de outros países que lhe são hostis. Alguns têm como objectivo a sua destruição, mas o país aguenta-se. Israel está à frente em coisas como energias renováveis, está à frente nas novas tecnologias para produzir água até do ar, para reciclar água e utilizá-la, não desperdiçando uma única gota sequer. Israel está à frente na formação superior dos seus quadros em áreas que lhe são vitais e que podem ser importantes para nós. Portanto, é um parceiro que está bem enquadrado connosco. Para mais, nós temos uma herança judaica em Cabo Verde que é apreciada também por Israel. Portanto, temos pontos de contacto muito importantes. O que temos que fazer é compreender Israel, compreender a geopolítica que existe naquela região do Médio Oriente e saber perceber também o que nós podemos dar em troca. Não é só dizer queremos, queremos e não damos nada. Hoje não há isso e o que Israel nos pede não é muito. Israel diz, não votem sistematicamente contra mim sem analisar. E é isso que temos estado a fazer ao longo dos anos: sistematicamente nós votamos contra Israel, porquê? Aceitaríamos que um conjunto de pessoas viesse dizer ‘vou entrar no teu território à força’. Nós aceitaríamos isso? Se pudéssemos impedir, a gente impedia. Eles conseguem impedir isso, porque estão preparados do ponto de vista militar, do ponto de vista da inteligência e se calhar são um dos países mais avançados do mundo. Felizmente não temos esse problema. A cooperação com Israel pode ser importante, mas ela tem que ser global, política também. Nós temos que dialogar politicamente com Israel, não quer dizer que vamos aceitar todas as posições de Israel. Mas temos que saber posicionarmos. Eu lembro-me que quando todos impediam os aviões da África do Sul de aterrar em África, nós aceitamos, porque isso era do nosso interesse nacional. Fizemos isso. Quando todos diziam que a ajuda alimentar não podia ser vendida, nós vendemos, para construirmos infraestruturas, para darmos emprego às pessoas e dá-lhes uma condição de vida digna e avançamos. Portanto, é assim que temos que fazer: dialogar politicamente com Israel; ver com razoabilidade as questões e tomar as posições nessa base de diálogo, de razoabilidade e em consideração do nosso interesse nacional. Agora o que é importante é tentar ajudar que haja paz nessa região, entre israelitas e palestinianos. Acho que toda a gente ganharia; os palestinianos também ganhariam bastante. Também para os palestinianos terem um parceiro como Israel seria muito bom em termos de melhoria das suas condições de vida. Israel poderia também estar mais à vontade e não ter que estar sempre na defensiva. Todos os que poderem ajudar para que se estabeleça a paz entre israelitas e palestinianos devem poder fazê-lo, porque aquela região, que é um dos focos de muitos problemas no mundo, poderia ganhar imenso. Inclusive já vemos países árabes mais abertos, a relacionar-se com Israel e eu penso que este pode ser o caminho. Repare, pela nossa própria idiossincrasia nós conseguimos estar de bem com toda a gente. Adaptamo-nos a todos os povos do mundo, porque temos também raízes em todas as partes do mundo. Nós somos um povo tolerante, todos praticam a sua religião, cada um tem a sua crença, cada um tem a sua maneira de ser. Nós somos tolerantes e temos que admitir a todos e os outros têm que nos admitir também. Penso que falta isso. Eu penso que é pelo diálogo que se vai conseguir levar a paz naquela região e não pela corrida armamentista. A história já demostrou que Israel é poderoso; Israel defende-se bem e já teve que entrar em guerra várias vezes e venceu. Enfim, eu acho que Israel pode ser um grande parceiro de cooperação com Cabo Verde. Julgo que nós devemos fazer tudo para encontrar um bom equilíbrio na nossa relação com Israel que não pede muito. Sim, nós podemos ter essa boa relação.
Até porque somos dois países diaspóricos.
Israel tem uma capacidade de organização de sua diáspora e beneficiam disso. Os Diaspora Bonds são uma das fontes maiores de receitas e de investimentos de Israel. O Estado de Israel vem fazendo maravilhas com o investimento que a diáspora judaica faz nos títulos de tesouro israelita. Portanto, a diáspora judaica é um bom exemplo para nós. Cabo Verde quer fazer isso, há outros países que tentaram. Mesmo esses países que tentaram e não conseguiram, o modelo é o israelita. Eles gerem bem a sua diáspora, temos que aprender como a sua diáspora se organiza, para podermos potenciar ainda mais a nossa diáspora, porque o potencial está lá. A nossa diáspora é muito engajada com Cabo Verde, tanto como os judeus estão engajados com Israel. Agora, como podemos tirar proveito desse potencial? Temos que aprender.
