Ainda em finais de 2019 começavam a ouvir-se rumores de uma misteriosa doença. Uma doença respiratória que começava a causar vítimas mortais na China. As repercussões, um ano depois, ainda se fazem sentir.
De endemia passou a epidemia e daí a pandemia e o mundo mudou.
As repercussões fizeram-se sentir em todo o mundo e Cabo Verde não foi excepção.
Mesmo no campo político é impossível falar deste ano que amanhã acaba sem se falar de COVID-19.
2020 começava com um Orçamento do Estado que perspectivava valores de crescimento económico e de investimento nunca antes vistos em Cabo Verde. Tudo mudaria a partir de Março. “Este Orçamento do Estado pifou”, diria na altura o ministro das Finanças quando anunciava a preparação de um orçamento rectificativo.
O país fechava-se tentando evitar a entrada da doença em Cabo Verde. Em meados de Março os voos vindos do estrangeiro eram suspensos e no final do mês, com a necessidade de as medidas tomadas pelo governo no combate à pandemia de COVID-19 terem “no quadro constitucional normal”, o Presidente da República declarava, pela primeira vez na história do país, o Estado de Emergência.
O país parava. Instituições públicas fechavam portas e os privados só as abriam quando se tratava de serviços essenciais. Para circular na rua só quando se tivesse uma autorização especial.
E Jorge Carlos Fonseca renovaria este estado excepcional por mais três vezes abrangendo cada vez menos ilhas.
O primeiro prolongamento aconteceria a 17 de Abril. No parlamento os eleitos nacionais autorizaram, por unanimidade (43 votos dos deputados, dos quais 15 votaram virtualmente), o Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, a prorrogar o estado de emergência até 02 de Maio para as ilhas com casos de COVID-19 e até 26 de Abril para as ilhas não atingidas.
A prorrogação do estado de emergência passava a vigorar nas ilhas da Boa Vista, Santiago e São Vicente das 00:00 do dia 18 de Abril até às 24:00 de 02 de Maio, ao passo que nas ilhas de Santo Antão, São Nicolau, Sal, Maio, Fogo e Brava a duração seria de apenas nove dias, até às 24:00 de 26 de Abril.
O tema voltaria ao parlamento em Maio com nova autorização, a partir do dia 02 de Maio, a estender o estado de emergência até 14 de Maio para as ilhas de Santiago e Boa Vista.
Por último, a 14 de Maio, o Parlamento autorizava, uma vez mais por unanimidade, a terceira renovação do estado de emergência para vigorar apenas para a ilha de Santiago, das 00:00 do dia 15 de Maio e até às 24:00 de 29 do mesmo mês.
Orçamento Rectificativo
Em Julho o parlamento aprovava um novo Orçamento do Estado. Os votos favoráveis vieram da bancada do MpD e dos deputados da UCID.
Na declaração de voto, o deputado do MPD, Armindo Luz, considerou que o Orçamento Rectificativo para 2020 assegura uma resposta “acertada e ajustada” à crise sanitária provocada pela COVID-19, protege os rendimentos e ampara as empresas pela via das medidas de apoio à liquidez e da utilização de linhas de financiamento no valor de 27 milhões de contos.
“Isto porque o Governo prioriza a saúde e reforça os investimentos no sector em mais de 2,6 milhões de contos e com o reforço das verbas para medicamentos e a contratação de mais 317 profissionais”, acrescentou.
O deputado justificou o voto a favor da sua bancada apontando que o país conta com três laboratórios de virologia, por este orçamento financiar a construção de um hospital tecnicamente avançado, assim como a compra de uma aeronave no valor de 600 mil contos para as evacuações médicas entre as ilhas e patrulhamento da Zona Económica Exclusiva.
Já o deputado António Monteiro, da UCID, na sua declaração de voto disse que o partido vota a favor deste OR por entender que, dada à “situação difícil” provocada pela COVID-19, se necessita de um Orçamento para ajudar a superar “em parte” esta crise.
“Votamos a favor porque a saúde é o maior bem do povo cabo-verdiano e, por isso, cabe ao Governo tomar medidas condizentes a criar as melhores condições para fazer face à essa pandemia”, justificou.
O também líder dos democratas-cristãos disse, no entanto, estar esperançoso de que com a aprovação deste Orçamento Rectificativo os montantes disponibilizados para ajudar as famílias, as pessoas e as empresas, venham a entrar no “circuito económico e auxiliar os cabo-verdianos”.
O PAICV, por sua vez, abstinha-se.
“Votamos abstenção por este Governo estar, de forma oportunista, a corrigir opções erradas (…) e por ser um orçamento que aposta no aumento da dívida pública que vai de 124 para 150 por cento e o Governo não explicou a razão de todo esse endividamento”, fundamentava Julião Varela em nome da bancada parlamentar do PAICV.
