Discurso integral de Jorge Carlos Fonseca na Cimeira da CPLP em Luanda

PorExpresso das Ilhas,17 jul 2021 11:19

Jorge Carlos Fonseca
Jorge Carlos Fonseca

Leia o discurso do Presidente da República na Sessão Solene de Abertura da XIII Conferência de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

Excelências,

Minhas Senhoras, meus Senhores,

Permitam-me, antes de mais, palavras de vivas saudações aos digníssimos Chefes de Estado e de Governo da CPLP e ilustres convidados, bem como de franco agradecimento ao meu irmão, Presidente João Lourenço, pelo caloroso acolhimento que me reservou, assim como à delegação que me acompanha, neste seu belo país, Angola.

Palavras, ainda, de felicitações pela excelência da organização deste evento cimeiro da nossa Organização, e de reconhecimento por todo o esforço despendido para que nos pudéssemos reunir, presencialmente, nestes tempos de restrições impostas pela pandemia da COVID 19.

Excelências,

Não obstante as dificuldades económica, política e social que alguns dos Estados membros enfrentaram ao longo destes 25 anos de existência, fortemente agravadas pela pandemia de COVID 19, é, contudo, inegável o avanço registado na prossecução dos objectivos que fundaram a constituição da nossa organização política. Avanço em todos os domínios, designadamente na concertação política e diplomática, que permitiu uma significativa melhoria na afirmação dos nossos países na cena internacional, sendo de realçar o acesso a importantes cargos em organizações internacionais de enorme relevo, com significativo impacto nos destinos dos Estados e povos no mundo. Inúmeras candidaturas a vários cargos internacionais foram objeto de consenso e solidariedade entre todos os Estados Membros e geraram dinâmicas ganhadoras, com benefício claro e firme para todos.

Em várias matérias de ordem política com impacto internacional, os Estados Membros falaram a uma só voz, ganhando dimensão e influenciando o curso dos acontecimentos. Hoje existe muito maior cumplicidade política entre os Estados Membros. Ouvir, informar, partilhar ideias e preocupações fortalecem os laços de amizade e de cumplicidade, factores essenciais para a coesão da nossa comunidade política.

As relações entre os Estados Membros, mas também entre as organizações da sociedade civil, intensificaram-se de um modo muito significativo e o conhecimento mútuo aprofundou-se grandemente. Foram promovidas dezenas de eventos e iniciativas de natureza política, técnica, económica a e cultural, por vários níveis, densificando a proximidade entre as pessoas e entre as instituições.

Quase todos os sectores da vida pública dos nossos Estados Membros têm-se encontrado, conversado, partilhado ideias e projectos na busca de soluções comuns. Justiça, segurança, saúde, formação profissional, ambiente, energia renovável, recursos hídricos, agricultura, economia marítima, educação, ciência e tecnologia, todos os sectores, tanto a nível técnico e operacional, como a nível político, têm-se concertado em processos de ajuda mútua que optimize as nossas oportunidades de desenvolvimento e reforce as relações de amizade e cooperação entre os nossos povos e países.

A par do desenvolvimento das relações entre as instituições estatais, gerou-se um movimento crescente de aproximação e colaboração entre organizações da sociedade civil que, gradualmente, vai criando redes de contacto entre instituições e cidadãos, contribuindo para reforçar os laços de amizade e cooperação entre povos, como provam as mais de 80 organizações da sociedade civil que actuam nos mais variados países e que gozam do estatuto de Observadores Consultivos da CPLP.

Acredito que este potencial, tanto quanto o prestígio granjeado pela Comunidade, são responsáveis pelo interesse de Estados terceiros em aproximarem-se dela. É que hoje, juntos, formamos um espaço linguístico e cultural com um forte potencial geoestratégico e geoeconómico. Um espaço de atração, pois que temos dezoito países Observadores Associados, oriundos de diversos continentes, e uma organização internacional, e muitos outros são os que pretendem aceder a esse estatuto, para aprofundar a concertação e a cooperação com os nossos países.

