O que é que o levou a avançar com esta candidatura presidencial?
Só tomei esta decisão de ser candidato a Presidente da República de Cabo Verde após uma serena análise da situação política nacional. Ao analisar com atenção o cenário político nacional, cheguei à conclusão de que posso dar um contributo diferenciado para a qualificação da democracia e para a dignificação do cargo de Presidente da República. Esta convicção muito mais do que um mero sentimento deriva também de um factor muito importante: cheguei à conclusão que os outros, na altura pré-candidatos, agora candidatos meus adversários, não estão à altura da responsabilidade e das exigências do tempo presente. São, sobretudo, os candidatos ligados aos chamados partidos do arco do poder, figuras claramente ultrapassadas. A meu ver são figuras desgastadas que tiveram muito tempo para fazerem alguma coisa de positivo, que fosse marcante para Cabo Verde, e muitas vezes falharam. Não se percebe neste quadro, no presente quadro político, qual é a motivação, o que é que está por detrás do regresso de certos candidatos, de certas figuras que muitas vezes, num passado relativamente recente, destruíram os respectivos partidos. E com isso criaram um fosso, uma cultura perniciosa de que os cabo-verdianos não se esquecem facilmente. Portanto, não se percebe como é que figuras que já passaram pelo Governo e que têm esse currículo de quezílias, de destruição de partidos, até de uma certa cultura de intolerância, como é que querem candidatar-se agora ao cargo de Presidente da República. Ora, uma pessoa com este currículo, digamos assim, não consegue funcionar como factor de unidade nacional. O Presidente tem de, para além de representar a República interna e externamente, encarnar a unidade do Estado e da nação. E essas figuras de que eu falava há instantes não estão à altura, não conseguem fazer isso precisamente pelo seu passado, pela sua forma de ser, o seu modus operandi . Tendo em conta o meu percurso de vinte anos ou mais de estudo, de preparação mormente em matérias de direito público, de filosofia constitucional, tudo isto levou-me a ponderar e a decidir ser candidato às eleições presidenciais de Outubro deste ano. Creio que a minha candidatura, neste momento, muito francamente, é a mais consistente e mais alinhada, sobretudo tendo em conta o meu percurso coerente de combate cívico permanente pela defesa dos valores constitucionais, dos valores do Estado constitucional.
O que é que o diferencia dos outros candidatos?
O que me diferencia sempre esteve claro. E agora está a ficar cada vez mais claro. É aquilo que o jurista, Konrad Hesse, Constitucionalista alemão, chamava de vontade de Constituição. Casimiro de Pina, e isto pode ser facilmente provado, é uma pessoa que sempre teve esta vontade de Constituição. Eu não tenho visto isso relativamente aos outros candidatos, muito sinceramente. Este percurso de coerência, este percurso de defesa permanente dos valores constitucionais dos fundamentos da República Democrática. Isto é que me legítima como candidato e isto é algo diferenciador. Eu fiz este combate, muitas vezes com sacrifícios pessoais enormes, e muita gente não fez isso em Cabo Verde. Eu fiz e isto está documentado e provado na imprensa, nos artigos, nos livros, etc. Tudo isto é um percurso diferenciador. Eu tenho a impressão que alguns candidatos, cujas entrevistas, intervenções públicas, eu tenho escutado por aí, não estão a perceber o que é o estatuto do Presidente da República, o que é a função de Presidente da República. Isto leva-me a pensar que, de facto, a candidatura de Casimiro de Pina é cada vez mais necessária para fazermos a diferença. Há candidatos que estão aqui a falar de estradas, de portos e aeroportos. O Presidente da República não tem nada a ver com isso. O Presidente da República em Cabo Verde não governa. Ao contrário dos Estados Unidos da América, onde o Presidente da República é de facto o chefe do Executivo, ou da França actual, da chamada Quinta República, em que o Presidente da República até pode governar por intermédio do Primeiro-Ministro, isto não acontece em Cabo Verde. Portanto, qualquer candidato sério tem de perceber exactamente qual é o papel do Presidente da República. Não é por acaso que eu tenho andado sempre munido desta Constituição da República. Não é uma questão de capricho, nem se trata de uma moda para inglês ver. É que efectivamente, no meu caso, o meu programa é precisamente a chamada Constituição de material. Ou seja, a Constituição, enquanto repositório de valores essenciais que dão sentido e consistência ao Estado de direito democrático. Muitas vezes as pessoas perguntam, mas qual é o seu programa? O meu programa é a Constituição da República. O Presidente da República, como eu disse, tem funções de representação da República. Mas também é o garante do correcto funcionamento das instituições políticas e, se quisermos, em última instância do próprio Estado. O Presidente personifica a própria ideia de Estado, a continuidade em termos de funcionamento das instituições públicas. Portanto, o meu programa é esta Constituição que eu assumo com toda honra e cuja blindagem compete antes de mais ao Presidente da República assegurar. Este aspecto também é determinante e eu não tenho visto isto pela banda dos outros que muitas vezes falam de outras coisas, mas que muitas vezes secundarizam a Constituição. A Constituição fica para eles num plano sempre secundário. Falam pouco da Constituição. Isso é claro. Isso é inegável.
Por desconhecimento?