Passando aos Estados Unidos. A deportação de cidadãos cabo-verdianos tem aumentado com a administração de Donald Trump?
Torna-se claro no movimento das deportações que esta administração está a aplicar as leis americanas com maior assertividade e, portanto, para grande número de países o número de deportados tem efectivamente aumentado. No caso de Cabo Verde, o número de pessoas que retornam em termos absolutos não é grande, mas para a nossa realidade é de facto pesado, embora me pareça que as pessoas estão a integrar-se razoavelmente, mas eu acho que temos que fazer ainda mais: prevenir situações que possam conduzir à deportação; tentar monitorar essas situações, quer aqui em Cabo Verde, quer nos Estados Unidos, mas também criar condições de reintegração. As pessoas que retornam têm muitas vezes capacidades que lhes podem ajudar a começar uma nova vida aqui em Cabo Verde, até com mais facilidade do que muitos que estão aqui no país. Portanto, nós temos que criar essas oportunidades e dar-lhes esse sentimento que regressam à terra deles, que os recebe bem e que quer que eles tenham uma nova oportunidade e que se sintam bem.
Digamos que o diagnóstico das situações que conduzem à deportação está feito, mas há cabo-verdianos que continuam a insistir nas mesmas práticas e acabam por entrar em conflito com a lei.
Repare, a nossa comunidade é muito forte e muito bem integrada, mas como em todas as comunidades há aqueles que estão em conflito com a lei. Mas nós temos milhares e milhares de pessoas que estão bem integradas, são muito consideradas. É uma comunidade de que os cabo-verdianos se devem orgulhar. Agora há aqueles que por mil e uma razões entram em conflito com a lei e temos é que os ajudar, prevenindo que cheguem a esse tipo de situações. A América é uma terra de oportunidades, mas também de normas. Se você cumpre as normas, pode ter a certeza de que as oportunidades vão aparecer e que você vai triunfar, como a grande maioria triunfa. Em alguns casos isso não acontece e acaba por prejudicar essas pessoas, as suas famílias e, de alguma forma, prejudicar o próprio país. Temos é que trabalhar com isso e encará-lo com muita seriedade, porque são pessoas, não são números. São pessoas que estão com os seus problemas e nós temos que ter isso em consideração.
No mês de Julho do ano passado entregou ao governo um programa de prevenção, monitoramento e reintegração dos deportados. Já se avançou com o programa?
Apresentamos um programa e foi discutido no Conselho de Segurança Nacional. A ideia foi aceite, mas é preciso pôr isso em prática; sobretudo são precisos recursos. A minha ideia é que nós temos que começar com os nossos próprios recursos. Acho que algumas coisas estão a avançar. Esteve cá recentemente um jovem da comunidade que passou por isso, recuperou e hoje o trabalho desse jovem é exactamente falar com os cabo-verdianos que estão em conflito com a lei e explicar-lhes que esta não é a via e que é preciso arrepiar caminho. Ele veio, foi recebido pelos membros do governo e nós ajudamos um pouco nisso. Mas já há também organizações não-governamentais que estão a trabalhar nisso. Quer dizer, a sociedade cabo-verdiana começa a tomar consciência de que este é um problema nosso, isto é, de Cabo Verde como um todo e não apenas de um problema do governo. Não temos que estigmatizar ninguém, nós temos de mostrar às pessoas que os deportados estão na terra deles, que esta terra é uma terra boa, que é procurada por outros e portanto não devemos ver o regresso a Cabo Verde como o fim do nosso mundo. Não é nada disso, se calhar é uma nova oportunidade.
Quais são as linhas de força desse programa?