A promoção da língua portuguesa tem conseguido avanços importantes, tanto no plano do seu ensino nos Estados membros como na sua utilização internacional. Os esforços feitos junto de organizações internacionais têm dado frutos e hoje o português já é reconhecido como língua de trabalho em várias organizações internacionais e regionais.

Não tenho dúvidas que a solidariedade é um dos valores que encontra tradução prática na CPLP, e os Estados membros têm reiterado o compromisso de cooperarem, em todos os domínios, apoiando o desenvolvimento dos países menos avançados através de ações prioritárias de cooperação, apoiando-os, particularmente, no combate à pobreza e às doenças e a promover a escolaridade e o emprego, tendo para tanto, dotando-se de uma nova visão estratégica para o decénio 2016–2026, com o compromisso de “reforçar os laços de solidariedade e de cooperação que os unem, conjugando iniciativas para a promoção do desenvolvimento económico e social dos seus Povos e para a maior e mais ampla afirmação e divulgação da Língua Portuguesa.”

Nesse contexto, tenho por muito feliz a escolha do tema desta XIII Conferência de Chefes de Estado de Governo da CPLP “Construir e Fortalecer um Futuro Comum e Sustentável”, mormente nestes tempos extremamente difíceis que vivemos, consequência da pandemia de COVID 19, em que todos somos convocados para o reforço da cooperação multilateral, fundada no interesse dos nossos Povos, no desenvolvimento inclusivo e harmonioso, em conformidade com os postulados da Declaração Constitutiva da CPLP e os objectivos de desenvolvimento sustentável, determinados pelas Nações Unidas na Agenda 2030.

Minhas Senhoras, Meus Senhores,

Em Julho de 2018, assumimos, não sem algum orgulho e com o sentido das responsabilidades, a presidência pro tempore da nossa Organização, com o lema “As Pessoas. A Cultura. Os Oceanos”, com a ambição de, com a nossa ação, contribuir para que a CPLP seja um espaço de livre circulação de pessoas, de investimentos e comércio, complementando os espaços de integração económica a que os diversos países da CPLP pertencem.

Consideramos que a livre circulação dos Cidadãos da Comunidade, a potencialização do valor económico da língua portuguesa numa perspetiva estratégica, e a valorização e projeção internacional da cultura, são elementos-chave para uma maior consolidação da CPLP. Do mesmo passo, perspetivamos o tema dos Oceanos na CPLP, como crucial para a gestão sustentável, bem assim, na construção de novas oportunidades para as populações.

Como é do vosso conhecimento, o nosso mandato de dois anos, que deveria ter terminado em julho do ano passado, teve de ser prolongado até hoje, devido à pandemia que se instalou no mundo em 2020 e que impossibilitou Angola de organizar esta nossa Conferência.

Em jeito de balanço da presidência pro tempore de Cabo Verde, gostaria de destacar, no que à concertação politica e diplomática diz respeito, as várias ações de solidariedade no seio da CPLP, nomeadamente, para com o povo moçambicano e reconstrução das regiões devastadas pelos ciclones Idai e Kenneth, bem como o apoio manifestado à Guiné Equatorial, aquando das explosões na cidade de Bata.

De ressaltar, igualmente, a adopção do Programa de integração da Guiné Equatorial na CPLP, que vem sendo levado a cabo pelas Autoridades da Guiné Equatorial, com o apoio dos demais Estados-membros e o Secretariado Executivo da CPLP.

Destacamos, ainda, as duas sessões da Assembleia Parlamentar da CPLP ocorridas na Praia e Luanda, em 2019, sob os temas “CPLP uma Comunidade de Pessoas e «A Mobilidade como Fator de Aproximação dos Povos da CPLP». A 7 de julho último, Cabo Verde passou a presidência deste órgão da nossa organização à Guiné-Bissau.