Ou então pela tal falta de vontade da Constituição de que eu falava há pouco. Se calhar, pensam que estão a candidatar-se a outra coisa qualquer e fico-me por aí… Ou então querem manipular as pessoas. Eu não sei. Eles hão-de responder, eu não consigo perceber muito bem qual é a lógica deles. Mas o facto é que muitas vezes a Constituição, no caso deles, fica de facto secundarizada, fica mais para trás. Portanto, a Constituição é uma coisa quase que descartável. É um sucedâneo que fica por aí, uma vacuidade qualquer, num limbo existencial qualquer. E isto também se reflecte na própria forma de agir. Quotidianamente vemos a forma, inaceitável, a meu ver, como alguns candidatos percebem as eleições presidenciais. Se abrirmos as redes sociais, se abrirmos as páginas de alguns candidatos, nós percebemos logo que, para eles, é uma questão de luta partidária. Isso é completamente inaceitável. Isso é manifestamente deseducador. E não se pode aceitar de ânimo leve. Eu não consigo aceitar isso. Em Outubro nós não vamos ter um partido A contra partido B. Como eu tenho dito, combatendo essa propaganda perniciosa, as eleições presidenciais não podem ser transformadas numa espécie de segunda volta das legislativas. Isso é absolutamente inaceitável. Veja que no caso das presidenciais, de acordo com aquilo que a Constituição determina, os partidos políticos nem sequer podem apresentar candidaturas. A Constituição demarca uma linha muito clara. Isto é uma determinação essencial que a própria Constituição, enquanto lei fundamental, faz. Os partidos podem intervir naturalmente, os partidos têm a sua importância em democracia, mas tem que ser uma intervenção discreta para não se ofender a letra e o espírito da Constituição da República. Mas parece que há candidatos que querem ir a todo o custo, e isso também já por si é revelador, à boleia dos partidos, e nessa procura a todo o custo, quase que maquiavelicamente, da tal boleia partidária acabam por muitas vezes perverter a Constituição da República e acabam por perverter também os valores que esta Constituição consagra.
É fácil combater duas máquinas partidárias como o MpD e o PAICV?
Eu não vou combater as máquinas partidárias. Eu vou combater a demagogia. Vou combater a falta de respeito que essas candidaturas têm pela Constituição da República e vou continuar a explicar aos cabo-verdianos esta ideia fundamental: essas pessoas estão a perverter, estão a todo o custo a tentar criar uma lógica outra, essas candidaturas actuam como uma espécie de fraude à Constituição, o termo correcto é este, e eu vou continuar a mostrar aos cabo-verdianos que esta fraude à Constituição é muito perigosa e não pode ser aceite. Porque o Presidente da República tem que ser alguém capaz de funcionar como árbitro. Tem de ser alguém capaz de funcionar como factor de unidade nacional. Ora essas pessoas, esses candidatos que estão sempre a procura da tal boleia, que estão sempre na lógica partidária, a perverter as instituições, a Constituição da República, jamais conseguirão funcionar como árbitro. O Presidente da República tem que ser árbitro, porque muitas vezes, nalgumas situações específicas, ele é chamado até a exercer poderes excepcionais, extraordinariamente importantes e delicados e, portanto, o Presidente da República tem que ter uma sensibilidade especial. Não pode ser, como eu tenho dito, o Presidente só de uma facção. Há pessoas que querem ser Presidente de uma facção. Eu não quero ser Presidente de facções. Eu quero ser um Presidente de todos os cabo-verdianos, com essa tal vontade de Constituição do que eu falava há pouco, e capaz de materializar os valores ínsitos na Constituição material que nós temos agora em Cabo Verde.
Sente que tem essa capacidade agregadora de ser um Presidente não de uma facção ou outra, mas de todas as facções?
Sinto e já provei que tenho esta capacidade. As pessoas conhecem o meu percurso. Repito, isto até é uma coisa que eu posso pegar facilmente através das minhas intervenções públicas que estão registadas. Portanto, as pessoas que conhecem a minha coerência ao longo dos anos e sabem que eu tenho, muitas vezes até de forma intransigente, defendido sempre estes valores. Há candidatos que, no passado, para além de destruírem os respectivos partidos, expulsavam alunas grávidas dos liceus. Isso é gravíssimo, mostra que essas pessoas não têm condições mínimas para serem Presidente da República no actual Estado Constitucional que nós temos. Ora eu, pelo contrário, sempre combati essas práticas. Basta vermos nos jornais o combate raro que Casimiro de Pina deu contra essas medidas. Expulsão de alunas grávidas e de tantas outras coisas que aconteceram. Eu estive sempre, mas sempre, na linha da frente. É um combate cívico que me trouxe até dissabores do ponto de vista pessoal, que me trouxe sacrifícios pessoais enormes, mas eu estive sempre a combater pela vigência, pela reposição dos valores nacionais. Portanto, tudo isto dá-me legitimidade e mostra que estou preparado, e que, no meu caso, há uma união inabalável entre as ideias e a prática.
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Quem é Casimiro de Pina?
Casimiro de Pina é licenciado e pós-graduado em Direito com formação em feitura de leis. Tem-se dedicado à investigação na sua área de formação e já produziu sete livros. Ex-docente universitário e analista político é colaborador de várias revistas jurídicas especializadas. Até há pouco tempo desempenhou funções de Conselheiro do Primeiro-Ministro de Cabo Verde.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1033 de 15 de Setembro de 2021.