No fundo, antes de as pessoas partirem, é preciso explicá-las o que são os Estados Unidos. Conhecendo os EUA, mesmo que superficialmente, nós vemos que aquilo é um grande país, uma grande nação mesmo. Não só em extensão, mas em tudo o que é a riqueza que existe, as oportunidades e possibilidades que a sociedade americana faculta; mas às vezes as pessoas pensam que é só chegar lá e já está. Não é nada disso, os Estados Unidos triunfam e triunfaram e são o que são, porque trabalham muito, porque se esforçam bastante e porque levam as coisas com muita seriedade. E cumprem regras: têm regras e cumprem regras. O termo é law enforcement que não é a mera aplicação da lei. O law enforcement é levado muito a sério, à risca mesmo. As pessoas sabem que lá é assim. As oportunidades estão no quadro das regras que lá existem. Infelizmente, muitas vezes, quando as pessoas partem daqui têm ideia só do lado bom. Ou seja, que a América é um país de oportunidades, mas esquecem-se das regras. Há famílias destruturadas, há pais com três a quatro empregos e depois não têm tempo para a família: as crianças crescem um pouco abandonadas. Aqui em Cabo Verde a moda agora é quando as pessoas se aplicam para um visto, tiram as crianças logo da escola, quando o mais lógico seria continuar a ir à escola, porque quanto mais escolarizadas as crianças chegarem aos Estados Unidos mais fácil é a integração… ou pelo menos irem sabendo mais inglês, o que torna a sua integração muito mais fácil. Mas também na nossa comunidade há esse aspecto de famílias desestruturadas em que as crianças ficam em situação de risco, de contacto com outras realidades que são negativas. Tudo isso tem que ser possível de trabalhar. Eu acho que há boa vontade da comunidade, há potencial para de forma organizada trabalhar-se na prevenção. Depois temos que fazer o monitoramento para quando as situações ocorrem ou estão em vias de ocorrer. Temos de prevenir o máximo possível, mas também saber com o que o país pode contar: quem vem, quem não vem; o que ele fez, o que ele deixou de fazer. É preciso que o país saiba se há alguma previsibilidade e um ritmo que seja absorvível por Cabo Verde – é preciso que isso seja garantido. Está-se a tentar e tentou-se com um memorando de entendimento que existe entre os dois governos. Mas quando se dá o retorno, então é preciso tentar reintegrar. Nem sempre é possível, porque também o país não tem muitos recursos. Mas com os recursos que tivermos, temos que procurar fazer o melhor possível. Eu acho que a sociedade cabo-verdiana começa a sentir isso e começa a sensibilizar-se nesta matéria, e portanto quando vejo organizações não-governamentais aqui a tentarem trabalhar com os retornados, penso que isso é positivo.
Afora a questão das deportações temos uma comunidade nos EUA bem integrada e muito engajada com o seu país de origem. Temos sabido aproveitar da melhor forma esse potencial?
Tenho a opinião que não. Desde a independência que não temos a exacta noção de quão forte, quão organizada, quão vibrante e quão engajada com Cabo Verde é essa comunidade. O potencial que lá existe não é um potencial só de remessas, mas é o potencial de conhecimento, de competências que lá existe e é um potencial do amor a Cabo Verde, do orgulho pela cultura cabo-verdiana, da preservação da cultura cabo-verdiana e da promoção da cultura cabo-verdiana. Acho que desde a independência não temos conseguido tirar partido deste activo. Aliás, isso começa pelo facto de, se calhar, não sabermos ao certo quantas pessoas nós lá temos, quem são essas pessoas, o que fazem, o que podem fazer, o que são capazes de fazer e traduzirmos isso em medidas de política aqui em Cabo Verde, para dizer a essa gente: venha, tu és bem-vindo aqui em Cabo Verde. Mas o que é que acontece? As pessoas chegam cá temos uma alfândega que diz, ‘lá vêm eles com mania’. Não é nada disso. Temos que nos compreender, os que estão lá e os que estão cá e sabermos que somos parte de uma mesma nação e o que está lá daquele lado é também muito importante para Cabo Verde. Como disse, é um potencial enorme que lá está e eu espero que cada vez mais sejamos capazes de fazer com que esse potencial beneficie Cabo Verde, beneficie os cabo-verdianos e beneficie toda a nação.
Como classifica a parceria de cooperação entre Cabo Verde e os Estados Unidos? E como se podia aproveitar mais a relação com os EUA?