No âmbito da cooperação, não podemos deixar de fazer referência aos eventos realizados pelo Secretariado, em articulação com a presidência, no quadro da adoção do «Ano da CPLP para a Juventude em 2019» pela XI Conferência de Ministros da Juventude e Desporto da CPLP, em São Tomé e Príncipe, julho de 2018, e agora, em 2021, os eventos no quadro do Combate ao Trabalho Infantil.

Salientamos, também, no período da presidência cabo-verdiana as diversas reuniões ministeriais realizadas pelos diferentes sectores, desde as presenciais, às realizadas em formato digital, de que resultaram importantes trocas de experiências e definição de estratégias comuns na mitigação dos efeitos devastadores da situação pandémica, assim como para outras situações, como as provocadas pelas alterações climáticas e a degradação dos ecossistemas.

Consideramos, ainda, de extrema relevância, a realização do III Encontro do Fórum da Sociedade Civil da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (FSC-CPLP) sob o tema “O Papel do Fórum da Sociedade Civil no Reforço de Parcerias para a Implementação dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável, em maio último, na Cidade da Praia, em Cabo Verde, e por videoconferência, tendo saído claramente reforçado o diálogo social entre as organizações da sociedade civil do espaço da CPLP.

Finalmente, evidenciamos, as reuniões realizadas durante o processo de consensualização do projecto de Acordo sobre a Mobilidade entre os Estados Membros da CPLP, apresentado por Cabo Verde em abril de 2019, na cidade da Praia, por ocasião da V Reunião de Ministros do Interior e da Administração Interna da CPLP, e que será aprovado e assinado no decurso desta XIII Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP.

No eixo da promoção e difusão da língua portuguesa, enfatizamos a XI Reunião de Ministros da Cultura da CPLP, que teve lugar na Cidade da Praia, em Cabo Verde, no dia 12 de abril de 2019, cujo debate central foi o «Mercado Comum da Arte e da Cultura na CPLP», e que teve a presença de todos os Estados-Membros e de alguns Observadores Associados.

Para além das comemorações do Dia da Língua Portuguesa e da Cultura na CPLP, em 2019 e em 2021, realçamos a realização da IV Conferência Internacional sobre a Língua Portuguesa no Sistema Mundial, um evento de extrema importância para o objectivo primordial da CPLP da promoção e difusão da língua portuguesa, que contou com duas dezenas de comunicações e a participação de um sem número de especialistas de todos os Estados-Membros, e do qual resultaram importantes contributos para o Plano de Ação da Praia, que se prevê aprovar, igualmente, no decurso desta Cimeira.

Não poderíamos deixar de falar da vertente «oceanos», inscrita de forma lapidar no lema da nossa presidência.

No mar confluem as nossas histórias e retinem alegrias e emoções dos nossos povos, alimentando o optimismo das nossas esperanças.

A pandemia impediu-nos de realizar o que tínhamos como perspetivas. Mesmo assim, para além de uma importante reunião dos Ministros dos Assuntos do Mar que teve lugar em Mindelo, é mister sublinhar que se conseguiu a apresentação da nova funcionalidade informática “Centro de Conhecimento de Ciências do Mar da CPLP” e a criação de um separador no Portal do Oceano da CPLP - o “Centro de Conhecimento de Ciências do Mar da CPLP” -, a conclusão dos Atlas dos Oceanos da CPLP e a sua edição no Portal Oceano da Organização, sob responsabilidade de Portugal e do Brasil respetivamente, e a Constituição de um Grupo de Grupo de Técnico para partilha de informação sobre os processos de extensão das plataformas continentais dos Estados-membros.

Para a obtenção dos resultados acima recortados, beneficiámos da meritória colaboração de todos os Estados-Membros e dos Observadores Associados e Consultivos, a quem reafirmamos, nesta oportunidade, os nossos mais profundos e sinceros agradecimentos.

Minhas Senhoras, Meus Senhores,

Excelências

Minhas Senhoras, Meus Senhores

A celebração dos primeiros 25 anos - um quarto de século, portanto - da CPLP, acima de tudo, é uma celebração da unidade da língua portuguesa, do respeito pela diversidade cultural e do diálogo entre culturas. A sua força é a sua unidade, construída a partir da diversidade, e aceite como um processo fecundo e enriquecedor pelos Estados que a compõem.