Autárquicas
Falar de 2020 é também falar de eleições autárquicas.
O MpD partia em clara vantagem. Das 22 câmaras municipais existentes no país 18 estavam sob domínio daquele partido, duas eram governadas pelo PAICV (Mosteiros e Santa Cruz) e outras duas eram de independentes (Boa Vista e Ribeira Brava).
O cenário político autárquico mudaria a 25 de Outubro. O PAICV mantinha as autarquias que já governava e a essas acrescentava Praia, São Domingos, Santa Cruz, Ribeira Grande de Santiago e Tarrafal, em Santiago, recuperava São Filipe, no Fogo e ganhava na Boa Vista.
Com os resultados conhecidos, Janira Hopffer Almada, presidente do PAICV agradecia “a todos os cabo-verdianos pela confiança demonstrada nas nossas candidaturas” dizendo de seguida que toda “a campanha foi uma luta desigual”. A presidente do PAICV optou, depois, por destacar as vitórias nas câmaras de São Filipe “sempre tão simbólica para o PAICV” e na Câmara Municipal da Praia.
“Acontecendo esta vitória, é uma vitória de Praia e de todos os praienses”, dizia, por sua vez, o novo autarca da Praia, Francisco Carvalho, que de seguida garantia que “que tudo que falamos ao longo da campanha” são promessas a serem cumpridas durante o mandato. “É para cumprir e fazer. Vamos trazer uma nova forma de fazer política, uma câmara que vai servir para aliviar a vida dos praienses! Vai ser uma Praia para todos”, garantiu o cabeça-de-lista da candidatura do PAICV na capital.
O MpD, por sua vez, surpreendido na Praia, venceu em São Lourenço dos Órgãos, São Salvador do Mundo, Santa Catarina e Calheta de São Miguel. No Fogo manteve a liderança em Santa Catrina do Fogo. A norte venceu em todas as câmaras de Santo Antão, em São Nicolau e no Sal.
Em São Vicente o MpD, apesar da vitória para a presidência da Câmara Municipal, via a Assembleia Municipal ‘escapar’ do seu controlo com a UCID a assumir a presidência daquele órgão após uma coligação da UCID com o PAICV e o movimento independente Mas Soncent.
Mudanças no governo
O ano que agora termina foi também um ano de mudanças no governo.
Maritza Rosabal, ministra da Educação, Família e Inclusão Social que sobreviveu à polémica dos manuais de matemática, apresentou a sua demissão do cargo no início deste mês de Dezembro.
Os motivos, diria o primeiro-ministro, foram pessoais. “Foi uma honra tê-la no Governo. Reconheço a dedicação que a Maritza colocou ao serviço do país e a determinação na realização de importantes reformas no sistema educativo e na protecção social”.
Com a saída de Maritza Rosabal coube a Elísio Freire acumular o cargo de ministro da Família e Inclusão Social ao de Ministro da Presidência do Conselho de Ministros e dos Assuntos Parlamentares e Ministro do Desporto. Já para a Educação entrou Amadeu Cruz que, até à época, desempenhava as funções de Secretário de Estado do Ensino Superior.
Morte de Beto Alves
A morte de Beto Alves ensombrou a época festiva de um ano que poucos motivos teve para celebrar.
O autarca de Santa Catarina, que tinha sido reeleito para um novo mandato nas autárquicas de Outubro, foi encontrado baleado na varanda de sua casa em Assomada.
Gravemente ferido foi transferido para o Hospital Agostinho Neto, na Praia, depois de uma primeira assistência ter sido prestada no Hospital de Santa Rita Vieira.
Beto Alves viria a falecer na véspera de Natal tendo o seu funeral acontecido no dia seguinte.
“Beto Alves foi um bom presidente de câmara municipal, dedicado, empenhado e comprometido com o desenvolvimento do seu concelho, Santa Catarina, a terra que o viu nascer, crescer e partir. [Beto Alves] fez um bom trabalho meritório e deixa um legado que orgulha Santa Catarina”, destacou o Chefe do Governo.
“Parte um homem e um homem de Santa Catarina, fica o Beto Alves para sempre”, sublinhou, mostrando-se confiante que Santa Catarina saberá homenagear este seu “ilustre filho” num momento próprio e apropriado.
Além do primeiro-ministro, participam nas cerimónias fúnebres o Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, vários outros membros do Governo, autarcas da ilha de Santiago e o presidente da Câmara Municipal de Santa Catarina do Fogo, Alberto Nunes, deputados nacionais, a presidente do PAICV, Janira Hopffer Almada, e vários outros políticos.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 996 de 30 de Dezembro de 2020.