A relação é boa. Os Estados Unidos têm relações com Cabo Verde quase desde a independência, mas já vimos que as relações entre os dois povos são anteriores à independência e originaram a abertura de um consulado aqui na Praia, o primeiro consulado na África subsariana há mais de duzentos anos. Do lado de lá, também há mais de duzentos anos que fomos o primeiro povo africano a ir livremente para os Estados Unidos a procurar uma vida melhor. De facto, isso também pesa nas nossas relações. Desde a independência temos relações diplomáticas que são muito boas, amigáveis. Os Estados Unidos estiveram sempre ao lado de Cabo Verde em todos os momentos. Começou logo a seguir à independência com toda a ajuda alimentar que deram a Cabo Verde através da USAID [Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional], a formação de quadros através de bolsas de estudo para áreas que eram fundamentais para nós, nomeadamente nas áreas de conservação de solos e água que na altura da independência devido à seca que atravessávamos havia problemas bastante graves. Depois, numa fase mais madura, mas com base na experiência que tivemos nós não demos, não distribuímos a ajuda alimentar. Cabo Verde não distribuiu, não utilizou uma prática assistencialista. Utilizou isso para realizar dinheiro, fazer infraestruturas, garantir postos de trabalho às pessoas para que elas vivessem com dignidade. Os Estados Unidos aceitaram isso e fizeram muito bem, porque isso faz parte da sua própria filosofia de vida. Tudo isso deu a Cabo Verde a capacidade de ser elegível para outros tipos que cooperação como os compactos (MCC) pelo facto de termos usado bem os recursos que foram postos à nossa disposição. Os Estados Unidos são muito ciosos de que cada dólar de ajuda seja bem utilizada e que beneficie pessoas. Cabo Verde mostrou que isso é possível. Portanto, fomos o primeiro a ter dois compactos, terminamos com sucesso os dois compactos e somos apresentados pelos Estados Unidos como um bom exemplo de como se deve gerir a ajuda e hoje estamos em áreas que são sensíveis em todo o mundo como defesa e segurança. Portanto, com uma cooperação muito estreita. Ou seja, temos uma relação adulta, uma relação muito madura, uma relação de parceria e uma relação de amizade. Acho que do nosso lado, o facto de termos o país mais poderoso do mundo como nosso amigo é boa coisa, mas é preciso sabermos que os Estados Unidos apreciam o que os cabo-verdianos têm dado à nação americana: as personalidades que tem dado, as contribuições que têm dado para várias áreas, etc. Eu penso que essa relação é muito forte, muito profunda, de respeito mútuo e de apreço mútuo e eu penso que nós temos todas as condições para continuarmos a desenvolver e aprofundar essas relações.
Saltando para a economia. A nova estratégia de cooperação da administração americana é financiar o sector privado na perspectiva de se criar emprego. Quais as chances de Cabo Verde ser contemplado com este tipo de financiamento?
Chances há, só que a bola está do nosso lado, do lado do sector privado. Há que conhecer as possibilidades que existem, desenhar os projectos necessários para se enquadrar como fizemos com os compactos e portanto termos agora essencialmente não o Estado nessa relação, mas as nossas empresas a cooperarem, a fazerem parcerias com empresas americanas, para criarmos condições para atrair investimento americano. Está também em discussão a possibilidade de haver um acordo de comércio com os Estados Unidos. Penso que Cabo Verde não tem nada a perder com esse tipo de acordos, pelo contrário, teremos a ganhar bastante. Para Cabo Verde, termos um acordo de comércio com os Estados Unidos é um cartão-de-visita muito importante para o investidor americano. O investidor americano sabe que se os dois governos celebram um acordo, eu posso investir tranquilamente em Cabo Verde, que é seguro. Portanto, para nós é bom, mas os Estados Unidos sabem que para eles também pode ser bom. Nós somos porta de entrada para o continente africano que vai ter uma área de comércio livre enorme com grande potencial. Hoje nos Estados Unidos todos os grandes think tanks dizem que o futuro é africano. A África é um continente com um potencial económico extremamente grande e muito importante para as empresas americanas e de outros países. E, portanto, nós estamos posicionados como uma ponte e isso é a nossa vocação. Estamos no meio do Atlântico e creio que será bom para os Estados Unidos e será seguramente bom para Cabo Verde. Claro que a relação é assimétrica. Os Estados Unidos são um país enorme, o país mais poderoso do mundo, nós somos pequenos, somos um pequenino mercado, mas creio que se integrados temos uma possibilidade muito maior. Portanto, acredito que há espaço para fazermos esse tipo de relacionamento. Por isso é que eu digo que nós estamos relativamente confortáveis na nova estratégia, porque os requisitos que são exigidos, mesmo as condicionantes que são postas, já são praticadas em Cabo Verde quase desde a independência.
Turismo. Os americanos parecem que não gostam de passar férias em Cabo Verde. Ou nós é não temos sabido atrair esse enorme potencial para Cabo Verde?