Aqueles de entre vós que me conhecem melhor, sabem que o outro pé que me sustenta - para além da actividade política, tal como muitos de vós, abraçada desde a juventude – é a literatura. Serve para descanso do olhar, no final de uma jornada de trabalho, para a reflexão demorada e sem pressas. Permite analisar e apreciar outros ângulos da vida, a forma e o espírito das coisas e dos lugares, e empurrar cada dia, fazendo dele espaço de realização - ou pelo menos de conforto pessoal.

Quero com isto dizer que em cada momento, como este, em que nos reunimos e corporizamos as aspirações dos nossos povos, eu penso nos nossos poetas, pois são eles quem vai à frente nessa tarefa, tida, amiúde, como inútil - mera tapeçaria de sons e sílabas - de pensar o coração das pessoas e o riso das crianças, questionar a nossa própria existência. Como se ela (a poesia), que se contém na vida e em todos os seus pedaços, e, por isso, precisa de toda a luz do mundo, fosse efectivamente a fala do mundo e o único remédio para a sua definitiva salvação. Penso neles como cidadãos de um país que é o das letras, mas que também junta rios e montanhas, ilhas e vales, promontórios, vilas e cidades; aqueles que ao fim de cada volta da Terra em torno do Sol, recolhem e amassam a espuma dos dias, registam os sons do quotidiano e a voz do silêncio.

Penso nesse diálogo fecundo entre os homens e mulheres das nossas letras, vozes chegadas de diferentes latitudes: em Sophia de Mello Breyner Andresen, no seu encantamento ao descobrir José Craveirinha; no fascínio de Luandino Vieira pela criatividade de Guimarães Rosa ou na confessada admiração de Jorge Barbosa por Manuel Bandeira; de Francisco José Tenreiro com Mário de Andrade, ou então, mais na nossa contemporaneidade, a influência estilística de António Lobo Antunes na obra do timorense Luís Cardoso, no cruzamento do teatro e dos romances de rios e tabancas, de Abdulai Sila, com as cantigas e a tradição oral de Odete Semedo, mas também nas trocas de correspondência entre os mestres avoengos Eça de Queirós e Machado de Assis. É este o mundo fascinante que nos é legado e que vimos produzindo, alimentando o mundo maior com a nossa singularidade enquanto povos que se exprimem nesta mesma língua literária.

Mas penso também nos nossos músicos, nos nossos artistas plásticos, nos actores e encenadores, nos nossos agentes e activistas culturais, editores e gente profissional, que mantêm as nossas culturas populares vivas, sem esquecer os artesãos e nossos contadores de estórias. E, naturalmente, penso no riso e na alegria das nossas gentes, nessa massa viva e dinâmica que dá corpo e consistência humana à nossa Comunidade, a razão de aqui estarmos hoje, e destes 25 anos da CPLP.

Esta é uma viagem comum, feita pelos remadores das letras e ao som de tambores, cimboas, flautas, violinos, djembés, cavaquinhos, quissanges e oboés. É o nosso cadinho no mundo e assim continuará, alimentado como um grande rio pelos seus nove afluentes, engrossando e reforçando a sua correnteza, nessa busca incessante pela liberdade, felicidade e o bem-estar dos nossos povos.

É com esta convicção e com espírito de missão cumprida, que Cabo Verde tem a enorme honra e satisfação de passar o testemunho ao país irmão, Angola, augurando-lhe os maiores sucessos, com a fundada esperança de estarmos mais próximos de realizar a ambição de uma organização que seja, sobremaneira, uma Comunidade de povos e de cidadãos.

Longa, criativa e profícua vida à CPLP!

Muito obrigado pela vossa atenção.

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Autoria:Expresso das Ilhas,17 jul 2021 11:19

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  1 mai 2022 23:20

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