Mobilidade, saúde e educação foram algumas das bandeiras da manifestação de 5 de Julho, na qual se exigiu uma mudança do actual estado de coisas.
Pertenço a uma geração de jovens que saíram do liceu e foram para a luta e pertenço a uma geração de manifestação em Portugal e em França. As manifestações são necessárias, apesar de alguns políticos pensarem que não servem para nada. São as manifestações que fazem cair os políticos. Salazar caiu de uma cadeira em plena manifestação estudantil em Portugal, De Gaulle foi abaixo também pela manifestação dos estudantes em França. Além disso, sabemos que é tradicional haver manifestações em São Vicente. Basta falar da manifestação do Capitão Ambrósio. Em 1922, também os trabalhadores das empresas inglesas manifestaram-se, exigindo um aumento de vencimento. Inglaterra enviou barcos para o Porto Grande, para intimidar os mindelenses que, claro, não foram intimidados e levaram uns dias em greve até conseguirem o que queriam.
O que se regista, sempre que há uma manifestação, em qualquer ponto do país, é uma conotação do protesto com a oposição.
Os partidos não têm valor, agora. Com o tempo, os partidos começam a perder valor. O que acontece na Europa acontece aqui também, porque o cordão umbilical de São Vicente está lá fora, não só pelas pessoas que nos ajudam, mas também dos cabo-verdianos que estão a trabalhar no exterior. É preciso ter cuidado. Estava ali [na manifestação] gente de todas as cores políticas. Os jovens não têm cor política, a cor política é uma falácia. Além disso, em Cabo Verde, somos um povo mitólogo, criamos mitos, gostamos de criar mitos para tapar o sol com a peneira.
Não eram os partidos que estavam ali, era a população de São Vicente. As manifestações são perigosas, na medida em que tocam a toda a gente e entram em casa de todos, toda a gente sente e faz comentários.
Noutros países, a falta de respostas dos governos aos anseios da população fez com que chegassem ao poder movimentos populistas ou radicais.
Sim, pode levar ao surgimento de oportunistas. O que falta em Cabo Verde é a preparação de pessoas para governar. Neste momento, sabemos que há fundações que preparam jovens para governar, para dirigir. Há muitos jovens a fazerem cursos de dirigentes, lá fora. As pessoas vão, preparam-se, aprendem lá fora muita coisa que depois podem pôr em prática aqui. O mal é as pessoas enganarem-se. Os jovens são gente com cabeça, estão a ver as coisas, ao contrário daquilo que é dito. Se [os políticos] viessem [à manifestação], veriam que não eram só rapazinhos malcriados. Também as mulheres em São Vicente são sempre ‘perigosas’ neste aspecto, quando entram na revolução, entram. Eram as mulheres que apanhavam as pedras, colocavam nos aventais, iam atrás dos homens e assim correram com os marinheiros da armada portuguesa até ao cais.
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 919 de 10 de Julho de 2019.