O turismo de sol e praia que nós temos aqui, eles lá têm mais perto e mais barato, não só dentro nos Estados Unidos como nas Caraíbas, etc. Mas eu penso que eles estariam interessados num outro tipo de turismo mais qualitativo, que explora coisas como o vulcão do Fogo, ou que explora coisas como a Cidade Velha, portanto a nossa história e até que ponto essa história se pode integrar na história dos afroamericanos, ou que explora a parte cultural, a Cesária Évora é admirada nos Estados Unidos, temos o Horace Silver que revolucionou o jazz norte-americano. Nós tivemos cabo-verdianos a darem o seu contributo no jazz americano. Eu penso que é por aí, por esse turismo mais qualitativo que poderemos atrair o turista norte-americano. Mas temos de ser capazes de poder atrair companhias aéreas americanas para Cabo Verde. Nos anos 90 estivemos quase, mas infelizmente não foi possível aproveitar aquela oportunidade. Nós tínhamos a Delta a voar para o Senegal, passava por cima de Cabo Verde, mas mesmo isto vai desaparecer, porque agora o objectivo é a Nigéria ou a África do Sul – fazem isso directamente, sem escala. Os aviões têm hoje essa autonomia de voo e podem fazê-lo. É preciso persistir, mas também é preciso saber uma coisa: para promover Cabo Verde, você tem que gastar dinheiro, tem que investir; tem que investir na promoção do país, mostrar o que de bom o país tem, mostrar que Cabo Verde é um país estável, é uma democracia, é seguro, partilha valores com os americanos e tem coisas muito bonitas para além de sol e praia. Temos que promover, mas isso custa. Lá não se faz nada de graça, tem que se investir. Cabo Verde não entendeu isso ainda. Nós pensamos que tudo cai do céu. Tudo não cai. Temos que investir. Benfeito, concentrado, organizado e programado e penso que teremos resultados.
O Grupo Parlamentar do MpD vai levar ao Parlamento um projecto-lei que cria a Ordem da Liberdade. Sabendo que todas as comendas são da primeira república, questiona-se por que é que a segunda república não criou nenhuma ordem?
De facto, todas as ordens que nós temos são da primeira república. Nós fizemos alguma adaptação, porque preferimos na altura actualizar as ordens honoríficas do que mudar. Por exemplo, havia ordens que só beneficiavam combatentes da liberdade da pátria, mas hoje beneficiam também os que combateram pela liberdade política, portanto pela democracia. Temos que reconhecer que Cabo Verde hoje não é só independência: é independência e democracia. A Ordem da Liberdade nos países democráticos é normalmente a grande ordem. Não se trata de desmerecer mais nada do que existe, mas de acrescentar. O país não pode ficar refém do passado. A gente tem que avançar, respeitando, admirando o passado naquilo que deve ser admirado, promovendo o conhecimento do passado como ele é, mas também avançando para o futuro. Do meu ponto de vista não há nada de mal nisso.
Não corre o risco de ser o primeiro a ser distinguido com a Ordem da Liberdade?
Eu tenho o Primeiro Grau da Ordem Amílcar Cabral, sou das poucas pessoas que tem essa condecoração. Estou orgulhoso disso, mas nunca me preocupei com isso.
Se quisesse candidatar-se a presidente da república seria elegível?
Se eu quisesse, penso que seria elegível por uma razão muito simples: a Constituição diz que ninguém pode ser prejudicado por exercer funções públicas. A nossa Constituição diz isso e faz todo o sentido e o Estatuto do Diplomata diz que você reside na Praia, você apresenta todos os seus documentos aqui na Praia, é aqui que você paga os seus impostos, portanto você reside aqui na Praia, residência legal obrigatória e que ninguém pode ser prejudicado por exercer funções diplomáticas no exterior. Estou à vontade porque é até do governo do PAICV e nem sequer se pode dizer ‘ah, é deste governo’. Não é. Mas já disse que enquanto for embaixador não falo muito sobre isso, mas se eu quisesse candidatar-me eu seria elegível. Primeiro, porque não há precedente…
Ao que parece há um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Dezembro de 1990 que impediu dois diplomatas de concorrem às legislativas de 13 de Janeiro de 1991…
Não é precedente. Foi uma decisão tomada naquele processo, só serve para aquele processo. Hoje o quadro constitucional é diferente e o quadro legal também é diferente. Portanto não se pode extrapolar assim. Acho que não é esse o problema, mas eu só falo desta questão quando sair de embaixador.
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 897 de 6 de Fevereiro de 2019.