"Nós pressupomos que há uma vontade de todos os Estados-membros em avançar nesse domínio. Já fizemos esse trabalho, que foi o mais difícil, é o que esperamos conseguir em Luanda, com a assinatura. Depois é a efectivação da convenção", afirmou o Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, em entrevista à Lusa, na Praia, a propósito da Cimeira de chefes de Estado e do Governo da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), a realizar em Luanda a 16 e 17 de Julho.
A cimeira marca o fim da presidência cabo-verdiana da organização e Jorge Carlos Fonseca sublinhou que este acordo de mobilidade interna, preparado ao longo dos últimos três anos é a grande marca que o arquipélago deixa.
"É um acordo tecnicamente complexo, mas foi um trabalho que fizemos, conseguimos negociá-lo e esse modelo obteve o consenso de todos", recordou Jorge Carlos Fonseca, esperando a aprovação da convenção pelos chefes de Estado em Luanda, sendo que dos nove Estados-membros, apenas os Presidentes do Brasil e de Timor-Leste não deverão estar presentes na cimeira, em que Cabo Verde passa a presidência rotativa da CPLP a Angola.
"Foi, digamos, a negociação mais difícil e mais complexa, com altos e baixos, com recuos. Exigiu muita diplomacia, muito trabalho diplomático, muita paciência, muito espírito de cedência, de explicação", recordou.
Trata-se de uma convenção geral, descrita pela diplomacia cabo-verdiana como de "geometria variável" e a implementar a várias velocidades e que ainda carecerá de regulamentação própria de cada país, em função dos respetivos quadros legais, das suas disposições constitucionais e das exigências ou limitações dos espaços territoriais em que cada um está integrado.
Na prática, segundo Jorge Carlos Fonseca, a convenção permitirá aos Estados-membros celebrar "acordos de mobilidade cruzados", definindo países e segmentos da população.
"Por exemplo no plano cultural. Se nós pensarmos uma ideia de uma espécie de mercado comum de agentes culturais e de bens culturais, isso é possível com livre circulação ou com circulação facilitada. Dá para haver intercâmbio de artistas, de bailarinos, de escritores, de desportistas, de produção de CD, de vídeos, intercâmbio de jornalistas ou cooperação empresarial. Ela só pode ser efectivada, só é efectiva, se houver possibilidade de circulação", apontou.
Para o Presidente cabo-verdiano, a mobilidade "é um pressuposto decisivo" para que a CPLP seja "uma comunidade de cidadãos e de pessoas".
"E eu creio que hoje [a CPLP] é cada vez mais de uma forma crescente [uma comunidade de pessoas], apesar das críticas que há sempre, e as críticas são positivas porque estimulam (...) Para já, fala-se muito mais da CPLP hoje, até para se criticar mais, fala-se mais. As pessoas já se sentem mais como membros de uma comunidade de países de língua portuguesa e até por sentirem é que são exigentes", reconheceu.
Insistiu que apesar das dificuldades para a implementação da mobilidade na CPLP ainda serem "difíceis", até pelas diferentes políticas regionais que envolvem os vários países, mas diz que "dois terços do caminho" já estão feitos.
"Mas mesmo isso, nesse projecto de mobilidade, os procedimentos são simplificados de maneira que os processos de ratificação não levem muito tempo. São processos extremamente simples, de mera notificação. Uma espécie de menu num restaurante", explicou Jorge Carlos Fonseca, referindo-se à possibilidade de cada país avançar com as suas opções mobilidade facilitada dentro da CPLP.
Na hora do balanço da presidência cabo-verdiana da CPLP, que devido à pandemia de covid-19 passou de dois para três anos, Jorge Carlos Fonseca, assume-o como "francamente positivo" face aos resultados obtidos, desde logo com esta convenção.
"O primeiro e o mais importante para nós é que na nossa presidência tínhamos a preocupação de fortalecer a comunidade sobretudo através da aproximação entre os povos, e por isso o slogan da nossa presidência era 'as pessoas, a cultura e os oceanos'. E para que a comunidade se transformasse numa comunidade de pessoas e de povos, tínhamos que procurar os melhores caminhos para que houvesse mobilidade no seio da comunidade", recordou.
Daí que, sublinhou, "um dos principais pontos" da agenda de Cabo Verde tenha sido "a procura de um consenso" para a convenção da mobilidade, que "parecia uma coisa muito difícil de obter" porque são nove países de quatro continentes diferentes. Contudo, o projeto de convenção de mobilidade "de geometria variável", após "intensas e complexas negociações conseguiu obter o consenso dos nove países, dos técnicos, dos embaixadores, dos ministros da Administração Interna, dos ministros dos Negócios Estrangeiros".
"É um salto enorme na CPLP. Isto é, pela primeira vez temos a possibilidade de nove países dessa comunidade assinarem um acordo de mobilidade, o que quer dizer que esse é um instrumento que vai permitir fazer tudo o resto: Aproximar os empresários, os agentes desportivos, agentes culturais, os bens culturais, os universitários, os estudantes, os professores, os jornalistas. Esse era para nós o pressuposto estratégico, transformar a comunidade numa comunidade de cidadãos", apontou.
Destacou igualmente que "nunca como nos últimos dois anos" houve "tanta cooperação técnica multilateral no seio da CPLP", dando como exemplo Moçambique e a concertação de apoio para lidar com os ciclones que afectaram o país, "com presença no terreno, com equipamentos, com materiais, com recursos humanos, com medicamentos, com equipamentos sanitários".
"Isso pôs à prova a solidariedade da CPLP, a cumplicidade entre Estados", enfatizou, destacando que esse é "um sinal de vitalidade muito forte".
Daí que defenda que a CPLP "está de boa saúde e recomenda-se".
"E tanto se recomenda que neste momento nós somos nove países membros e temos o dobro de Estados que têm o estatuto de observador associado. E muitos outros a quererem associar se à CPLP, o que tem que dizer alguma coisa, digamos, essa apetência para se aproximar da CPLP. Porque é uma organização credível, já tem mais prestígio e que é útil no plano das relações internacionais", concluiu.